quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Deputados continuam moleques e irresponsáveis

[É a velhíssima história: quem nasceu pra ser jerico jamais será um puro-sangue. Isso cai como uma luva para nossos deputados federais, um bando de gente rastaquera, de inteligência minúscula, malandragem gigantesca e uma tremenda atração para pilantragens e malfeitos. O projeto de lei por eles aprovado ontem, de ajuda aos estados sem qualquer exigência de contrapartida, ao contrário do que fora proposto pelo governo, é mais uma demonstração da molecagem que campeia na Câmara dos Deputados. Além de todos os defeitos citados, os deputados são chantagistas natos -- criam dificuldades para vender facilidades.]

Retirada de exigências dificulta solução da crise, dizem analistas

Marcello Corrêa -- O Globo, 21/12/2016


Presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) - (Foto: Ailton de Freitas/Agência O Globo)


O projeto de lei aprovado ontem na Câmara dos Deputados deveria ajudar na solução da crise fiscal de estados mais endividados, como o Rio. Mas, da forma como foi costurado, torna a saída da crise mais complicada. A avaliação é de especialistas em contas públicas, que criticaram a retirada das contrapartidas que o governo federal exigia para oferecer o alívio da dívida. Eles destacam que as medidas de ajuste fiscal são necessárias e, ao serem retiradas do texto, apenas adiam reformas necessárias e dificultam a tarefa dos governadores — que terão de aprovar reformas em suas assembleias legislativas sem apoio de uma lei federal.

Para Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, a decisão da Câmara mostra que os deputados não entenderam a extensão da gravidade da crise dos estados.
— É uma tremenda irresponsabilidade da Câmara. Os estados pressionarem para isso mostra uma incompreensão da gravidade e uma dificuldade de assumir o tamanho da crise. São governadores fracos, que pressionaram a Câmara para adiar o problema — afirma a economista.


SINAL DE FRAQUEZA DA FAZENDA

Ela destaca que os gastos com pessoal e Previdência estão entre os problemas por trás do desequilíbrio das finanças estaduais. As contrapartidas exigiam a elevação da contribuição previdenciária de servidores e a suspensão de reajustes salariais:

— O desequilíbrio das contas não é por causa da dívida pública. É por causa do déficit da Previdência, cujo passivo atuarial dos estados é 50% do PIB. São estados quebrados que não conseguem enfrentar a agenda dura. Isso que foi feito é a marcha da insensatez. É lamentável o episódio.

O economista José Roberto Afonso, pesquisador do Ibre/FGV e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), compara a crise estadual a um incêndio. Para ele, o texto aprovado agrava a situação. Ele acredita que, por si só, a exigência das contrapartidas na lei federal não resolveria o problema, mas ajudaria os governadores a tocar os seus ajustes.
— A crise dos estados é como um incêndio em um arranha-céu, da federação brasileira. A decisão da Câmara foi o mesmo que optar por não emprestar as escadas para os bombeiros. Isso dificulta a situação, mas o fato também de ceder as escadas por si só não apagaria o incêndio — explica o economista. — As contrapartidas eram apenas uma escada para que os bombeiros locais combatessem as chamas. Sem ajuste fiscal, nenhum governo sai do incêndio.

Zeina, da XP, concorda:

— A negociação faz parte. O que não dá é um Congresso alheio à necessidade de fazer ajustes estruturais nos estados. Qual o incentivo que o governador vai ter para fazer?

Ela acrescenta ainda que o episódio representa uma derrota da equipe econômica no Congresso, algo que será percebido pelo mercado:

— Ao contrariar a orientação, enfraquece o Ministério da Fazenda. Como se não bastasse o sinal ruim aos mercados do episódio em si, tem ainda essa sinalização em relação à força do Ministério da Fazenda.
Ao contrário dos colegas, o economista Raul Velloso considera que as exigências do governo federal eram duras demais. Para ele, a aprovação do texto com as contrapartidas era inviável politicamente, porque tornaria a negociação rígida demais. Apesar disso, o especialista em contas públicas considera que a aprovação da lei não ajudará na negociação dos estados em calamidade, como o Rio, já que o Ministério da Fazenda continuará responsável pela última palavra para conceder o alívio de três anos do pagamento da dívida. A tendência é que a equipe econômica mantenha a posição de exigir um ajuste fiscal duro, negociando diretamente com os estados, diz Velloso:
— A negociação volta à estaca zero. Se olhar para trás, nada progrediu. A única coisa que o Rio levou foram aqueles R$ 2,9 bilhões das Olimpíadas. Nada mais. Hoje, vejo a negociação com o Ministério da Fazenda praticamente impossível. O projeto não ajuda, deixa de piorar.

O economista defende que a medida ideal para tirar os estados da crise seria algum mecanismo pelo qual a União pudesse auxiliar diretamente os estados endividados. Uma possibilidade seria a criação de fundos, pelos quais o governo federal pudesse injetar dinheiro nas contas estaduais, em troca de ativos. Isso daria um fôlego extra para negociar medidas de ajuste, destaca Velloso:

— Existe um erro sobre qual é a real capacidade dos governadores de aprovarem medidas indigestas nas suas comunidades sem que seja feito um trabalho muito cuidadoso de convencimento. O único instrumento que eles têm é o controle do caixa. Se eles têm o caixa, eles podem negociar com as partes afetadas o pagamento em dia dos seus compromissos. Qual é a moral que um governador tem de fazer uma medida de ajuste quando ele não consegue honrar seus compromissos?
Para o secretário de Fazenda do Rio Grande do Norte e coordenador do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), André Horta, a discussão sobre a escalada das despesas nos estados é secundária, frente às dificuldades de arrecadação, principalmente de estados que dependem do Fundo de Participação dos Estados (FPE).

— Não acho que o gasto excessivo explica a história. É uma questão parcial. Respeito e acho legítimo o plano e o esforço do Ministério da Fazenda. O que estou falando é que esse é um problema reflexo. O subfinanciamento dos estados é algo fundamental. Se ele não for corrigido, podem ser colocadas as exigências mais rigorosas e não vão resolver — destaca o secretário.




Tragédia em Berlim: pesadelo para a Alemanha e para Angela Merkel

[A tragédia no mercado de Natal de Berlim coloca o governo de Angela Merkel contra as cordas e, certamente, provocará nova onda de xenofobia e de crescimento da extrema direita não só na Alemanha, como no resto da Europa. Podemos esperar dias mais tensos pela frente, com consequências imprevisíveis. Traduzo a seguir reportagem de Severin Weiland e Phillip Wittrock publicada no site Spiegel Online International.]

Ataque em Berlim, pesadelo da Alemanha, pesadelo de Merkel

Severin Weiland e Phillip Wittrock - Spiegel Online International, 20/12/2016


A chanceler alemã Angela Merkel assina o livro de condolências pelas vítimas do ataque de segunda-feira - (Foto: AFP)


A chanceler alemã Angela Merkel está no modo crise. Novamente. Mas, desta vez, a situação fere mais do que de vezes anteriores e sacudiu o país inteiro. Os ataques de verão em Würzburg e Ansbach foram simples anúncios ou indicações do banho de sangue da noite de segunda-feira. Agora, 12 pessoas estão mortas e dezenas mais feridas depois que uma pessoa invadiu com um caminhão um mercado de Natal no coração de Berlim.

Merkel esta plenamente ciente de que algo como o ataque na noite de segunda-feira poderia acontecer aqui também -- na realidade, era quase inevitável. Mas isso não diminuiu o choque. "Este é um dia difícil", disse a chanceler. O país, prosseguiu ela, "está unido em luto profundo". 

Quando Merkel leu seu comunicado na terça-feira sobre o ocorrido na noite anterior, ela disse o que tinha que dizer em tal situação. Expressou sua compaixão para com as vítimas e suas famílias, agradeceu àqueles que responderam prontamente à tragédia, expressou confiança no trabalho dos investigadores e anunciou que os executantes da agressão serão punidos devidamente. E prometeu: "Encontraremos forças para a vida que queremos viver na Alemanha -- livre, unida e aberta". Essas são palavras que deram voz ao seu estado de choque e à sua consternação, deram voz também à sua determinação para enfrentar o terror.

Um policial caminha perto da Igreja do Memorial do Kaiser Guilherme em Berlim. Muitas questões permanecem sem respostas após o ataque mortal na noite de segunda-feira contra um mercado de Natal em um destino turístico popular. 12 pessoas morreram nesse ataque, e pelo menos 48 ficaram feridas quando um homem ainda não identificado jogou um caminhão contra a multidão - (Foto: AFP)


Quase um dia havia decorrido após o ataque, mas os trabalhos de investigação e de limpeza na parte ocidental de Berlim ainda se desenrolavam  - (Foto: AP)


O caminhão Scania pertencia a uma empresa polonesa de transporte marítimo e foi carregado com vigas de aço. A polícia prendeu um suspeito mais tarde à noite, mas na terça-feira ainda não havia certeza se haviam prendido a pessoa certa. Um segundo homem foi encontrado morto no assento de passageiro. A polícia disse que era um cidadão polonês e que não havia sido o motorista do caminhão - (Foto: AFP)


Uma cidade de luto. Berlinenses e turistas colocaram flores, velas e mensagens pessoais no local do ataque - (Foto: Reuters)


Na terça-feira a chanceler alemã foi também ao local do ataque na Breitscheidplatz, em Berlim, e deixou flores em honra dos mortos e feridos - (Foto: DPA)


Políticos em estado de choque: o ministro do Interior alemão, Thomas de Mazière, esteve diante da imprensa na terça-feira e disse que havias poucas dúvidas de que o ocorrido fora um ataque terrorista. Entretanto, na mesma terça-feira, mais tarde, e declarou que o real responsável pelo ataque não havia sido ainda encontrado - (Foto: AFP)


A equipe de resgate reboca o caminhão que invadiu o mercado de Natal que estava cheio de gente. Ainda não se sabe onde e quando o suspeito do ataque roubou o caminhão utilizado no ataque - (Foto: Reuters) 


Acomodações para refugiados, dentro de um hangar do antigo e desativado Aeroporto de Tempelhof. Uma força especial da polícia investigou o local durante a noite. Na terça-feira, não mais parecia provável que um jovem paquistanês preso perto do local do atentado fosse o executante do ataque - (Foto: DPA)


Uma imagem do caminhão após o ataque. O motorista suspeito conseguiu escapar. Oficiais da polícia acreditavam que o haviam apreendido perto do memorial de Siegessäule, mas parece agora que prenderam o homem errado - (Foto: DPA)


Bombeiros examinam uma árvore de Natal derrubada no mercado onde ocorreu o ataque. "Foi uma noite ruim para Berlim e para o país. Como um número incontável de pessoas, estou muito chocado", disse o presidente alemão Joachim Gauck - (Foto: AP)


Uma cidade em estado de choque. Um placar eletrônico próximo ao local do ataque apresentava os dizeres "em compaixão e luto pelas vítimas e todos os afetados" - (Foto: AFP)


Em resposta ao ataque em Berlim, várias cidades com mercados de Natal começaram a implementar medidas de seguranças adicionais na terça-feira para impedir ataques semelhantes. Em Dresden, que abriga um dos mais famosos desses mercados, foram instaladas barreiras de concreto para impedir que veículos possam invadir as áreas de pedestres - (Foto: DPA)


Na França, alvo de ataques terroristas sérios nos últimos dois anos, medidas adicionais estão sendo adotadas também, como nesse mercado de Natal em Paris. O governou solicitou à população que seja mais vigilante, em resposta à ameaça - (Foto: AFP)


Até que o responsável pelo ataque seja encontrado, a situação permanecerá tensa em Berlim. Na terça-feira, autoridades admitiram que a pessoa que executou o ataque brutal provavelmente ainda está solta - (Foto: Reuters)


"Particularmente repulsivo"

Mas mesmo quando fazia seu comunicado, a chanceler estava plenamente ciente de que o tom correto, o excelente trabalho da polícia e a firmeza dos valores liberais não seriam suficientes para conter a crise. Isso ajuda a explicar porque ela transmitiu também uma mensagem política durante seus cinco minutos de presença pública.

Seria, disse ela, "particularmente difícil para todos nós tolerar uma situação em que o autor do ataque tenha vindo para a Alemanha como um refugiado". Seria, continuou ela, "particularmente repulsivo com relação aos muitos, muitos alemães que estão diariamente engajados em prestar assistência aos refugiados e com relação às muitas pessoas que realmente precisam de nossa proteção e que estão dando o melhor de si para se integrarem". 

Enquanto ela falava, não se sabia ainda que a polícia começara a duvidar de que o homem preso na noite de segunda-feira estivesse realmente envolvido no ataque. Esse homem, que aparentemente veio para a Alemanha como um refugiado do Paquistão há cerca de um ano, havia sido preso em local não muito distante do local do ataque. Os investigadores tinham a esperança de ter capturado o motorista do caminhão.

A mensagem de Merkel foi um pedido para que os alemães evitassem suspeitar de todos os refugiados, de maneira generalizada. Ela está bem consciente das profundas divisões na sociedade alemã e está preocupada com o fato de que esse ataque possa envenenar a atmosfera ainda mais, o que pode tornar ainda mais difícil sua reeleição no outono de 2017.

E sua mensagem foi dirigida também a seus colegas políticos conservadores que sempre criticaram sua política em relação aos refugiados. Em primeiro lugar e principalmente Horst Seehofer, o combativo governador da Bavária que também é líder da União Social Cristã (CSU), o parido bávaro irmão dos Democratas Cristãos (CDU), partido de Merkel. Antes mesmo que a chanceler lesse seu comunicado, o gabinete bávaro reuniu-se em Munique.  Ficou claro que Seehofer havia sido profundamente afetado pelo ataque e olheiras escuras circundavam seus olhos.

Luta na direita

O que Seehofer disse então para as câmaras dos jornalistas soou como ainda outra declaração de guerra contra Merkel. "Devemos às vítimas, às suas famílias e a toda a população um repensar e um reajuste de todas as nossas políticas de imigração e de segurança".  Quando Seehofer diz "nossas políticas" ele na realidade se refere àquelas da chanceler.

Seehofer vem lutando há meses contra o curso da política de Merkel na crise dos refugiados. Ele não está preocupado apenas com manter o poder na Bavária, o preocupa também a crescente competição política na ala direita na figura do populista Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla alemã). Durante a noite, o AfD buscou ganhar impulso com base no ataque, culpando diretamente as políticas de Merkel por torná-lo possível em primeiro lugar e postando comentários debochados nas redes sociais.

Recentemente, o CDU e o CSU tentaram fazer as pazes em suas relações. Uma reunião conjunta de líderes dos dois partidos está programada para o início de fevereiro, quando o CSU está listado para anunciar seu apoio oficial à nova candidatura de Merkel à Chancelaria. Mas o ataque de segunda-feira pode obstruir esses planos, se Seehofer decidir que as reformas recentes para endurecer a legislação alemã para a não avançam o suficiente.

Mas, até os membros do CDU de Merkel estão agitados. Tomem, por exemplo, Klaus Bouillon, ministro do Interior pelo estado de Saarland, que inicialmente falou de um "estado de guerra" ao descrever o ataque de segunda-feira e mais tarde tentou recuar. "Evitarei usar o termo guerra no  futuro", disse ele, distanciando-se de seus próprios comentários. "É terrorismo".

"Não é o dia para falar de consequências"

A demanda imediata de Seehofer por consequências políticas em seguida ao ataque não caiu bem em Berlim. Thomas de Maizière, o ministro do Interior, fez na terça-feira uma atualização sobre o progresso das investigações e pareceu que o político do CDU escolheu cuidadosamente as palavras enquanto fazia isso. "Não recuemos", disse ele em um apelo à população. "Não os deixemos controlar nossas vidas com o medo".

Quando perguntado sobre sua resposta à demanda de Seehofer, o ministro do Interior ficou taciturno. Anunciou que iria visitar a cena do ataque mais tarde naquele dia junto com a chanceler e o ministro do Exterior, e que participaria de um serviço religioso depois disso. "Hoje", disse ele, "não é o dia para se falar de consequências".

Mais tarde nesse dia, de Maizière juntou-se a Merkel e ao  seu colega do SPD [Partido Social Democrata] Frank Walter Steinmeier quando estes depositaram flores em um memorial temporário para as vítimas. Quando ele assim fez, Seehofer e seus ministros de governo na Bavária se prepararam para convocar uma reunião especial do gabinete na terça-feira à tarde. Assuntos a serem discutidos: as políticas da Alemanha para segurança e refugiados.


Caminhão colide com mercado de Natal de Berlim - A foto mostra onde o caminhou entrou no mercado, o caminho por ele seguido e o local onde parou. É mostrada a localização do mercado na praça Breitscheid, do Centro Europa, do Memorial da Igreja do Kaiser Guilherme, do Waldorf Astoria, da avenida Kurfürstendamm, do shopping center Bikini, da rua Kant, da rua Hardenberg, da rua Budapeste e do parque do Jardim Zoológico. No gráfico abaixo da foto são mostrados por onde o caminhão entrou no mercado, o local em que ele atingiu uma barraca e deixou o mercado e parou, e a posição de uma fila de barracas do mercado - [Foto: Google Earth -- Mapa: Mapbox - Kartendaten OpenStreetMap-Mitwirkende (ODbL)]


Últimas notícias
  • Alemanha ordena caçada contra um suspeito tunisino -- A Alemanha emitiu uma ordem de busca por um homem tunisino cujos documentos de identidade foram encontrados na cabine do caminhão usado no ataque terrorista de segunda-feira à noite em Berlim. O processo de deportação dele havia sido interrompido porque ele não dispunha dos documentos necessários para isso.
A Alemanha está oferecendo uma recompensa de 100.000 euros por informações que levem à captura do suspeito Anis Amri - (Foto: BKA)
  • Berlinenses mantêm a compostura depois do ataque -- Como Berlim está lidando com o ataque ao mercado de Natal? Uma incursão pela cidade revela algo incrível e impressionante. As sementes de medo que os terroristas buscaram semear não parecem estar germinando por aqui.


As Belas Artes na Medicina (III) -- a doença na pintura de Munch

[Ver postagem anterior. Me parece que o título mais condizente com esta série de postagens seria "A Medicina nas Belas Artes", mas decidi manter o título acima, que é praticamente o mesmo do livro que como referência para as postagens. Segundo seu autor, o médico Armando J. C. Bezerra" Este livro surgiu da necessidade de fazer jovens médicos entenderem que Arte e Medicina jorram de uma mesma fonte. A Medicina por si só já é uma obra de arte”.]

Edvar Munch (1863-1944) - (Foto: Google) - Obs.: esta foto não consta do livro usado como referência para esta postagem (ver postagem anterior)

As doenças moldaram a maneira de Edvar Munch (1863-1944) ver o mundo e, obviamente, influenciaram a evolução artística do pintor nascido em Oslo, Noruega. São dele, entre outras, as obras Melancolia (1895) e O Leito da Morte (1895).

De todas as doenças com as quais conviveu, nitidamente a que mais marcou Munch foi a tuberculose pulmonar, que matou sua irmã Sophie, em 1877, quando ela tinha apenas 15 anos de idade e ele, 14. O fato em si já é dramático para qualquer pessoa, mas no caso de Munch havia um precedente: sua mãe, Laura Cathrine, fora vítima da mesma doença em 1868, quando ele tinha cinco anos de idade. Munch percebeu então quão devastadora e frequente era aquela doença.

A expressão artística do sofrimento de Munch diante do falecimento de Sophie deu-se por meio de uma tela intitulada A Criança Doente (1886). [A Criança Doente é uma série de seis pinturas e outros desenhos feitos por Edvard Munch entre 1885 e 1926 . Todas as obras referidas recordam o momento antes da morte da sua irmã mais velha, Johanne Sophie.]


Edvar Munch (1863-1944) -- A Criança Doente (1886), óleo sobre tela, 119,5  x 118,5 cm

O enorme travesseiro no qual ela se recosta foi uma repetição dos travesseiros pintados pelo seu mestre Christian Krohg, o mais importante pintor norueguês até Munch. Esse detalhe pode ser confirmado nas obras A Criança Doente  (1881) e A Mãe à Cabeceira da Criança Doente  (1884). É interessante registar que Krohg, nesses dois quadros, também pintou a doença mortal da sua própria irmã.

Christian Krohg (1852-1925) -- A Criança Doente (1881), óleo sobre tela, 102 x 58 cm. Galeria Nacional (Oslo) - (Foto: Google)

O travesseiro no quadro de Munch, propositadamente branco, forma uma moldura em torno da cabeça de Sophie, lembrando um halo quadrilátero de pureza. Pode-se dizer que essa imagem lembra a porta que emoldura a cabeça do Cristo na obra A Última Ceia (1497), de Leonardo da Vinci.

Enquanto a irmã de Krohg se despede da vida olhando para o espectador e retirando as pétalas de uma flor, como se a vida estivesse aos poucos a  extinguir-se, Sophie dá um último olhar contemplativo para a sua tia e mãe adoptivas. Sabe-se que, em algumas versões dessa tela, Munch usou a amiga Betzy Nielsen como modelo para Sophie.

O quadro suscitou debates e discussões aquando da sua apresentação na Exposição de Artes de Oslo, cidade então chamada Christiania: o quadro mais parecia um esboço do que uma obra concluída. Isso porque Munch usou a tinta bastante diluída. Apesar - ou por causa - da polémica, o quadro tornou-se um sucesso, o que levou Munch, a partir de 1901, a deliberadamente usar a tinta diluída como modo de se expressar em pintura.

Em 1889, convalescendo de uma debilitante enfermidade, ele pintou a tela Primavera, obra autobiográfica onde Munch recorda a doença da irmã. Esse quadro teve como inspiração a pintura já citada A Mãe à Cabeceira da Criança Doente. Munch estava então com 26 anos, ou seja, tinham-se passado 12 anos desde o falecimento de Sophie, e o medo da morte  motivou-o a relembrar aquele triste episódio. O travesseiro agora é iluminado pelo sol que invade a janela açoitada pelo vento.

Edvar Munch (1863-1944) -- Primavera (1889), óleo sobre tela, 169 x 263,5 cm. Galeria Nacional(Oslo) - (Foto: Google)

Em 1893, Munch  pinta o quadro Madona e o exibe pela primeira vez ao público usando uma moldura decorada com espermatozóides e fetos abortados, pintados e entalhados, simbolizando a concepção e a morte.

Edvar Munch (1863-1944) -- Madona (1893), litografia, 60,6 x 44,4 cm. Ohara Museum of Art (Kurashiki, Japão) - (Foto: Google) - Obs.: embora citado, este quadro não é reproduzido no livro que usei como referência ("As Belas Artes da Medicina", Armando J.C. Bezerra, Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, Brasília, DF - Março de 2003)

A moldura, chocante e polêmica, foi retirada do quadro e até hoje não se sabe de seu paradeiro. Ainda em 1893, ele pinta seu quadro mais famoso, O Grito, que originou aproximadamente cinquenta versões. A obra reflete o sofrimento mental pelo qual estava passando Munch em consequência de sua vida marcada pelas doenças.

Edvar Munch (1863-1944) -- O Grito (1893), óleo, têmpera, pastel e crayon sobre papelão, 91 x 73,5 cm. National Gallery, Oslo - (Foto: Google) 

Ainda traumatizado pela polêmica surgida com o episódio da moldura que enquadrava a Madona, em 1895 Munch fez seu autorretrato usando a técnica da litografia e o denominou Autorretrato com Esqueleto do Braço. Aqui, os ossos do antebraço e da mão são dispostos de modo a lembrar a parte inferior da moldura censurada em 1893.

Edvar Munch (1863-1944) -- Autorretrato com Esqueleto de Braço (1895), litografia, 60 x 20 cm. Museu Munch, Oslo - (Foto: Google)

Em Morte no Quarto da Doente (1895, o pintor procura chamar a atenção para o aspecto torturante e claustrofóbico do quarto onde se encontra uma doente grave. 

Edvar Munch (1863-1944) -- Morte no Quarto da Doente (1895), óleo sobre tela, 150 x 167,5 cm. Galeria Nacional, Oslo - (Foto: Google)


As duas irmãs de Munch, Inger, que aparece de pé, e Laura Munch, sentada, são claramente reconhecíveis no primeiro plano. O artista está virado de costas para a paciente, como a renegar a tragédia que se faz presente. O pai, Christian, e a tia Karen estão de pé junto à cadeira próxima à cama. A personagem masculina de costas para quem olha o quadro, e que está de frente para a cama, é provavelmente Andreas, o irmão de Munch. 

Talvez a cena seja uma lembrança  da morte da irmã, mas com as pessoas de sua família retratadas na idade adulta. A pessoa à beira da morte está sentada na cadeira de vime, cujo espaldar alto, junto com o travesseiro, impede que ela seja identificada.

Trinta e um anos depois do falecimento da mãe, Munch pinta A Mãe Morta e a Criança (1899). 

Edvar Munch (1863-1944) -- A Mãe Morta e a Criança (1899), óleo sobre tela, 104,5 x 179,5 cm. Museu Munch, Oslo - (Foto: Google)

De um lado da cama estão os membros adultos de sua família, impotentes em face da morte; no primeiro plano diante da cama encontra-se Sophie, tapando os ouvidos com as mãos para não ouvir o  grito silencioso da morte chamando-a. A irmã repete o gesto imortalizado na tela O Grito, e que aparece novamente na obra A Mãe Morta e a Criança, de 1900.

Edvar Munch (1863-1944) -- A Mãe Morta e a Criança (1900), óleo sobre tela, 100 x 90 cm. Museu Kunsthalle, Bremen (Alemanha) - (Foto: Google)


Em 1919, convalescente da gripe espanhola, Munch decide registrar aquele momento pintando o Autorretrato depois da Gripe Espanhola. Nesse autorretrato é visível a semelhança com a fisionomia retratada em O Grito.


















Edvar Munch (1863-1944) -- Autorretrato depois da Gripe Espanhola (1919), óleo sobre tela, 105,5 x 131 cm. Galeria Nacional, Oslo - (Foto: Google)


Perto de morrer, Munch sentencia: "A vida representa uma vitória temporária sobre a força da gravidade; mantemo-nos erguidos de pé, mas um dia temos de nos deitar para morrer".

O grande pintor norueguês parou de pintar em 1936, por causa de uma grave enfermidade ocular.

[Outras obras de Munch



Christian Munch na poltrona (1881) - Museu Munch, Oslo (Noruega) - (Foto: Museu Munch) [retrato do pai de Munch]




Vista de Vestre Aker (1881) - Museu Munch, Oslo (Noruega) - (Foto: Museu Munch)




À volta da lâmpada de parafina (1883) - Museu Nacional de Arte, Arquitetura e Design, Oslo - (Foto: Museu Munch)




Noite em Saint-Cloud (1890) - Museu Nacional de Arte, Arquitetura e Design, Oslo - (Foto: Museu Munch)




Rua Lafayette (1891) - Galeria Nacional, Noruega - (Foto: Google)




Separação (1896) - Museu Munch, Oslo - (Foto: Museu Munch)




A dança da vida (1899) - Museu Munch, Oslo - (Foto: Museu Munch)





Vermelho e Branco (1899-1900) - Museu Munch, Oslo - (Foto: Museu Munch)




Gólgota (1900) - Museu Munch, Oslo - (Foto: Museu Munch)




A floresta do conto de fadas (1901-1902) - Museu Nacional de Arte, Arquitetura e Design, Oslo - (Foto: Museu Munch)




Duas garotas com aventais azuis (1904-1905) - Museu Munch, Oslo - (Foto: Museu Munch)




A assassina (1906) - Museu Munch, Oslo - (Foto: Google)





Cupido e Psiquê (1907) - Museu Munch, Oslo - (Foto: Museu Munch)




Jappe Nilsen (1909) - Museu Munch, Oslo - (Foto: Museu Munch)




Os pesquisadores (1910-1911) - Museu Munch, Oslo - (Foto: Museu Munch)




Mulher em pé com braços cruzados (1913-1914) - Coleção Sternesen/Museu Munch, Oslo - (Foto: Museu Munch)





Operários a caminho de casa (1913-1914) . Museu Munch - (Foto: Google)




Homem em campo de repolhos (1916) - Museu Nacional de Arte, Arquitetura e Design, Oslo - (Foto: Museu Munch)




Modelo se despindo (1920-1924) - Museu Munch, Oslo - (Foto: Museu Munch)




Dois seres humanos. Os solitários (1933-1935) - Museu Munch, Oslo - (Foto: Museu Munch)




Autorretrato entre o relógio e a cama (1940-1943) - Museu Munch, Oslo - (Foto: Museu Munch)]