sábado, 15 de dezembro de 2012

A Segunda Emenda virou carta branca para matar inocentes nos EUA

Mais uma vez, os EUA são palco de uma tragédia absurda e inexplicável: um rapaz de 20 anos mata a própria mãe, 20 crianças, 6 adultos e se suicida. Em agosto deste ano fiz uma postagem sobre a paranoia do direito à posse de armas nesse país.  O caso com o maior número de mortos da história recente dos Estados Unidos ocorreu em abril de 2007, na Universidade de Virginia Tech, em Blacksburg, no estado de Virgínia. Cho Seung-Hui, um aluno da universidade, matou 32 pessoas antes de se suicidar. Apresento a seguir um levantamento sobre casos semelhantes ocorridos nos EUA somente neste ano de 2012 (excluindo o de agora):

- 2 de abril: um atirador mata sete pessoas e fere três ao fazer disparos contra uma universidade cristã em Oakland.
- 20 de julho: um atirador mascarado mata 12 pessoas e fere 58 quando abre fogo contra espectadores do filme da série Batman "O Cavaleiro das Trevas", em Aurora, subúrbio de Denver, no Colorado.
- 5 de agosto: um atirador mata seis pessoas durante o culto de domingo de um templo Sikh em Oak Creek, no Wisconsin, antes de ser morto por um policial.
- 24 de agosto: duas pessoas são mortas e oito ficam feridas num tiroteio no lado de fora do Empire State Building, na cidade de Nova York, no auge da temporada turística.
- 27 de setembro: um ex-funcionário frustrado mata cinco pessoas e tira a própria vida em tiroteio numa empresa de Minneapolis da qual ele havia sido demitido.
- 21 de outubro: três pessoas são mortas na região de um spa em Milwaukee, incluindo a ex-mulher do suposto atirador, que se matou.
- 11 de dezembro: um atirador mascarado matou duas pessoas e cometeu suicídio em um shopping center no estado americano de Oregon.

Apesar dessa sequência inacreditável de tragédias, abolir o direito à posse de armas continua um tabu entre os americanos, com base na Segunda Emenda da Constituição americana: "A well regulated militia, being necessary to the security of a free state, the right of the people to keep and bear arms shall not be infringed"  -- [ O trecho "being necessary to the security of a free state" colocado entre vírgulas, como um aposto, me soa estranho -- o que só pode evidenciar meu domínio falho da língua inglesa --, por isso farei uma tradução livre da emenda: "Sendo necessária à segurança de um Estado livre uma milícia bem regulada [controlada por regras e restrições], o direito das pessoas a possuir e portar armas não será [não pode ser] violado".]

O radicalismo dos americanos na defesa desse direito a ter e portar arma(s) é tão extremado, que existe, por exemplo, uma "Second Amendment Foundation" [Fundação (da) Segunda Emenda -- SAF, em inglês] no país. No site dessa organização vemos notícias como "SAF ganha expressiva vitória para o porte de arma em Illinois", ou "SAF aciona Missouri na justiça federal contra proibição estadual ao porte de armas escondidas [não visíveis] por estrangeiros [legalmente residentes nos EUA]", e por aí vai. O site Consultor Jurídico, com data de 29 de junho de 2010, relata que "a partir de agora, os estados federados dos Estados Unidos não podem limitar ou proibir os cidadãos de ter e portar armas de fogo".

Vejam o emblema da SATF (Força Tarefa da Segunda Emenda) -- clique na imagem para ampliá-la:


À esquerda do emblema, onde há a figura de uma arma, está escrito: "Me dê liberdade, ou eu mesmo a conseguirei" (em tradução livre). No lado direito, sob a figura da cobra em posição para dar o bote, se lê: "Não me pise" (= não mexa comigo).

A Constituição americana foi discutida e aprovada pela Convenção Constitucional de Filadélfia - na Pensilvânia, entre 25 de maio e 17 de setembro de 1787  (ainda na época do Oeste Selvagem -- Wild West). Ela prevê um sistema de alterações, por intermédio de Emendas, tendo ocorrido até agora um total de 27 emendas. As 10 primeiras são designadas por Bill of Rights (Carta de Direitos - promulgada em 15 de dezembro de 1791) por conterem os direitos básicos do cidadão face ao poder do Estado (clique na imagem abaixo para ampliá-la).



Pelo histórico belicista dos EUA e de atentados de psicopatas, cidadãos americanos, contra inocentes dentro do país, vê-se quão arraigado é no inconsciente americano o valor da arma de fogo como instrumento de manifestação de poder. E a Segunda Emenda é a âncora disso tudo.

Enquanto não surgir alguém de coragem suficiente no cenário político americano, ou enquanto a população americana não se levantar para por fim a esses massacres inequivocamente facilitados pela extrema liberdade para comprar e portar armas no país, continuaremos todos a, recorrentemente, ser traumatizados por tragédias como a de ontem na cidadezinha de Newtown. E o pior é que a repetição dessas tragédias e sua justificada repercussão na mídia têm gerado exemplos traumáticos pelo fundo afora, como o massacre da Noruega (quase 100 mortos) em julho de 2011 e o de Realengo, no Rio, em abril de 2011 (12 crianças mortas).

 






2 comentários:

  1. As leis altamente restritivas ao porte de armas da Noruega e do Brasil não evitaram os massacres referidos no texto. Países com controle de armas, como o Brasil, apresentam taxas de assassinatos por armas de fogo e violência contra a pessoa muitas vezes maiores que os Estados Unidos. Restringir a posse e o porte de armas é a primeira preocupação de Estados totalitários (como a Alemanha nazista e a URSS). O direito de portar armas é um dos fundamentos da liberdade individual e não deve ser restringido. Os estados dos EUA com leis menos restritivas para a posse e o porte de armas são justamente os que apresentam os menores índices de crimes contra a pessoa e contra a propriedade. Isto é fato e está claríssimo nas estatísticas.

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  2. Não acredito na restrição plena das armas de fogo, nem tampouco na banalização das vendas. Bem aqui, o desarmamento total que o PT pretendia não rendeu frutos, nem mesmo medíocres. Mata-se à vontade, na garupa de uma motocicleta: policiais, idosos, inocentes, adolescentes, crianças, outros.
    É bem verdade que, pela primeira vez, o mundo se depara com um claro caso de infanticídio serial, o que nos desconcerta, desanima e cansa. Mas as causas, indago, não estariam muito mais nos valores básicos de uma sociedade declinante e drogada 24 horas ao dia? Não seria obrigação das autoridades restringir a livre circulação de sociopatas, de identificá-los a priori? Sem as armas de fogo, as possibilidades de um desatino gigantesco continuam, por meio de incêndios provocados, esfaqueamentos, envenenamentos, e outros. Bem, é só, visto que estou meio que enlutado.

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