[O texto abaixo é da autoria de Luciano Martins Costa e foi publicado hoje no site Observatório da Imprensa. O fato de publicá-lo não implica minha concordância absoluta e integral ao seu conteúdo e ao modo como é apresentado, e visa tão somente estimular o debate sobre o tema.]
A discussão sobre a proposta de regulamentação da internet, que tem como
relator o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), ainda não ganhou o devido
espaço nos jornais. Embora tenha na sua origem o DNA da Creative
Commons, organização social nascida nos Estados Unidos para incentivar a
inovação no ambiente digital baseada no compartilhamento de ideias, a
proposta de criar uma “constituição” brasileira para o chamado ambiente
virtual corre o risco de ser abduzida pelos interesses de grandes
empresas e deixar em segundo plano a natureza da rede e os direitos dos
usuários.
Uma das evidências de que os argumentos estão sofrendo um processo de
reducionismo – o que é sempre um sinal de distorção em favor de uma das
forças em litígio – é a constante comparação com exemplos do mundo
físico.
A questão da cobrança ou não de tarifas diferenciadas para usuários
comuns e clientes de grande porte leva representantes das operadoras de
telefonia, por exemplo, a comparar o tráfego na rede mundial de
computadores com o pedágio em estradas de asfalto: para essas
corporações, uma motocicleta não deveria pagar o mesmo que uma carreta,
segundo artigo de um de um de seus representantes publicado na edição de
quarta-feira (26/12) no Globo.
Vida digital
Parece óbvio, mas não é. Empresas de telecomunicações, por sua própria
natureza, operam com objetivos oligopolistas e precisam ser
constantemente vigiadas pelos órgãos de controle da isonomia econômica. A
frequência com que resistem a normas de defesa do consumidor e sua
presença permanente entre os mais recorrentes objetos de queixas por mau
atendimento aconselham a tomar com cautela suas ponderações.
No entanto, outros protagonistas desse cabo-de-guerra, como as grandes
empresas de mídia, entram na discussão usando o discurso da necessidade
de salvaguardar a democracia da rede como disfarce para a garantia de
vantagens no futuro. Porém, a própria evolução da tecnologia tem feito
com que uns e outros mudem de posição conforme se alteram as condições
reais de funcionamento da rede.
O processo colaborativo para a construção das regras da internet no
Brasil foi lançado oficialmente, pelo Ministério da Justiça, em outubro
de 2009. De lá para cá, o próprio ambiente em que se processam as
comunicações digitais mudou tanto que os analistas consideram ter sido
inaugurada uma nova era na internet.
Aliás, mesmo expressões consolidadas como “cultura cibernética”,
“conexão online” e “internet” vêm caindo em desuso, dada a nova natureza
do mundo digital: antes as pessoas buscavam “acesso à internet” – hoje e
cada vez mais, elas estão imersas no ambiente que ainda chamamos de
virtual. De maneira acelerada, também essa ideia de “virtualidade” perde sentido,
na medida em que certas características da vida social digital passam a
dominar as relações reais entre os indivíduos.
Uma boa pauta
Os problemas para a criação de um “marco civil” são muitos e de variadas
origens. O principal deles é o fato de se tentar legislar sobre uma
questão ainda em desenvolvimento, e que se transforma rapidamente, aos
saltos, gerando sucessões de rupturas.
Como tratar de mutações na estrutura arcaica do Congresso?
A imensa maioria dos parlamentares que deverá aprovar a proposta final é
composta de analfabetos digitais. Entre os parlamentares dotados de
conhecimento razoável sobre o assunto, não será raro encontrar os que
estão comprometidos com este ou aquele setor da economia com grande
interesse no assunto, por conta dos financiamentos de campanha eleitoral
e outras práticas menos explícitas de convencimento.
Se, de um lado, disputam o predomínio organizações poderosas no campo
minado do Parlamento, de outro lado o assunto parece não importar muito
aos grandes interessados.
É certo que os usuários, dispersos em suas individualidades, ainda não
deram mostras de organização suficiente para influenciar na decisão. As
muitas audiências públicas realizadas pelo Brasil afora desde o
lançamento da proposta do “marco civil” atraíram microempreendedores,
representantes das grandes empresas de comunicação e até delegados da
Federação Brasileira de Bancos, mas ainda não se chegou a um modelo que
satisfaça a todos os que se manifestaram.
O ponto central da discórdia parece ser a definição do que venha a ser a
neutralidade da rede. Todos a defendem, mas a maioria dos protagonistas
quer uma “neutralidade” a seu favor.
Uma reportagem que atualize o público sobre o estado desse debate, com o
esclarecimento de todos os interesses envolvidos, é uma boa pauta para
esses dias de pouca notícia.
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