[Nos dois comentários à minha postagem anterior sobre o porte de armas nos EUA, observa-se discordância direta ou dúvidas sobre a eficácia do controle desse porte nos EUA e alhures na redução da quantidade de crimes com arma de fogo. O convívio dos opostos é a base da democracia. Meu foco, nesse tema, foi e continua sendo especificamente o caso americano, e nele vejo dois pontos relevantes e distintos: i) -as condições psicológicas e políticas da sociedade americana são específicas suas e não são transferíveis a outras sociedades; - ii) o enorme ou gigantesco poder que os EUA têm, consciente e inconscientemente, de servir de modelo para o resto do mundo em tudo o que fazem e consentem que seja feito. Até abril do ano passado o Brasil não havia sido palco de nenhum massacre de crianças por um psicopata com armas de fogo, até que ocorresse a tragédia de Realengo. Esse tipo de ocorrência é reincidente nos EUA, e ninguém me convence de que o psicopata de Realengo não mirou nos exemplos de psicopatas americanos que cometeram crimes idênticos ou parecidos.
Comparar as taxas de homicídios com arma de fogo de Brasil e EUA serve para qualquer coisa, menos para invalidar o argumento da perniciosa influência e da responsabilidade da Segunda Emenda da Constituição americana na repetição chocante de massacres como o de Newtown na sexta-feira. Nessa estatística a sociedade americana se apresenta menos violenta que a brasileira -- basta ver as matanças de fins de semana em São Paulo -- mas há pelo menos duas razões fortíssimas para isso: justiça rígida e universal, e polícia bem treinada e equipada, ambas praticamente a 180 graus do que ocorre no Brasil. Uma coisa é você estar vigilante contra comportamentos marginais que, em sua esmagadora maioria, têm padrões de características já exaustivamente analisados e catalogados, outra coisa é você se deparar com um rapaz de 20 anos que, em um momento de surto, mata a própria mãe, 20 crianças, 6 adultos e se suicida.
A mãe de Adam Lanza, assassinada por ele na sexta-feira, era uma colecionadora de armas de fogo, esse era seu hobby preferido. Ela gostava de exibí-las para seu jardineiro, gostava do caráter ou da ideia única de atirar, e disse ao mesmo jardineiro de sua intenção de levar seu filho a um estande de tiros para aperfeiçoar sua mira. Desafio quem possa encontrar esse tipo de mãe de família numa cidade de 27.000 habitantes no Brasil, ou mesmo em grandes metrópoles brasileiras, assim como desafio quem conteste que esse tipo de comportamento e hobby é garantido e estimulado pela Segunda Emenda, que está profundamenta arraigada na mente do cidadão americano. A National Rifle Association (NRA), que se autoentitula a maior defensora da Segunda Emenda nos EUA, existe desde 1871.
Quando um doente crônico, avesso a tratamentos e terapias, começa a reconhecer que precisa de tratamento isso é profundamente alvissareiro e tranquilizador. Parece que a sociedade americana começa a se enquadrar nesse caso, após o terrível massacre de Newton, como nos revela a reportagem de hoje da revista Época reproduzida parcialmente abaixo. Se o próprio americano conclui que algo precisa mudar em relação à Segunda Emenda, não vejo como outra sociedade e outros cidadãos possam contestar isso.]
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, reiterou a necessidade de
tomar uma "ação significativa" para evitar mais tragédias como a do massacre de sexta-feira (14)
em Connecticut, que deixou 28 mortos, 20 deles crianças, e reabriu o
debate sobre a posse de armas no país. O presidente viaja hoje a Newtown
para falar com as famílias das vítimas.
Enquanto isso, algumas vozes voltaram a levantar-se sobre a regulação
para o acesso às armas, como fez o prefeito de Nova York, Michael
Bloomberg, que respondeu ao presidente americano assegurando que as
pessoas precisavam de mais que suas condolências, em referência às
declarações que fez após o tiroteio, visivelmente emocionado. "Escutamos o presidente Barack Obama expressar suas condolências às
famílias em Newtown, Connecticut. Mas, o que o país necessita dele é de
um projeto de lei que regule este problema", disse Bloomberg, que
copreside a associação "Prefeitos contra as Armas Ilegais" junto com seu
colega de Boston, Thomas M. Menino.
As palavras de Obama não garantem que se abra um caminho rumo à
regulação, mas o certo é que após massacres como este e o de Virgínia
Tech em 2007, que deixou 33 vítimas, o fácil acesso às armas de fogo
continua sendo uma das maiores causas de morte nos EUA.
O editor da prestigiada revista New Yorker, David Remnick,
pediu na edição desta semana ao líder americano que não atue "só como um
pai" perante a tragédia ocorrida ontem em Conneticut, mas que o faça
também como "presidente" e regule a posse de armas.
A congressista democrata por Nova York Carolyn McCarthy, conhecida por
sua forte posição contra o livre acesso às armas, anunciou que voltará a
exercer pressão no Congresso americano para que haja uma nova
legislação. O marido de Carolyn McCarthy morreu em um tiroteio em Long Island em
1993, uma tragédia que a motivou a iniciar sua carreira política. Nos
últimos anos, Carolyn alçou sua voz após cada um dos massacres que o
país sofreu (11 dos últimos piores 20 massacres dos últimos 50 anos
ocorreram nos EUA), mas a legislação que tentou introduzir nunca foi bem
recebida no Congresso.
Aparente discordância, visto que as concordâncias são bem maiores e mais firmes. Meu erro tático em dizer o que penso foi misturar as duas sociedades, a brasileira e a americana, de forma até precipitada, reconheço. Deixando, por enquanto, os nossos imensos e específicos problemas de lado, vale dizer em tempo:
ResponderExcluir1) A venda de armas tal como procedida nos Estados Unidos é um convite aberto ao assassinato em série, pelos grossos calibres em voga, pela farta munição que acompanha cada compra e pelo grau de intoxicação da população de forma generalizada.
2) A National Rifle Association é, a meu ver, um clube de portadores de variadas patologias, interessados na caça de espécimes machos, fêmeas e seus filhotes. Aliás, vale para qualquer animal que ande, voe ou rasteje.
3) Com a tragédia de Connecticut, os Americanos atingiram o seu paroxismo e o Presidente Obama não deixará de colocar a sua marca no sentido de um enorme BASTA.