sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Recesso do blogue

Por motivo de viagem minha, o blogue entrará em recesso de hoje até a primeira semana de novembro.  Agradeço a todos os que me lêem pelo apoio reiterado. Até à volta.

Olho vivo: o PT continua querendo ressuscitar a CPMF, mudando seu nome

Enquanto o país e o cidadão continuam querendo descobrir o caminho para sair dessa situação aflitiva a que chegamos pelas mãos do PT, com o governo metendo o bedelho na economia a torto e a direito -- o que faz com que ela esteja patinando --, o PIB raquítico, as barganhas e mutretas políticas rolando desenfreadas sob o comando ostensivo ou (mal) disfarçado do Planalto, e o vandalismo campeando nas ruas do país, há gente nos bastidores maquinando contra o bolso do contribuinte. E, p'ra variar e sem surpresa alguma, é gente do PT. 

Quem ler a coluna "Panorama Político" de Ilimar Franco no Globo de hoje (pág. 2), encontrará a seguinte notícia:

A nova CPMF vem aí?
A Comissão Especial da Câmara sobre a Saúde debate a CSS (Contribuição Social para a Saúde). O proposta é do deputado Rogério Carvalho (PT-SE). A alíquota da sucessora da CPMF seria de 0,1% das transações bancárias, à exceção da poupança. Antes da presidente Dilma assumir, o ex-presidente Lula defendeu a sua criação. A CPMF começou em 0,25% e terminou em 0,38%. 

Quem achava que esse assunto estava morto e enterrado (ver reportagem "Câmara derruba criação de novo imposto para a saúde", de 21/9/2011) é bom ficar atento e de olho bem arregalado, porque os petistas são insaciáveis na busca de novas maneiras para nos ferrarem e de conseguirem mais dinheiro público para as mutretas de sempre, sobre e debaixo do balcão da política rasteira que praticam quotidianamente. 

Detalhe: na lista das Comissões Permanentes da Câmara dos Deputados há comissão para quase tudo -- há 21 delas --, exceto para a saúde, que está sendo tratada em uma outra comissão dita "especial" que, regimentalmente, é temporária. Ou seja, saúde para nossos "nobres" deputados é assunto para ser tratado esporadicamente, e assim mesmo só para gerar dinheiro grosso para as burras públicas e, se neguinho bobear, para outras burras. 


quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Mais uma baderna: petroleiros param 15 plataformas e ocupam Ministério de Minas e Energia

[Quem ler as manchetes dos jornais Valor Econômico e Estado de S. Paulo de hoje sobre o mesmo evento -- a greve dos petroleiros empregados da Petrobras -- iniciado na madrugada de hoje vai achar que se trata de duas situações distintas. O Valor diz que "leilão de Libra não justifica greve dos petroleiros", segundo o secretário de óleo e gás do Ministério de Minas e Energia (MME), Marco Antonio Almeida, enquanto o Estadão dá a manchete "petroleiros param 15 plataformas e ocupam Ministério de Minas e Energia". Nitidamente, o secretário do MME está querendo tapar o sol com uma peneira.]

Segundo o Estadão, trabalhadores da Petrobras iniciaram na madrugada desta quinta-feira, 17, greve geral que interrompe, segundo a Frente Única dos Petroleiros (FUP), a produção em plataformas, refinarias, terminais e sedes administrativas da estatal em todo o País. Segundo a FUP, cerca de 39 plataformas da Bacia de Campos, responsável por 80% da produção da Petrobrás, aderiram ao movimento. A produção está parada em 15 delas.


Integrantes de movimentos sociais e trabalhadores do setor de petróleo ocuparam nesta manhã a sede do Ministério de Minas e Energia (MME), em Brasília. Mais de 150 manifestantes, segundo estimativa da Polícia Militar do Distrito Federal, estão na entrada do prédio, impedindo a movimentação de servidores e visitantes. principal reivindicação dos grevistas é a suspensão do primeiro leilão do pré-sal, no campo de Libra. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão disse que o País entende protestos contra o leilão de Libra, mas que os funcionários do ministério precisam trabalhar.


O diretor de comunicação da FUP, Francisco José de Oliveira, explica que o movimento defende que o Campo de Libra seja destinado à exploração exclusiva da Petrobras, sem a participação de empresas estrangeiras. A FUP é filiada à Central Única dos Trabalhadores (CUT). O protesto também conta com a presença de integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
O ministro disse que de nada servirá o pré-sal "em estado letárgico no fundo do mar". "Precisamos andar rápido para que essa riqueza possa ser aplicada na saúde e na educação", disse. Lobão afirmou que hoje o Brasil importa combustíveis e que deseja, em futuro próximo, exportar petróleo. "Essa riqueza a ser extraída dali servirá para atender aos estados, municípios e sobretudo à educação e saúde do país", concluiu.
Os grevistas também fazem bloqueios em rodovias, como a Washington Luis, no Rio de Janeiro, que dá acesso à Refinaria Duque de Caxias (Reduc). De acordo o diretor da FUP, Leopoldino José de Oliveira, a adesão ao movimento é de 100% na refinaria. Segundo o sindicato, as plataformas onde os trabalhadores estão em greve estão sendo operadas por equipes de contingência da estatal, formada por gerentes e supervisores sem experiência operacional, "o que coloca em risco a segurança das equipes e das próprias unidades", diz um comunicado encaminhado à imprensa. Procurada, a Petrobras ainda não se manifestou sobre o assunto.
Mais protestos.  Estão previstas manifestações em todo o País ao longo do dia. No Rio, às 17h, os petroleiros fazem uma passeata pelo Centro. Os trabalhadores também reivindicam reajuste salarial de 12,5%, e a retirada da tramitação do Projeto de Lei 4330, que regulamenta a terceirização nas empresas.  "A Petrobrás apresentou uma proposta de reajuste que foi rejeitada em assembleia pelos trabalhadores. Se a empresa não apresentar nova proposta, o movimento pode continuar mesmo depois do dia 21", completou Oliveira.
Além da Reduc, o sindicato contabiliza paralisações em Manaus (Reman/AM), Paulínia (Replan/SP), Mauá (Recap/SP), Mataripe (Rlam/BA), Gabriel Passos (Regap/MG), Paraná (Repar), Alberto Pasqualine (Refap/RS), Abreu e Lima (PE), além da SIX (unidade de Xisto/PR), da FAFEN (fábrica de fertilizantes/BA), Termorio (Duque de Caxias), usinas de Biodiesel e termoelétricas e campos terrestres de produção de petróleo na Bahia, Espírito Santo e Rio Grande do Norte. Há mobilização também em terminais da Transpetro no Amazonas, Pernambuco, São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul.
Na reportagem também de hoje do Valor Econômico, lê-se que "A principal motivação da paralisação dos petroleiros iniciada nesta quinta-feira se relaciona à obtenção do acordo coletivo salarial, avalia o secretário de óleo e gás do Ministério de Minas e Energia (MME), Marco Antonio Almeida, que não vê o leilão de Libra como justificativa para o movimento"Estamos em um momento de acordo coletivo. Então, não sei até que ponto [o leilão de Libra] seria motivo para uma greve dessa. A Petrobras vai participar de Libra", afirmou".

[É realmente especial e singular o funcionamento das cabecinhas desses petroleiros da Petrobras,de seus sindicatos e de seus cupinchas. Hoje de manhã no carro, pela CBN, ouvi repetidas inserções da FUP conclamando os trabalhadores e a população a se levantarem contra o leilão de Libra por se tratar de uma "privatização" que transferirá para estrangeiros os benefícios de algo que "pertence legitimamente ao povo brasileiro e tem que ser usado em seu benefício", e a manifestação terminava com a ladaínha purgativa do "petróleo é nosso". O gozado é que esses mesmos cidadãos ficam caladinhos, não mexem um dedo nem paralisam plataformas e refinarias para defender a Petrobras contra os desmandos da década petista, que estão sufocando a empresa econômica e financeiramente, obrigando-a inclusive a se desfazer de ativos para fazer caixa. Quem acessar o marcador "Petrobras" na aba direita do blogue verá uma enxurrada de textos sobre os estragos que o PT vem fazendo há 10 anos na empresa, com o silêncio conivente dessa mesma turma que está fazendo essa palhaçada contra o leilão de Libra. O PT tem carta branca dos petroleiros para fazer da Petrobras uma propriedade para seu próprio uso e benefício.

Outro detalhe interessante e sintomático é a mistureba desse grupo de protesto, que envolve petroleiros e gente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Estão a caminho do buchincho, para se juntar a essa galera, os gandulas do Maracanã e do Engenhão, os flanelinhas do centro do Rio e o pessoal de apoio dos inferninhos da Praça Mauá. Farão a geleia geral encarregada de manter a Petrobras como feudo do PT -- o petróleo e o país que se danem.


Quanto à ocupação do MME, como ponto de partida da greve, trata-se de outra violência absurda e idiota contra um bem público e a liberdade constitucional das pessoas de ir e vir para tratar de seus interesses. É uma prática abusiva, idiota e desordeira cujas raízes se aprofundaram e se fortaleceram nessa década de governos petistas no país.]


quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Desmascarando a administração de Dona Dilma (19) -- A escolinha da doutora Dilma

[Em sua coluna de hoje no Globo e na Folha de S. Paulo, reproduzida abaixo, o jornalista Elio Gaspari acerta novamente na mosca ao desnudar mais uma vez a presidente Dilma NPS (Nosso Pinóquio de Saias. No mesmo texto, em apenas duas frases, ele dá uma definição certeira e concisa do NPA (Nosso Pinóquio Acrobata, Lula).]

A escolinha da doutora Dilma

Elio Gaspari -- Folha de S. Paulo, 16/10/2013

A doutora Dilma entrou pela borda no debate da própria sucessão, mandando um recado às pessoas que pretendem ocupar sua cadeira: "Elas têm que estudar muito".

É o velho discurso da competência. Quem está no governo desqualifica quem não está sob o argumento do eu-sei-do-que-estou-falando. Foi usado à exaustão para desqualificar um torneiro mecânico monoglota, mal relacionado com a gramática, cuja biblioteca cabia numa mochila escolar. É a ele que a doutora deve a Presidência.

Todos os governos prometem coisas que não cumprem ou metem-se em projetos fracassados. Até aí, tudo bem. O que a doutora não precisa é recorrer à desqualificação como alavanca mistificadora. Se é assim, conviria arrolar dois temas que os candidatos deveriam estudar. Tendo sido insuficiente o estudo da doutora, poderiam desatar os seguintes nós.

1) Trem-bala
Trata-se de um projeto que desde 2007 está debaixo da asa da então chefe do Gabinete Civil. Já torrou R$ 65 milhões em planos, leilões adiados e modelagens arquivadas. A primeira estatal a tratar do projeto foi a Valec. Seu presidente, Doutor Juquinha, deixou o cargo e passou pelo cárcere por conta de outros malfeitos.

2) Enem
Em 2009, quando o ministro da Educação, Fernando Haddad, anunciou a criação de um exame federal que substituiria o vestibular, o coração da iniciativa estava em oferecer aos jovens dois exames anuais. Isso acabaria com uma seleção selvagem que obriga um garoto de 18 anos a jogar um ano de sua vida numa manhã de prova. A cada ano a promessa foi descumprida e renovada, inclusive pela doutora Dilma. Haddad foi ser poste em São Paulo, Lula elegeu-o prefeito, e seu substituto, Aloizio Mercadante, disse que prefere fazer creches. Tem até o ano que vem para dizer quantas creches fez e explicar por que dois presidentes da República prometeram algo que não entregaram.

Nos dois casos, a questão é de estudo, mas quem não estudou foi a doutora. No do trem-bala, se tivesse estudado, não teria perfilhado a proposta da Valec, que era uma maluquice em estado puro. O trem-bala sairia do Rio e chegaria a São Paulo sem parar em lugar algum. Já no caso do Enem, deu-se o contrário. Prometeu-se algo factível, mas não se cumpriu por falta de estudo e, sobretudo, de trabalho.

A essa lista de incapacidades poderiam ser somados os leilões das concessões de portos, estradas e aeroportos. Isso para não falar da promiscuidade que resulta no financiamento público da medicina privada. Em todos os casos, paira sobre as nomeações para as agências reguladoras o espírito da porta giratória condenada pelo comissariado quando estava na oposição e estimulada quando chegou ao governo.

Desse jeito, a campanha pela reeleição da doutora pode ter um samba de Ismael Silva como fundo musical:

"Foi tanto bis que eu já não podia atender.
No entretanto, o que a plateia queria
era que eu cantasse, cantasse até aprender".

Elio Gaspari, nascido na Itália, veio ainda criança para o Brasil, onde fez sua carreira jornalística. Recebeu o prêmio de melhor ensaio da ABL em 2003 por "As Ilusões Armadas". Seus quatro livros sobre a ditadura militar no Brasil ["A Ditadura Envergonhada", vol. 1. Coleção As Ilusões Armadas, São Paulo, Companhia das Letras, 2002. -- "A Ditadura Escancarada", vol. 2. Idem, São Paulo, Companhia das Letras, 2002 -- "A Ditadura Derrotada", vol. 3. Idem, São Paulo, Companhia das Letras, 2003. -- "A Ditadura Encurralada", vol. 4, idem, São Paulo, Companhia das Letras, 2004] são uma leitura indispensável para se conhecer melhor esse período conturbado e polêmico da vida do país.

A merreca da nossa oposição pode nos castigar com a reeleição de Dilma NPS

Já entramos no último trimestre do ano e, p'ra variar, o quadro político no lado da oposição continua um samba do crioulo doido. A adesão de Marina Silva ao PSB de Eduardo Campos provocou alvoroço nas hostes do governo e do PSDB. Mas, será que esse auê todo tem razão de ser? Que currículo tem Marina para ocupar esse destaque todo que lhe estão dando? O PSDB continua às voltas com seu João Teimoso, o José Serra, uma das inúmeras múmias ambulantes do cenário político nacional.

Em seus cinco anos como ministra do Meio Ambiente, Marina foi uma figura apagada que nunca se impôs. A imagem que ficou dela, além das olheiras profundas e da aparência de um doente eternamente convalescente, foi a de alguém que perdeu praticamente todas as disputas em que se meteu contra as decisões do NPA (Nosso Pinóquio Acrobata, Lula) na sua pasta -- e que vivia choramingando por isso. Saiu do governo do PT em maio de 2008. Foi candidata à Presidência da República em 2010 e conseguiu um total surpreendente de quase 20 milhões de votos (quase 17% dos votos válidos), o que a transformou num fenômeno político no país. Como explicar isso que ocorreu? Só perguntando aos eleitores dela. Mas acho que parte da explicação passa pelo vazio de novas lideranças que aflige nossa política há muito tempo, com visível agravamento na última década. E um outro pedaço da história passa pela inevitável atração que inúmeras pessoas têm por aqueles que têm cara e trejeitos de mártir. 

Depois que saiu do governo, Dona Marina ficou cinco anos sem tomar nenhuma atitude ostensiva, explícita, contundente e inequívoca de oposição ao PT e de repúdio cristalino às suas práticas políticas e de gestão do país. Ficou muda e queda, fechou-se em copas.  Só resolveu se mexer depois de nocauteada com golpes baixos do governo federal e do Congresso para inviabilizar a criação de seu partido, o Rede Sustentabilidade. Aí, o fígado falou mais alto e sua opção de demonstrar sua irritação contra esse estado de coisas foi aderir ao PSB. Desse episódio da adesão alguns aspectos ficaram evidentes -- i) Marina mostrou-se incompetente no processo de criação de seu partido,  o que depõe contra sua pretensão de governar um país com a complexidade do Brasil; - ii) ela mostrou ser adepta da máxima de que o fim justifica os meios, dispondo-se a trair seus princípios e seus correligionários para tentar ir à forra contra Dilma NPS e o PT; - ii) seu discurso político é o mesmo blá-blá-blá de sempre. 

O parceiro escolhido por Marina, Eduardo Campos, tem contradições a explicar. Ele apregoa a necessidade de um "novo" jeito de fazer política e de governar o país, mas governa politicamente seu estado, Pernambuco, do mesmíssimo jeito que o PT e Dilma NPS (Nosso Pinóquio de Saias) fazem. Sua base partidária abriga 14 partidos, e ele arranja penduricalhos e sinecuras para todos eles. Tem entre seus aliados premiados figuras de baixo coturno como Inocêncio de Oliveira -- cujo partido controla a Secretaria de Turismo e o porto do Recife --, o ex-presidente da Câmara de Deputados Severino Cavalcanti e o ex-governador Joaquim Francisco. Ou seja, Eduardo Campos pratica a mesmíssima política que agora diz condenar -- e levou um tempo enorme para saltar do barco cheio de malfeitos, corrupção e erros de gestão de Dilma NPS. Eduardo é mais um do time do "faça o que digo e não olhe o que faço".

O PSDB é mais um caso de divã de analista. O país está com a economia baleada, as ruas estão dominadas pelos boçais dos black blocs, a imagem do país no cenário internacional se degradou por conta das cambalhotas de Dilma NPS com as contas públicas, mas o partido continua paralisado e prostrado ante o altar do umbigo de José Serra -- ele, o partido, e o dono do umbigo. Enquanto isso, o pretenso-quase-talvez-quem sabe candidato Aécio Neves circula lépido, fagueiro e sorridente com sua nova esposa a tiracolo. 

O DEM virou uma miragem de partido, é uma ilusão de ótica política.  Com uma oposição com esse pedigree, Dilma NPS vai deitar e rolar na eleição de 2014, tripudiando sobre o país todo por conta dos milhões de cegos e parvos que fecham com sua reeleição.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Esperanto: simples, lógico e fadado ao fracasso

[O artigo traduzido abaixo foi publicado na revista The Economist de 26/9. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

 Saluton!  Ĉu vi parolas Esperanton? - (Foto: AFP/Fonte: The Economist).

É provável que você não fale Esperanto, simplesmente. Mas, alguns leitores das duas últimas colunas -- sobre o dilema da multiplicidade de idiomas na Europa e porque impor o inglês por toda a Europa era uma ideia furada -- apresentaram o argumento do Esperanto. Numa época em que cada vez mais países precisam comunicar-se entre si, por que não deveriam a Europa ou o mundo aderir à língua internacional simples inventada por Ludwig Zamenhof em 1887?

Pessoas estranhas ao tema tendem a zombar do Esperanto como sendo uma perda de tempo idealista. Esperantistas rebatem essa crítica asperamente: com algo entre poucas centenas de milhares a 2 milhões de estudantes, o Esperanto é de longe a mais exitosa língua inventada no mundo.  Se isso soar tão estranho como "a maior banda de klezmer da Finlândia" [klezmer é um gênero de música não-litúrgica judaica], não deveria ser assim. O Esperanto se expandiu mais que alguns concorrentes.  Sonhadores têm inventado línguas durante séculos, desde a Lojban (baseada na lógica de predicado) à Ládaan (desenhada para esposar o feminismo) [a Láadan é uma língua artificial criada por Suzette Haden Elgin em 1982 para testar a Hipótese Sapir-Whorf, especificamente para determinar se o desenvolvimento de uma língua focada em expressar as opiniões das mulheres poderia moldar uma cultura]. Mas, línguas como Klingon, Elvish, Dothraki, Navií e suas aparentadas, criadas para entretenimento popular,  são as únicas línguas inventadas que podem exibir quase o entusiasmo despertado pelo Esperanto.

O Esperanto permanece no topo da pirâmide. A Wikipédia Esperanto tem cerca de 186.000 verbetes, mais do que o Hindi e o Hebreu, e algo como 87.000 usuários, disparada a maior participação entre as línguas inventadas. Pessoas que falam Esperanto se encontram também fora da Web em convenções frequentes para discutir as perspectivas da língua, fazer amigos ou se enamorar. Um serviço esperantista de compartilhamento de moradia, o Pasporta Servo, gaba-se de contar com 1.000 casas em 90 países, nas quais esperantistas podem ficar de graça com seus parceiros. A prazenteira e jovial energia da comunidade esperantista é retratada por Arika Okrent em seu livro "In the Land of Invented Languages" ["Na Terra das Línguas Inventadas"].  O orgulho dos esperantistas não é totalmente desprovido de fundamento. 

Um detalhe que está por trás do sucesso do Esperanto é obviamente sua simplicidade. Zamenhof  idealizou-o para ele se propagar. Suas raízes derivam das principais línguas europeias. Sua gramática é completamente regular (os nomes terminam em "o", os adjetivos em "a", os advérbios em "e", os plurais em "j", etc). Esperantistas são entusiasmados por ensinar: inscreva-se no Lernu! e você encontrará não apenas aulas de graça e de qualidade decente, mas também instrução gratuita vinda de pessoas experientes no idioma.  Há uns poucos falantes de Esperanto realmente "nativos", talvez cerca de mil pessoas -- muitos, filhos de pais idealistas, têm ouvido Esperanto desde o berço, mas Arika descreve apenas um, Kim Henriksen, que tem no Esperanto seu idioma predominante para se expressar. 

Dito isso, e tendo sido alertado por Arika de que "não existe nada pior do que ser ouvinte de um catequisador de Esperanto", Johnson [um colunista fictício da The Economist] tem que confessar suas dúvidas. Provavelmente, o Esperanto jamais se tornará a língua franca mundial. E por que não? Bem, uma das razões é simples: ele não conseguiu isso em quase 130 anos. O Esperanto não é tão velho quanto a The Economist [cujo primeiro exemplar foi publicado em 2 de setembro de 1843], mas é mais velho que, digamos, a Noruega [que se separou da Suécia em 1905] e a Universidade de Stanford [que abriu suas portas em outubro de 1891].  Mas, apesar disso, permanece de pouco uso.

Isso se deve em parte ao fato de que uma língua, mais do que qualquer outra ferramenta, se beneficia do compartilhamento por grupos de pessoas. Quanto mais pessoas falam uma língua, mais desejada ela se torna. Esta é a razão pela qual as pessoas que falam Esperanto exageram com o número mais alto possível a quantidade de de membros para sua comunidade, na esperança de que outros venham a se juntar a eles para falar Esperanto com mais gente.

Mas, além de números expressivos de falantes, as pessoas aprendem uma língua com o objetivo de desfrutar uma cultura humana vívida e real. Isto não deixa o Esperanto avançar. Se procurar na Internet "pessoas famosas que falam Esperanto" ("esperantistas"), você encontrará a lista da Wikipédia. Muitos desses não são exatamente famosos, mas um se sobressai: J. R. R. Tolkien.  Esse romancista -- e inventor de língua -- aparentemente fez uma breve incursão pelo Esperanto.  Mas, depois, escreveu a um leitor dizendo: "Volapük, Esperanto, Ido, Novial, etc, etc, estão mortas, mais mortas do que línguas antigas fora de uso porque seus autores nunca inventaram quaisquer lendas em Esperanto".

Por "lendas" podemos entender, de maneira mais ampla, "cultura". As pessoas podem aprender inglês, alemão ou chinês para conseguir um trabalho. Mas, elas aprendem línguas para vivenciar também experiências em viagens, comida, filmes, música e literatura. (...) A comunidade esperantista se orgulha de seu respeito por culturas existentes.  O Esperanto destina-se a ser, no mundo, a primeira opção para um segundo idioma de modo a proteger a diversidade, não para substituí-la.  Assim, para ficar motivado a aprender o Esperanto, você tem que estar motivado não por uma cultura viva e arejada mas por um ideal de harmonia internacional.  Esse ideal tem que competir com a comida francesa, a moda italiana, a música brasileira, a vida noturna espanhola, etc.

Talvez, se algumas celebridades deslumbrantes se tornassem fluentes nele, o Esperanto adquirisse algum toque de classe. Seria certamente interessante se algum país ou território alguma vez fizesse um esforço sério para fazer do Esperanto sua língua, como uma vez uma minúscula fatia da Bélgica quase fez.  Até esse (remoto) dia, as línguas vivas reinarão soberanamente -- e, especialmente, a língua viva que teve a chance de desempenhar o papel desejado pelo Esperanto de se tornar o auxiliar mais popular do mundo, o inglês. Os apaixonados pela diversidade de línguas talvez prefiram a sugestão recente de Johnson de que cada criança europeia aprenda pelo menos duas línguas estrangeiras. Esta parece ser uma aposta melhor que o sonho nobre do uso do Esperanto, que nunca se tornou realidade e provavelmente nunca se tornará. 

[Na citada sugestão de Johnson comenta-se o fato incômodo de que os 28 países da União Europeia falam 23 idiomas -- a figura abaixo é um pálido retrato disso.


Uma visão incompleta da diversidade linguística da União Europeia - (Foto: Alamy/Fonte: The Economist).]




segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Onça caça e captura jacaré em rio do Pantanal

Turistas flagraram e registraram recentemente um exemplo impressionante da astúcia e do poder de ataque de uma onça na caça a um jacaré num rio do Pantanal. Vejam o vídeo (YouTube) e as fotos (Google) abaixo.

A revista Época registra que há pouco mais de um mês, o site Huffington Post publicou fotos inacreditáveis do ataque sorrateiro de uma onça a um jacaré, acontecido no Pantanal no fim de agosto. Quem fez o flagrante foi o fotógrafo americano Justin Black. "Ela levantou o jacaré de 68 kg do chão e correu em direção à água como se carregasse o osso de um cachorrinho", disse ele na época. Só na última quinta-feira (3), um vídeo do ataque foi publicado na web, revalando com mais detalhes a habilidade da onça em capturar sua presa. Segundo a publicação no Facebook, que já tem mais de 20 mil compartilhamentos, o fato aconteceu na frente de mais de 20 turistas que observavam o comportamento do animal. O vídeo teria sido gravado por uma britânica. 







Linguagem, significação e comunicação em bebês

[O artigo abaixo é de Karina Toledo e foi publicado no site da Agência FAPESP em 02/10.]

O ser humano é um “ser da linguagem”. Desde o nascimento, e muito antes de aprender a falar, já é capaz de dialogar e de negociar com parceiros – sejam eles adultos ou outros bebês – por meio de olhares, gestos, posturas, vocalizações e outros recursos próprios da idade. Todo o seu corpo é meio de apreensão, expressão e significação.

A análise é da especialista em Psicologia do Desenvolvimento Humano Kátia de Souza Amorim, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), ligada à Universidade de São Paulo (USP). A pesquisadora coordenou um projeto de pesquisa apoiado pela FAPESP, cujo objetivo foi investigar se e como ocorriam processos de significação e de linguagem nos dois primeiros anos de vida. Amorim coordenou também outra pesquisa outra pesquisa sobre corporeidade e significação em processos desenvolvimentais no primeiro ano de vida.

“Usualmente, tem-se a ideia de que os bebês apenas dormem e mamam e, quando se expressam, tudo não passa de uma descarga emocional. Mas nossos estudos mostram que, na verdade, os bebês desde muito cedo já são capazes de se expressar de maneira culturalmente adequada”, disse Amorim. “Isso não quer dizer que eles entendam os significados das palavras pela cognição, pelo intelecto, mas apreendem seu significado nas relações, dentro do ambiente. Por meio de recursos particulares, percebem o meio e agem sobre ele, sendo capazes de dialogar com o outro, mesmo que em um diálogo mudo”, afirmou.

Para chegar a essas conclusões, a pesquisadora e seus colaboradores acompanharam cerca de 40 crianças com até 13 meses em diferentes relações e contextos: casa, creche e instituição de acolhimento (abrigo). A interação dos bebês com familiares, cuidadores e com outras crianças, inclusive pares de idade, foi gravada e posteriormente analisada pelos cientistas. “O trabalho começou no âmbito de um Projeto Temático coordenado pela professora Maria Clotilde Rossetti-Ferreira, da FFCLRP. Na época, acompanhamos um grupo de 21 crianças que tinham acabado de ingressar na creche mantida pela USP, no campus de Ribeirão Preto. Nosso objetivo era estudar o processo de adaptação dos bebês no ambiente da educação coletiva”, disse Amorim.

Nesse período, foram realizadas cerca de três horas de gravações diárias mostrando a interação dos bebês com as mães, educadoras e com as outras crianças. Como os pesquisadores observaram indícios de processos de interação e de comunicação mesmo entre os próprios bebês, foram conduzidas outras pesquisas e construídos os demais bancos de dados e imagens. “Pudemos observar claramente que os bebês eram capazes de se expressar e, de alguma maneira, compreender o que se passava no entorno. Então, levantamos uma série de questões para estudar a comunicação e a significação antes da aquisição da linguagem oral”, disse Amorim.

Dentro das competências comunicativas, acrescentou a pesquisadora, a emoção serve de diálogo sem palavra, representando uma forma de comunicação que abrange todo o corpo do bebê e não apenas o rosto e a voz. Essa emoção muito precocemente passa a ser carregada de intencionalidade, sendo dirigida aos parceiros, com aumento, diminuição e substituição de sinais e tons, além de transformações nos estilos e manifestações. “Se o choro fosse apenas uma descarga emocional, os bebês agiriam com todos da mesma forma. Mas observamos que eles não choram e não sorriem para todo mundo de maneira igual”, comentou Amorim.

Segundo a pesquisadora, a análise dos vídeos mostra que, embora os bebês tenham uma relação preferencial com a mãe, também constroem ligações com outras pessoas – tanto adultos como pares de idade – presentes no contexto. E as relações se dão de forma bastante diferenciada. “Se há duas educadoras ou duas crianças, por exemplo, o bebê chega a claramente demonstrar preferência por uma delas. Não só interage mais com ela, como os recursos comunicativos são diversos, sendo usados com mais ou menos frequência, além de mudarem com o tempo e as diferentes situações”, disse.  “Para nós, isso foi surpreendente, pois mostra o grau de refinamento das habilidades nas relações e a riqueza de competências comunicativas do bebê. De alguma maneira o bebê diferencia não apenas o parceiro como apresenta também formas diversas de se comunicar com ele”, avaliou Amorim.

Interação de crianças

De acordo com a pesquisadora da FFCLRP-USP, muitos gestos que hoje em dia são considerados como automáticos ou naturais – decorrentes de maturação biológica – evidenciaram ser, na verdade, construídos nas relações com os parceiros, servindo na regulação do comportamento do outro, constituindo o diálogo com o interlocutor. Nessas relações e comunicação, em que há troca de significados, verificou-se que há participação ativa da criança, apesar de ela não ser capaz de fazer uso das palavras.

Os comportamentos enunciam problemas, que são dirigidos a alguém e inclusive chegam a antecipar uma possível resposta, desde muito precocemente. O gesto tem ainda uma forma diretamente relacionada à ação no mundo de onde deriva, construindo papéis e formas de ser e de estar no mundo.

O tema é controverso, segundo Amorim, pois para a maioria dos autores a linguagem está relacionada à internalização de signos e à aquisição da fala. Em função disso, muitas pesquisas sobre a linguagem e a comunicação de crianças, segundo Amorim, centra seu foco em faixas etárias acima do final do primeiro ano de vida.  “Porém, reconhecer as competências desde o nascimento permite que se veja o bebê para muito além daquilo que ele virá a ser – adulto oralizado –, destacando o que ele já é”, avaliou.

Na opinião da pesquisadora, os resultados do estudo podem contribuir para reflexões sobre a forma como familiares, educadores e demais profissionais compreendem os bebês e como organizam a vida e as relações com a criança, por exemplo, nas creches. Para Amorim, é preciso favorecer ainda mais o encontro e a interação das crianças com seus pares de idade.

“Temos enviado material de divulgação da pesquisa para congressos, creches, cursos de pedagogia e demais profissionais que trabalham com desenvolvimento infantil. Muitos professores se incomodam com o fato de terem de lidar com bebês. Dizem que não se formaram para trocar fraldas. Mas se houver a compreensão de que, na verdade, quando trocam a fralda estão ensinando, aprendendo e se relacionando com alguém que já é capaz de se comunicar, tudo muda”, avaliou Amorim.

domingo, 13 de outubro de 2013

Leitura equivocada de mensagem no Twitter provoca pico no preço do petróleo

[Há situações que, quando contadas, parecem invenção. Vejam a notícia traduzida abaixo, publicada anteontem no site The Car Connection, que é também mais uma confirmação da força impressionante das redes sociais.  O assunto me foi trazido por um de meus amigos mais queridos, meu filho André. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Preste atenção antes de dar um pulo, costumavam dizer nossas avós. Esse conselho calmo, sistemático e sábio teria vindo a calhar ontem, quando negociantes entraram em pânico em relação ao preço do petróleo após ler erroneamente um tuíte

Esse tuíte veio das Forças de Defesa de Israel e dizia: "October 10 #YomKippur73: Israel Air Force bombards airports in Syria to prevent Soviet weapons reaching the Syrian Army http://t.co/tKnMzYjgFF" ("10 de outubro #YomKippur73: a Força Aérea de Israel bombardeia aeroportos na Síria para evitar que armas soviéticas cheguem ao exército sírio http://t.co/tKnMzYjgFF").

— IDF (@IDFSpokesperson) October 10, 2013

À primeira vista, isso poderia parecer alarmante.  Afinal, a Síria tem estado envolvida numa guerra civil sanguinária por dois anos e meio, que tem aumentado as tensões com Israel. E a Rússia tem sido um defensor importante do regime de al-Assad na Síria. Detalhe essencial: a possibilidade de uma guerra sírio-israelense configura-se grande.

Dito isso, aqueles negociantes apressados e irrefletidos deveriam ter atentado antes para pelo menos duas coisas: 1) o Yom Kippur [um dos dias mais importantes do Judaísmo] ocorreu há semanas atrás; - 2) a União Soviética é coisa do passado. -- Combine este dois fatos e ficará bem claro que o tuíte do IDF destinava-se a comemorar algo que havia acontecido no passado. Nesse caso, tratava-se da Guerra do Yom Kippur, que ocorreu em 1973 (daí o hashtag do tuíte). 

Infelizmente, no mundo acelerado dos investimentos, cabeças mais frias e cautelosas não prevaleceram. Investidores viram o tuíte e, rapidamente, começaram a espalhar-se rumores de que o conflito Síria-Israel havia finalmente eclodido. Os comerciantes de petróleo presumiram que a produção ficaria comprometida, o que fez com que o preço do produto se elevasse. Em uma hora, seu valor subiu mais de 1 dólar, passando de US$ 110,40 para US$ 111,50.

O que é interessante é que, mesmo depois que os investidores perceberam seu engano, o preço do petróleo permaneceu elevado.  De acordo com a agência de notícias Reuters, "embora os comerciantes percebessem rapidamente a natureza histórica do tuíte, os preços do petróleo mantiveram seus ganhos, suportados em grande parte pelas expectativas de um avanço nas discussões sobre a dívida pública americana e por uma ansiedade anterior sobre a estabilidade política na Líbia".  Ficou parecendo que os comerciantes tomaram um pileque com o tuíte, e queriam qualquer desculpa para que a festa continuasse. Três horas depois do tuíte do IDF, os preços do petróleo atingiram US$ 117,74 por barril -- o preço mais alto visto em um mês.

Ontem não foi a primeira vez que esse tipo de coisa aconteceu -- e você pode apostar um bocado de dinheiro que voltará a acontecer.

É por essa e por outras que não podemos ter do bom e do melhor.

sábado, 12 de outubro de 2013

As impressionantes revelações sobre o PCC, o maior grupo do crime organizado no país

[Reproduzo a seguir reportagem do jornal Estadão sobre as investigações realizadas sobre o PCC - Primeiro Comando da Capital, o maior e principal grupo do crime organizado no país.]

Depois de três anos e meio de investigação, o Ministério Público Estadual (MPE) de São Paulo concluiu o maior mapeamento da história do crime organizado no País, com um raio X do Primeiro Comando da Capital (PCC). Por fim, denunciou 175 acusados e pediu à Justiça a internação de 32 presos no Regime Disciplinar Diferenciado - entre eles, toda a cúpula, hoje detida em Presidente Venceslau.

As provas reunidas pelos promotores do Grupo Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) permitiram a construção de um retrato inédito e profundo da maior facção criminosa do País. Os promotores reuniram escutas, documentos, depoimentos de testemunhas e informações sobre apreensões de centenas de quilos de drogas e de armas. O Estado teve acesso aos documentos e a milhares de áudios que formam o maior arquivo até hoje reunido sobre o grupo.  O MPE flagrou toda a cúpula da facção em uma rotina interminável de crimes. Ela ordena assassinatos, encomenda armas e toneladas de cocaína e maconha. Há planos de resgate de presos e de atentados contra policiais militares e autoridades. O bando faz lobby e planeja desembarcar na política.

Presente em 22 Estados do País e em três países (Brasil, Bolívia e Paraguai), a "Família" domina 90% dos presídios de São Paulo. Fatura cerca de R$ 8 milhões por mês com o tráfico de drogas e outros R$ 2 milhões com sua loteria e com as contribuições feitas por integrantes - o faturamento anual de R$ 120 milhões a colocaria entre as 1.150 maiores empresas do País, segundo o volume de vendas. Esse número não inclui os negócios particulares dos integrantes, o que pode fazer o total arrecadado por criminosos dobrar.
A principal atividade desenvolvida pela facção é tráfico de drogas. Chamado de Progresso, prevê ações no atacado e no varejo. No último, a facção reunia centenas de pontos de venda espalhados pelo País. Eles são chamados de "FM". No caso da cocaína, os bandidos mantêm um produto de primeira linha, o "100%" e o "ML", que é a droga batizada, de segunda linha. A maconha é designada nas conversas com o nome de Bob Esponja. A droga do PCC vem do Paraguai e da Bolívia. Os três principais fornecedores de drogas para o PCC seriam o traficante paraguaio Carlos Antonio Caballero, o Capilo, e os brasileiros Claudio Marcos Almeida, o Django, Rodrigo Felício, o Tiquinho, e Wilson Roberto Cuba, o Rabugento.

Organograma do PCC - Primeiro Comando da Capital (clique na imagem para ampliá-la) - (Ilustração: Estadão).


Arsenal. O bando tem um arsenal de uma centena de fuzis em uma reserva de armas e R$ 7 milhões enterrados em partes iguais em sete imóveis comprados pela facção. Ao todo, o grupo tem 6 mil integrantes atrás das grades e 1,6 mil em liberdade em São Paulo. Esse número sobe para 3.582 em outros Estados - somando os membros ativos e inativos, além dos punidos e os que não têm mais cargos ou participação em atividades mantidas pela facção.

A denúncia do MPE foi assinada por 23 promotores de Justiça de todos os Gaecos de São Paulo. O MPE fez ainda um pedido à Justiça de que seja decretada prisão preventiva de 112 dos acusados. Todos os suspeitos listados pelo MPE foram flagrados conversando em telefones celulares, encomendando centenas de quilos de cocaína, toneladas de maconha, fuzis, pistolas, lança-granadas e determinando a morte de desafetos, traidores e suspeitos de terem desviado dinheiro da Família. Deixam, assim, claro que atuam segundo o princípio de que "o crime fortalece o crime". Dezenas de telefonemas relatando pagamento de propinas, principalmente a policiais civis, mas também a PMs, fazem parte da investigação.

A Justiça de Presidente Prudente se negou a decretar a prisão de todos os acusados, sob o argumento de que seria necessário analisar mais detidamente as acusações. O mesmo argumento foi usado pela Vara das Execuções Criminais, que indeferiu o pedido de liminar feito pelo MPE para internar toda a cúpula da facção no RDD da Penitenciária de Segurança Máxima de Presidente Bernardes. O juiz Tiago Papaterra decidiu verificar caso a caso a situação dos detentos, antes de interná-los.

Em outra reportagem, datada de hoje, o Estadão revela que a facção criminosa tenta levar casos do PCC para o STF - Supremo Terminal Federal. O crime organizado quer influenciar as decisões do Supremo Tribunal Federal e se infiltrar na corte. É o que demonstram as interceptações telefônicas feitas pelo Ministério Público.

Veja também:



sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Má notícia para quem sofre de osteoporose: suplementos de vitamina D não fortalecem os ossos

[O artigo traduzido abaixo foi publicado hoje pelo jornal inglês The Independent. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Suplementos de vitamina D não fortalecem os ossos em adultos saudáveis e não devem ser usados para prevenir a osteoporose, segundo recomendação de um estudo importante.

Estima-se que metade de todos os adultos acima de 50 anos toma esses suplementos, que são frequentemente usados para prevenir a osteoporose, que torna os ossos fracos e frágeis. Entretanto, pesquisadores da Universidade de Auckland [Nova Zelândia] afirmaram em artigo publicado hoje no The Lancet [O Bisturi -- ver sumário aqui e comentário aqui] que uma análise de 4.000 adultos saudáveis revelou que a ingestão de suplementos de vitamina D  não melhora a densidade mineral dos ossos nos quadris, na coluna, no antebraço ou no corpo como um todo. 

"A maioria dos adultos saudáveis não têm necessidade de suplementos de vitamina D", diz o Prof. Ian Reid, líder do estudo.  "Nossos dados sugerem que a prescrição de suplementos de vitamina D de baixa dosagem, apenas para pessoas que têm probabilidade de apresentar carência dessa vitamina, poderia liberar recursos substanciais que poderiam ser melhor utilizados em outras áreas dos cuidados à saúde". 

Atualmente, suplementos diários são recomendados para grupos com risco de deficiência de vitamina D, incluindo mulheres grávidas ou em período de amamentação, crianças de seis meses a cinco anos de idade, e pessoas acima de 65 anos que normalmente não se expõem ao sol.  A recomendação do governo não está baseada na prevenção da osteoporose.

A Dra. Alison Tedstone, diretora de dieta e obesidade da Saúde Pública da Inglaterra [órgão estatal], disse que "o Comitê Consultivo Científico sobre Nutrição (SACN, na sigla inglesa), um grupo independente de especialistas científicos que assessoram o governo, está no momento revisando as recomendações dietéticas para a vitamina D para todos os grupos populacionais no Reino Unido. A revisão do SACN avaliará a evidência de conexão entre a vitamina D e uma gama de resultados relativos à saúde, incluindo a osteoporose".

O resgate do prazer da boa leitura

[A reportagem abaixo é de José Tadeu Arantes e foi publicada no dia 07/10 no site da agência FAPESP.]

Retratos de um Brasil que não existe mais: esta poderia ser uma das muitas chaves de leitura da coleção “Reserva Literária”, produzida pela Com-Arte, editora laboratório ligada à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), em parceria com a Editora da Universidade de São Paulo (Edusp).  Reunindo obras menores de escritores maiores, como os deliciosos Contos Cariocas, de Artur Azevedo (1855-1908), ou obras maiores de escritores menores, como o encorpado romance Mau-olhado, de Veiga Miranda (1881-1936), e o mais experimental Marta, de Medeiros e Albuquerque (1867-1934), a coleção publica textos de domínio público que estão há muitas décadas afastados das estantes das livrarias.

Em uma narrativa que alterna páginas de fina observação psicológica com outras que são de descrições quase científicas dos recursos naturais ou dos ofícios humanos, Mau-olhado, publicado em 1919 por João Pedro da Veiga Miranda, e reeditado apenas uma vez, em 1925, retrata um Brasil novecentista, rural, escravista, bruto, supersticioso e violento, com seus personagens esmagados por convenções sociais que se abatem sobre suas vidas como se fossem fatalidades da natureza.

Veiga Miranda, nascido em Campanha, Minas Gerais, mas formado em engenharia civil em São Paulo, emprestou à atividade literária a sólida formação científica adquirida na Escola Politécnica. Dedicando-se também à política, veio a ser vereador e prefeito de Ribeirão Preto (SP), antes de ser convidado, pelo então presidente Epitácio Pessoa, a assumir o Ministério da Marinha, em 1921. Decepcionado com a política, dedicou-se ao ensino, ao jornalismo e à literatura. Titular da cadeira 35 da Academia Paulista de Letras, pleiteou, em 1934, o ingresso na Academia Brasileira de Letras. Mas a força política de seu oponente, o gaúcho João Neves da Fontoura, protegido por Getúlio Vargas, fez com que sua candidatura fosse preterida.

Contos Cariocas, publicado postumamente e uma única vez, em 1928, oferece ao leitor outro recorte: o Rio de Janeiro na transição do século XIX ao XX, do Império à República, das relações escravistas ao trabalho livre.  Tudo é transitório nesses contos ligeiros, em que os personagens transitam entre os empregos ocasionais e a franca boemia, entre os bons costumes e as derrapadas morais, com ações que traduzem um misto de ingenuidade e astúcia quando se trata de cavar algum dinheiro ou conquistar um coração.  As pensões, as confeitarias, os teatros, as casas de moda, os passeios públicos compõem o cenário urbano de um Rio de Janeiro em que Copacabana é ainda uma promessa e Ipanema, uma vila distante. O texto, leve, espirituoso, divertido, flui agilmente pela escrita de mestre de Artur Azevedo.

Irmão mais velho de Aluísio Azevedo, o ousado autor de O Cortiço, e amigo de Machado de Assis, com quem participou da fundação da Academia Brasileira de Letras, Artur Nabantino Gonçalves de Azevedo foi um dos escritores mais populares de seu tempo, tendo produzido mais de uma centena de peças de teatro, contos e poesias, além de desenvolver intensa atividade jornalística.  Em 1955, na comemoração do 100º aniversário de seu nascimento, Josué Montello, que então ocupava a cadeira 29 da Academia, de que Artur fora o fundador, afirmou que o seu homenageado “viveu sorrindo e não ganhou com a morte a gravidade fúnebre”.

Flerte com a psicanálise

Um Brasil que aspira ao cosmopolitismo e à modernidade, mas no qual uma coisa e outra assentam mal, como uma roupa dois números acima do tamanho, é o que se mostra nas páginas de Marta, o romance publicado em 1920 por José Joaquim de Campos da Costa de Medeiros e Albuquerque, e reeditado duas vezes, em 1922 e 1932, antes da edição atual. Como o próprio país que lhe serve de pano de fundo, indeciso entre o passado e o futuro, o romance, com sua trama inverossímil, flerta com muitas tendências associadas à vanguarda intelectual da época, o simbolismo, o decadentismo e a psicanálise, anunciando uma estética modernista que não chega a se concretizar inteiramente.

Filho da elite pernambucana, da qual herdou o nome quilométrico, que ele, ironizando, comparava a um trem, Medeiros e Albuquerque fez contato direto com a cultura europeia ao acompanhar o pai em viagem e, depois, como aluno da Escola Acadêmica de Lisboa.  De volta ao Brasil, seus múltiplos interesses o encaminharam em direções e sentidos tão diversos quanto a leitura de Schopenhauer e as aulas de História Natural ministradas por Emílio Goeldi, a proposta de uma reforma ortográfica eminentemente fonética, que não prosperou, e estudos sobre o hipnotismo, a partir dos trabalhos de Charcot.  Dedicou-se ao ensino, ao jornalismo, à política e à literatura, tornando-se membro fundador da Academia Brasileira de Letras. Mas, a despeito dessa atividade multifacetada, ele é hoje lembrado, quase que exclusivamente, devido à autoria da letra do Hino da República.

Memória militante

A publicação elegante (com miolo em papel pólen de elevada gramatura, capa dura, guardas e sobrecapa) e a edição primorosa (com ensaios introdutórios, perfis dos autores, bibliografias, frontispícios das edições originais e numerosas notas de rodapé) fazem da coleção “Reserva Literária” uma fonte de prazer para quem gosta de ler e manusear bons livros.  “Por ser uma editora laboratório, a Com-Arte pode editar livros que as editoras comerciais raramente editariam”, explica Plinio Martins Filho, docente da ECA-USP, diretor presidente da Editora da Universidade de São Paulo (Edusp) e professor responsável pela Com-Arte.

“Nossas coleções resultam diretamente do curso de editoração da ECA. Existe nele uma disciplina, a ecdótica, que trata de todos os aspectos da edição de textos”, disse Martins Filho. “Então, o professor José de Paula Ramos Jr. seleciona o livro; ensina os alunos a fazer a edição, atualizando a ortografia, levantando a biografia do autor, produzindo notas para informar o significado de palavras menos usuais ou de referências a personagens e situações da época etc. E, na produção física do livro, contamos com a ajuda de algumas gráficas, que nos oferecem seu serviço a um preço quase simbólico, ficando a distribuição a cargo da Edusp".

A tiragem, no caso da coleção “Reserva Literária”, é de mil exemplares por edição. E a expectativa da editora é lançar ao menos dois títulos por ano. Para 2014, estão programados os romances Navios Iluminados, de Ranulpho Prata, e O Feiticeiro, de Xavier Marques.

Outra coleção da Com-Arte, com tiragem de 500 exemplares por edição, é a série “Memória Militante”, dirigida pelos professores Marisa Midori Deaecto, Lincoln Secco e Plínio Martins Filho, com depoimentos ou textos de participantes das lutas políticas travadas no Brasil contemporâneo.  “Coincidentemente, os três primeiros livros dessa coleção foram escritos por pessoas que tiveram relação com a USP: Catullo Branco, já falecido, formado pela Escola Politécnica; Wilson do Nascimento Barbosa, professor titular aposentado da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas; e Paul Israel Singer, professor titular aposentado da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade”, diz Martins Filho.

O próximo livro da série, já no prelo, é Um grito de coragem: memórias da luta armada, de Renato Martinelli.

Mais informações: www.eca.usp.br/comarte