A nanotecnologia, utilizada na medicina para diferentes tratamentos de
saúde, tem se tornado indicada para o combate a doenças que vão do câncer de pele ao mal de Parkinson e de Alzheimer, graças ao
desenvolvimento de novas técnicas para sua aplicação. Uma série de pesquisas realizadas pelo Grupo de Fotobiologia e
Fotomedicina do Centro de Nanotecnologia e Engenharia Tecidual da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo
(USP), em Ribeirão Preto, tem resultado em diferentes possibilidades de
tratamento, viáveis técnica e economicamente.
Várias dessas inovações, que utilizam nanomedicamentos em conjunto com a
aplicação de luz sobre os tumores, foram apresentadas por Antonio
Claudio Tedesco, coordenador das pesquisas, durante o evento “Fronteras de la Ciencia – Brasil y España en los 50 años de la FAPESP". O simpósio integra as comemorações dos 50 anos da FAPESP e reuniu, de 10
a 14 de dezembro, nas cidades de Salamanca e Madri, pesquisadores do
Estado de São Paulo e de diferentes instituições de ensino e pesquisa do
país ibérico.
Nas pesquisas apresentadas por Tedesco, destacam-se as que utilizam
partículas metálicas nanoestruturadas para a melhoria de diagnósticos
feitos por imagens, além da construção de próteses de alta eficiência,
parte delas envolvendo células-tronco voltadas para a aplicação na
engenharia tecidual, para regeneração de vasos sanguíneos, por exemplo. “A nanotecnologia, com o desenvolvimento de novos sistemas de veiculação
de fármacos, tem permitido que moléculas antes usadas para o tratamento
de determinados tipos de patologias possam ser redesenhadas e
utilizadas com novas funções”, disse à Agência FAPESP o pesquisador que coordena um Projeto Temático sobre o tema apoiado pela FAPESP.
De acordo com Tedesco, a combinação de fotoprocessos utilizando
nanotecnologia à administração de fármacos, de maneira intravenosa ou
tópica, é realidade para tratamentos de cânceres de pele, que em 80% dos
casos não são melanômicos, ou seja, podem ser tratados por essa
terapia. O mesmo tipo de tratamento, no entanto, não se aplica ao
melanoma que, por ser uma lesão pigmentada (de cor escura), absorve
todos os comprimentos de onda luminosa visível. “Normalmente, com uma única aplicação, em 98% dos casos a doença
desaparece, sem cirurgia e dispensando tratamentos como radioterapia ou
cirurgia. O custo desse tratamento é muito baixo, equivalente a R$ 70 a
cada três aplicações, o que o torna uma opção viável para ser aplicado
nesse tipo de neoplasia”, disse Tedesco.
O material desenvolvido pelo laboratório na USP de Ribeirão Preto está
patenteado desde 2002 e abrange, além da molécula, também seu processo
de aplicação. “Desenvolvemos um fármaco clássico nanoestruturado, o ácido aminolivulínico e seus derivados, ambos aprovados pelo FDA [Food and Drug Administration],
órgão responsável por sua aprovação nos Estados Unidos. Esse mesmo tipo
também é aprovado e utilizado na Europa e Japão”, disse.
Atualmente, já existem fármacos de segunda e terceira geração para esse tipo de aplicação aguardando o uso em fase clínica.
Histórico abrangente
Na área de oncologia, as pesquisas do Centro de Nanotecnologia e
Engenharia Tecidual da USP surgiram especificamente com a utilização de
fotoprocessos, aliados à nanotecnologia como forma de veicular essas
moléculas e provocar sua interação com as células neoplásicas de forma
sítio-específica, ou seja, com ação direta sobre o tumor.
“No caso de neoplasias, usamos pigmentos [moléculas naturais ou sintéticas]
ativados pela luz visível, que se distribuem por todas as células,
garantindo que as células cancerosas possam ter um acúmulo maior dessa
molécula, que é o objeto desse tipo de fotoativação. Com a
nanotecnologia, a tecnologia farmacêutica passou a contar com vários
sistemas que permitem aumentar a especificidade da partícula que carrega
o fármaco para a célula neoplásica”, disse Tedesco.
De acordo com o pesquisador, um percentual de células sadias acaba
marcado durante o processo, que só funciona terapeuticamente quando há
conjunção com a fotoativação luminosa. “A luz é aplicada após o tempo de biodistribuição do fármaco na lesão,
que varia para cada tipo de tumor e molécula usada e desencadeia a ação
da molécula, produzindo uma grande quantidade de radicais livres num
curto espaço de tempo”, disse. Esse choque de radicais livres é o que leva, segundo apontam as
pesquisas, a uma resposta biológica, que ocorre na chamada fase escura,
após a iluminação, que acontece em um tempo muito curto.
Com as novas gerações de moléculas, que se instalam mais rapidamente na
lesão, o tempo necessário para a ação do tratamento também está
diminuindo. De fato, trata-se de uma série de eventos bioquímicos,
fotoquímicos e fotobiológicos que leva, em última instância, à
destruição da massa tumoral. O processo envolve a aplicação da medicação seguida da aplicação de luz
exatamente sobre o tumor, para a fotoativação do medicamento. Segundo
Tedesco, a técnica é segura, porque mesmo se um tecido saudável absorver
parte da molécula veiculada não haverá qualquer alteração, pois a
molécula, sem a posterior aplicação de luz, acaba biodegradada.
Em oncologia, a nanotecnologia abriu uma nova frente de veiculação de
fármacos, embora, para Tedesco, o uso sistêmico da nanotecnologia aliada
a fotoprocessos ainda esteja em fase inicial em novas áreas. “Estamos iniciando os estudos para aplicações desse procedimento em
órgãos como bexiga, próstata e útero, ou seja, em órgãos que permitem a
iluminação por cavidade”, disse.
Possibilidades de tratamento
Em sua exposição em Salamanca, outros focos de pesquisa também foram
apresentados por Tedesco, como o estudo das doenças do sistema nervoso
central, no qual o grupo da USP em Ribeirão Preto está atualmente
focado. “Desenvolvemos um sistema proteico polimérico para veiculação que
permeia a barreira hematoencefálica, o que abre novas possibilidades,
pois essa barreira é extremamente seletiva. Com esse sistema, há um
reconhecimento da proteína e a barreira se abre, permitindo que o
fármaco incorporado penetre no cérebro”, disse.
O conhecimento sobre nanotecnologia e fotoativação em oncologia está
agora sendo direcionado pelo grupo de pesquisas ao estudo de outras
doenças, como Alzheimer e Parkinson. “Neste momento, buscamos desenvolver novos desenhos nanométricos para
fármacos clássicos para o tratamento do mal de Parkinson, em conjunto
com a Santa Casa de São Paulo e a Universidade de Brasília, e para o
tratamento da epilepsia, em conjunto com a Universidade Federal de São
Paulo”, contou Tedesco.
A técnica também está sendo usada para a regeneração de vasos
sanguíneos, pois áreas que desenvolvem tumores fazem com que os vasos ao
seu redor tornem-se mais porosos. “Em casos de angiogênese, quando o vaso cresce em direção ao tumor,
precisamos desenvolver sistemas nanoestruturados antiangiogênicos para o
restauro do vaso. Essas alterações, que debilitam os vasos pelo
crescimento do tumor, fazem com que o medicamento usado nos tratamentos
por quimioterapia ou fototerapia seja extravasado e não chegue à massa
tumoral, daí a necessidade de regeneração dos mesmos”, disse Tedesco.
Além de impedir o crescimento de vasos em direção ao tumor, a técnica
permite restaurar os vasos porosos, fazendo com que o medicamento
quimioterápico chegue ao tumor com exatidão, além de possibilitar sua
remoção cirúrgica de forma mais segura. “A nanotecnologia funciona na veiculação dos fatores antiangiogênicos
(peptídeos e proteínas), que são a mesma classe de moléculas que
aportamos no desenvolvimento de sistemas de veiculação de fármacos
usados no tratamento de doenças do sistema nervoso central, ou seja,
tudo está relativamente interrelacionado”, explicou.
A novidade está na parte da engenharia tecidual. “A partir do momento em
que conseguimos entender como a luz visível, em combinação com o
fármaco veiculado de forma nanoestruturada, modula a resposta tecidual,
podemos fazer com que aquele tecido apresente um processo de
cicatrização mais rápido, ou que uma pele implantada em um paciente que
sofreu queimadura passe a ter uma integração mais rápida com o tecido
que a recebe, que é essa nova linha de fotobiomodulação”, disse Tedesco.
Desse modo, o mesmo fármaco, em doses menores e com diferentes tempos de
aplicação da luz, levaria à regeneração do tecido, ou seja, pode-se
acelerar o fechamento cicatricial utilizando o mesmo tratamento
utilizado para o câncer. “Estamos entendendo como funciona a fotobiomodulação, porque é um modelo extremamente complexo”, disse Tedesco.
Apesar das novas aplicações, a base da pesquisa continua a mesma: a
nanotecnologia aliada ao uso da luz visível e do fármaco fotossensível,
em busca de respostas moduladas. Nessa linha de trabalho, a mais recente
incursão do grupo de Tedesco é a pesquisa que envolve células-tronco,
na qual se busca modular processos de diferenciação celular. “A nanotecnologia e o fotoprocesso estão se tornando ferramentas para
ampliar as possibilidades de tratamento. A ideia agora é discutir
cooperações internacionais para avançarmos nessas pesquisas e suas
aplicações”, disse Tedesco.
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