[O texto abaixo é da autoria de Alberto Dines e foi publicado no dia 24/12 no site Observatório da Imprensa. Ele aborda, com muita propriedade, mais uma palhaçada protagonizada por nossos parlamentares, no espetáculo deprimente do simulacro da votação a jato de mais de 3.000 vetos presidenciais que mofam no Congresso, alguns há mais de década. O mofo é a característica marcante da mentalidade e da papelada de um Congresso que envergonha nossa democracia. Dines, corretamente, denuncia também veementemente a imprensa omissa que não policiou mais essa demonstração de incompetência e inutilidade de nossos parlamentares.]
Três mil vetos e uma grande omissão
Alberto Dines -- Observatório da Imprensa (24/12/2012)
Quando há duas semanas descobriu-se que havia mais de três mil vetos
presidenciais na fila para serem examinados pelo Congresso – alguns
datados de 1994! – flagrou-se a natureza e dimensões do leviatã
burocrático nacional.
A surpresa foi geral, mas a reação do responsável por este formidável
atentado ao Estado de Direito foi kafkiana. Para permitir a urgência na
apreciação do veto de Dilma Rousseff à distribuição dos royalties do
petróleo, o chefe de Legislativo, o inventivo e sempiterno José Sarney,
determinou que os vetos fossem examinados simultaneamente: mandou
imprimir um catatau de quase 500 páginas para ser distribuído a cada um
dos deputados e senadores onde seriam anotados os respectivos votos,
item por item, e depois depositados em “urnas” de madeira, verdadeiras
caçambas que os funcionários carregariam nos ombros.
A farsa merecia ser incluída numa novela em quadrinhos sobre a República
dos Equívocos. Não deu tempo: os chargistas estão assoberbados, nossos
melhores satiristas já se foram, outros estão de licença médica e o
recesso natalino não pode ser atrasado. Fica para a próxima.
Escancarou-se simultaneamente a incapacidade da nossa mídia em exercer a
sua função fiscalizadora. Aquele que foi chamado de Quarto Poder e hoje
se comporta como se fosse o undécimo, não conseguiu enxergar a
gigantesca ilegalidade que está sendo praticada consecutivamente há 18
anos. Nem se esforçou.
Ícones da inépcia
Três mil vetos presidenciais pendurados, sem solução, constituem uma
aberração institucional que não pode ser varrida para debaixo do tapete.
Se nossos repórteres políticos já não cobrem o Congresso, por que
continuam ser credenciados para esta missão?
É óbvio que há em Brasília profissionais conscientes, ansiosos para
exercer a vigilância sobre um poder que no passado foi o principal
aliado da imprensa na denúncia de abusos. Os porteiros das redações é
que desistiram do jornalismo de formiguinha, teimoso, tinhoso, anônimo e
eficaz.
Os editores querem aparecer, brilhar, produzir manchetes espetaculosas,
de preferência sopradas ou vazadas pelas autoridades ou arapongas. Não
têm tempo nem ânimo para estimular as novas gerações de repórteres a
meter a mão na papelada, devassar os “atos secretos” e driblar os
arrogantes assessores de imprensa a serviço do mau jornalismo.
Não se cobrem as sessões, não se cobra assiduidade dos representantes do
povo, não se examinam os relatórios produzidos pela descomunal
burocracia a serviço das duas casas do Parlamento.
Os três mil vetos em suspenso são os ícones de um Legislativo inepto e
viciado. São também um atestado de uma imprensa desnorteada, desfibrada,
alheia ao seu compromisso de servir a sociedade e a democracia.
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