sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Agências reguladoras brasileiras: visões internas e externa (III)

[Ver postagem anterior.]

Erosão de agências regulatórias brasileiras torna-se evidente

The Economist - 19/12/2012

Após cifras desanimadoras do PIB pelo terceiro trimestre consecutivo, originadas pela quinta contração consecutiva nos investimentos, assumiu a frente do debate sobre políticas [econômicas] no Brasil a questão sobre o que está dificultando ou impedindo investimentos no país, pois o desempenho destes será um dos aspectos cruciais na conformação da perspectiva econômica do pais em 2013 e depois. A Unidade de Inteligência da The Economist [EIU, na sigla em inglês] refez recentemente para baixo (para 1%) suas estimativas para o crescimento do PIB brasileiro em 2012 e em 2013 (para 3,5%), em decorrência do desempenho medíocre do país neste ano e de uma perspectiva pior de investimentos tanto públicos quanto privados.

Há várias teorias sobre a queda dos investimentos privados no Brasil. Entre elas, destacam-se os problemas estruturais enfrentados pelo setor produtivo, como a falta de infraestrutura; a elevada carga do sistema tributário; mão de obra cara e geralmente desqualificada, acoplada a uma rígida legislação trabalhista; e uma taxa de câmbio supervalorizada em anos recentes (embora isso tenha sido um tanto amortecido desde março), com bens importados suprindo uma fatia de mercado maior que a dos bens produzidos no país. Há também uma visão crescente de que a hiperatividade do governo -- que implementou uma avalanche de medidas de estímulo à economia não vinculadas entre si desde meados de 2011 (muitas das quais foram anunciadas logo em seguida à publicação de dados econômicos desapontadores) -- está aumentando o nível de incerteza e fazendo com que as empresas retardem seus planos de investimentos.

Outro fator é que a política macroeconômica do Brasil está mudando, e isto também está gerando incertezas. A despeito das afirmativas em contrário das autoridades, há evidência crescente de que o regime de câmbio está se movendo para um sistema quase fixo, com uma faixa ajustável, em vez do sistema flutuante que tem sido adotado por mais de uma década.  Incerteza sobre política cambial é um problema, já que muitas empresas precisam importar bens de capital para poder investir. E por último, mas não menos importante, há as preocupações com a postura protecionista do governo, incluindo a adoção de exigências de conteúdo local que afeta grandes exportadores como a Embraer, a empresa aeronáutica brasileira, que precisa importar a maioria dos componentes de suas aeronaves.

Uma erosão das agências reguladoras

Um tema frequentemente deixado de lado nessa lista de fatores e que pode ter contribuído para a recente queda nos investimentos (para abaixo de 19% do PIB, vindo de 22% antes da crise do Lehman Brothers em 2008) é o nível de desgaste a que as instituições brasileiras foram levadas em poucos anos recentes. Durante os anos 1990,  o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) promoveu uma significativa revisão da economia do país, não apenas lançando as bases para a estabilidade macroeconômica, mas criando também o arcabouço institucional para manter um ambiente de negócios favorável em seguida ao ambicioso programa de privatizações efetuado na época. A criação de agências regulatórias, preenchidas por técnicos e não por afilhados políticos, foi um feito importante. A nomeação de administradores e diretores com larga experiência no setor privado para chefiar as principais instituições financeiras públicas, como o Banco do Brasil, foi também um passo adiante, após o histórico anterior brasileiro de decisões de financiamento público altamente politizadas, que levaram a uma série de prejuízos e recapitalizações de bancos públicos.

Uma abordagem menos intervencionista em empresas que são negociadas publicamente mas são parcialmente estatais foi igualmente um rompimento com o passado. Empresas estrategicamente importantes, como a Petrobras, a petrolífera estatal, e a Eletrobras, uma fornecedora de energia, foram administradas por profissionais com experiência técnica e blindados contra influência política direta. Isso não é mais assim. Agências reguladoras como ANEEL, ANP e ANAC -- que cobrem, respectivamente, os setores elétrico, de petróleo e de aviação -- para citar apenas algumas, são agora chefiadas por nomeados pelo governo com pouca ou nenhuma experiência nessas áreas. Isto ajuda a explicar o desastre recente no cálculo da compensação a ser oferecida a empresas de energia elétrica, como parte de esforços do governo para assegurar tarifas mais baixas em contrapartida a uma renovação de concessões antecipada. Além disso, os resultados das licitações para as concessões de três aeroportos no início do ano, nas quais empresas com experiência limitada derrotaram as propostas de empresas internacionais mais qualificadas, sinalizam um programa de concessões precariamente elaborado. [A The Economist sabe do que fala.]

Maior controle estatal

Em anos recentes, a diretoria do Banco do Brasil passou a ficar sob influência política direta, o mesmo acontecendo com empresas importantes como a Petrobras, a siderúrgica Vale do Rio Doce e, mais recentemente, a Eletrobras [oops, a The Economist está muito desatualizada -- nesta última década a Eletrobras tem sido feudo intocável do PMDB, mais precisamente de José Sarney]. O Brasil retornou portanto para um modelo caracterizado por maior intervenção estatal nas principais decisões que orientam áreas vitais da economia [sob o governo da afável Dona Dilma então ...].

O governo não aparenta perceber a erosão das instituições como um inibidor do investimento privado. Ao contrário, como as autoridades brasileiras se consideram indutoras do crescimento em vez de facilitadoras dele, elas vêem o uso político de agências reguladoras, de empresas de serviços públicos, e de instituições financeiras públicas como algo de importância suprema em sua estratégia de gerar crescimento econômico. O governo vê essas instituições como instrumentos de controle público e de implementação de políticas públicas, em vez de provedoras de arcabouço institucional que promova investimentos e aprimore as oportunidades econômicas. A visão atual faz lembrar as políticas de desenvolvimento adotadas durante grande parte dos anos 1970, quando o Brasil tinha um modelo completamente desenvolvido de capitalismo estatal sob o regime militar de então. [Acho perfeita a análise da The Economist -- basta ver a atitude esdrúxula da supersimpática Dona Dilma, criando mais uma estatal pendurada na Infraero no bojo das medidas de concessões de novos aeroportos.]

Até agora, os efeitos colaterais negativos dessa erosão da capacidade institucional têm passado grandemente despercebidos pelo eleitorado devido à enorme popularidade da presidente Dilma Rousseff, decorrente do sucesso de medidas de inclusão social e de tendências avoráveis no mercado de trabalho. Ironicamente, eles [os efeitos colaterais] têm sido mascarados pela crise financeira internacional, já que as dificuldades que vêm afetando as economias avançadas e a carência de oportunidades para investidores estrangeiros privados têm ajudado a manter o Brasil como um dos mais importantes destinos para investimentos, a despeito das preocupações crescentes já mencionadas. A aproximação de grandes eventos internacionais como o Campeonato Mundial de Futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 pode ter induzido um sentimento de complacência, pois o governo considera que esses eventos serão suficientes para manter o Brasil sob a luz dos refletores internacionais e, portanto, no topo da lista dos destinos de investimentos estrangeiros. Entretanto, se não for enfrentada, a erosão das agências reguladoras ameaça não apenas inibir as pespectivas de investimentos para o próximo ano mas torna também sombrias as perspectivas econômicas no médio prazo.

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