quinta-feira, 30 de julho de 2015

Migrantes: os europeus querem o fim do Acordo de Schengen, de livre circulação de pessoas entre seus países

Praticamente todos os dias a mídia divulga imagens e notícias de tentativas dramáticas de migrantes, geralmente africanos, que tentam chegar à Europa em condições precárias. Anualmente milhares de pessoas – muitas delas fugindo de conflitos na África e no Oriente Médio – arriscam suas vidas cruzando o Deserto do Saara e o Mar Mediterrâneo em veículos e barcos precários para chegar à Europa. Organizações não-governamentais estimam que aproximadamente 20 mil pessoas podem ter morrido tentando chegar à Europa nas últimas duas décadas [estatística de 2014].

No dia 28 de julho, mais de 2.000 migrantes invadiram o Eurotunel (túnel sob o Canal da Mancha) saindo da localidade de Coquelles, perto da cidade-porto francesa de Calais, numa tentativa de chegar à Inglaterra. Nessa tentativa, um dos invasores foi atropelado e morto por um caminhão.

Para ter um diagnóstico mais preciso do problema, a Frontex (agência europeia de fronteiras) e o Centro Internacional para Desenvolvimento de Políticas Migratórias produziram em 2014 uma série de mapas que identificam as maiores rotas centros de concentração usados pelos migrantes na região. A Frontex - Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas foi criada em novembro de 2004. Sua criação resultou da livre circulação num espaço Schengen sem fronteiras, que constitui um direito fundamental dos cidadãos da União Europeia. A abolição das fronteiras internas da União criou a necessidade de uma gestão mais rigorosa das fronteiras externas, com vista a assegurar a regulação dos fluxos populacionais. A Frontex visa prestar assistência aos países da UE na correcta aplicação das normas comunitárias em matéria de controles nas fronteiras externas e de reenvio de imigrantes ilegais para os seus países de origem. A sua sede localiza-se em Varsóvia, na Polônia.

Em 2014, 283.000 migrantes entraram ilegalmente na União Europeia, incluindo 220.000 através do Mediterrâneo, segundo dados da agência europeia de controle das fronteiras da UE (Frontex). Refugiados sírios na Turquia já são mais de 100.000.

Mais de 100 mil migrantes e refugiados chegaram à Europa cruzando o Mediterrâneo desde o início deste ano de 2015, informou o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), provocando um "aumento dramático" das chegadas no sul da Itália e na Grécia.

O Acordo de Schengen é uma convenção entre países europeus sobre uma política de abertura de fronteiras e livre circulação de pessoas entre os países signatários. Um total de 30 países, incluindo todos os integrantes da União Europeia - UE (exceto Irlanda e Reino Unido) e três países que não são da UE (Islândia, Noruega e Suíça) assinaram esse acordo. LiechensteinBulgáriaRomênia e Chipre estão em fase implementação do acordo.

A área criada em decorrência do acordo é conhecida como espaço Schengen e não deve ser confundida com a União Europeia. Trata-se de dois acordos diferentes, embora ambos envolvendo países da Europa. De todo modo, em 02 de outubro de 1997 o acordo e a convenção de Schengen passaram a fazer parte do quadro institucional e jurídico da União Europeia, pela via do Tratado de Amsterdam. É condição para todos os estados que aderirem à UE aceitarem as condições estipuladas no Acordo e na Convenção de Schengen.

O acordo de Schengen foi assim denominado em alusão a Schengen, localidade luxemburguesa situada às margens do rio Mosel e próxima à tríplice fronteira entre Alemanha, França e Luxemburgo (este último representando o Benelux, onde já havia a livre circulação). Ali, em junho de 1985, foi firmado o acordo de livre circulação envolvendo cinco países, abolindo-se controles de fronteiras, de modo que os deslocamentos entre esses países passaram a ser tratados como viagens domésticas.

Posteriormente, o Tratado de Lisboa, assinado em 13 de dezembro de 2007, modificou as regras jurídicas do espaço Schengen, reforçando a noção de um "espaço de liberdade, segurança e justiça", que vai além da cooperação policial e judiciária e visa a implementação de políticas comuns no tocante à concessão de vistos, asilo e imigração, mediante a substituição do método intergovernamental pelo método comunitário.

Embora teoricamente não haja mais controles nas fronteiras internas ao espaço Schengen, esses controles podem ser reativados temporariamente caso sejam considerados necessários para a manutenção da ordem pública ou da segurança nacional. Os países signatários reforçaram os controles das fronteiras externas ao espaço Schengen, mas, por outro lado, cidadãos estrangeiros que ingressem como turistas ou que obtenham um visto de longo prazo para qualquer um dos países membros podem circular livremente no interior do espaço.



  Estados-membros pertencentes à União Europeia
  Estados-membros não pertencentes à União Europeia
  Estados-membros que aguardam a implementação
  Estados-membros que apenas cooperam policial e judicialmente

Espaço Schengen - (Fonte: Wikipédia)


As ameaças terroristas e os problemas sociais, de saúde e outros, acarretados estes pelas levas de migrantes ilegais que tentam desesperadamente fugir de seus países e entrar na Europa -- principalmente pela Itália -- têm levados os países da UE (União Europeia) e outros do continente europeu a cogitar de medidas restritivas para o ingresso  e a circulação de pessoas em seus territórios. 

O jornal francês Le Figaro publicou em 09 do corrente mês de julho uma reportagem dizendo que os europeus querem o fim do Acordo de Schengen, segundo pesquisa feita pelo próprio jornal. Traduzo a seguir o texto dessa reportagem.

Um imigrante se barbeia em Calais - (Foto: Michel Spingler/AP)

Quase 7 em 10 franceses seriam favoráveis ao restabelecimento de controles nas fronteiras dos países da UE, segundo pesquisa exclusiva Ifop-Le Figaro.

Na Europa, todas as opiniões públicas são favoráveis à supressão do Acordo de Schengen! É o que mostra uma pesquisa exclusiva Ifop-Le Figaro sobre "Os europeus e a gestão dos fluxos migratórios", cujos resultados estão mostrados abaixo.


[Infelizmente não foi possível obter imagem melhor da figura acima, que pode ser vista em maior escala e com maior clareza clicando na imagem da reportagem. Clique na imagem para ampliá-la.]

Tradução das legendas da figura: 

Franceses e britânicos são os mais favoráveis ao fim do Acordo de Schengen

Pergunta 1 - Há meses migrantes africanos atravessam de barco o Mediterrâneo e chegam aos milhares às costas italianas. Na sua opinião, os países da União Europeia (UE) deveriam, na situação atual, destinar recursos financeiros preferencialmente para ...?

... reforçar os controles nas fronteiras e combater a imigração clandestina proveniente do sul do Mediterrâneo

... colaborar para o desenvolvimento e a estabilização dos países ao sul do Mediterrâneo, a fim de fixar localmente suas populações

... desenvolver em seus territórios programas de ajuda e acolhimento para os imigrantes originários do sul do Mediterâneo 

Pergunta 2 - Você é a favor ou contra a que os migrantes africanos que chegam aos milhares às costas italianas sejam distribuídos entre os diferentes países da Europa, e que seu país acolha uma parte deles?

-- É favorável
-- É contra

Pergunta 3 - Você é favorável ou contrário à supressão do Acordo de Schengen, possibilidade prevista por esse tratado, e ao restabelecimento, ao menos provisório, dos controles fixos nas fronteiras entre seu país e países da UE?

-- É favorável
-- É contra 

Estudo realizado pelo Ifop e pelo Le Figaro

A sondagem foi feita em uma amostra de 5.996 pessoas nos seguintes países: França (1.002 pessoas), Alemanha (997 pessoas), Holanda (995 pessoas), Reino Unido (1.002 pessoas), e Itália (1.000 pessoas). As amostras são representativas das populações dos diferentes países com idade de 18 anos ou acima. Em cada país, a representatividade da amostragem foi assegurada pelo método das quotas (sexo, idade e profissão da pessoa consultada), após estratificação por categoria de aglomeração (França) e por regiões (para todos os países). As entrevistas foram realizadas por questionário auto-administrado online de 25 de junho a 2 de julho de 2015 na França e na Itália, de 29 de junho a 2 de julho de 2015 na Holanda e no Reino Unido, e de 29 de junho a 3 de julho de 2015 na Alemanha.

Quase 7 em 10 franceses querem restabelecer as fronteiras dos países da UE. 53% dos consultados, que se dizem próximos ao Partido Socialista, estão prontos para solicitar essa supressão do acordo, contra 77% da UMP (União por um Movimento Popular) (hoje denominados Republicanos) e 89% na Frente Nacional. 

Em compensação, o tema das quotas de migrantes gera divergência. Quanto mais afetado pela crise migratória o país consultado, mais ele apela à solidariedade dos outros Estados membros: a Itália, porta de entrada à UE para centenas de milhares de clandestinos, tem 81% dos consultados favoráveis às quotas; a Alemanha, primeira destinação dos solicitantes de asilo na Europa, teve 69% pró-quotas. O Reino Unido, em compensação, sem dúvida favorecido por sua situação insular, é o menos favorável à ideia de abrir suas portas aos novos imigrantes: 68% dos britânicos recusaram a proposta. 


Um acampamento de imigrantes se instalou no cais de Austerlitz, em Paris [margem do Sena, de onde sai a Ponte Charles de Gaulle rumo à estação ferroviária de Lyon] - (Foto: François Bouchon/Le Figaro)

Migrantes clandestinos à espera na fronteira franco-italiana em 12 de junho de 2015, na cidade italiana de Ventimiglia - (Foto: Jean-Christophe Magnenet/AFP)


Ver também:

Imigração: "nossas sociedades atingiram um ponto de ruptura" (em francês) 
Ventimiglia: dezenas de migrantes ainda presentes (em francês)








segunda-feira, 27 de julho de 2015

Cresce a pressão para que museus devolvam peças roubadas

[O artigo traduzido abaixo, de Konstantin von Hammerstein, foi publicado no site Spiegel Online International. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade. Ver postagens anteriores sobre o tema, por exemplo uma em 08/10/2012 e outra de 07/7/2011. ]



Uma figura feminina cicládica de mármore em exposição no Museu Arqueológico Nacional da Grécia em 6 de junho após seu retorno ao país, depois de ter ficado cerca de 40 anos na Alemanha - (Foto: Reuters/Fonte: Spiegel Online International).

Com uma nova lei rígida, o governo alemão quer ajudar a interromper as escavações e o comércio ilícitos de objetos arqueológicos. Espera-se que essa iniciativa venha exercer pressão sobre alguns dos museus mais famosos do país, que contêm numerosas peças de origem desconhecida.

Hermann Pazinger gosta de contar a história de como, 15 anos atrás, se viu olhando fixamente o cano de um Kalashnikov [o famoso fuzil AK-47, de fabricação russa] no norte do Paquistão. O arqueólogo havia surpreendido um grupo de pessoas tentando assaltar um templo budista. Parzinger e seus colegas bateram em retirada às pressas.

Pouco tempo depois, em julho de 2001, ele e uma equipe de exploradores da Rússia e da Alemanha descobriram um grande esconderijo secreto de tesouros de ouro dos citienses, um povo nômade equestre que viveu há cerca de 2.700 anos atrás nas estepes da Ásia Central, na república russa de Tyva. Após essa descoberta sensacional, os arqueólogos tiveram que ficar sob proteção armada 24h por dia.

Não há muitos funcionários da área cultural na Alemanha capazes de contar tais histórias. O presidente da Fundação do Patrimônio Cultural Prussiano é um lutador de artes marciais de faixa preta grau 2, que já foi campeão de seu grupo em várias competições de judô em Berlim. Mas, por trás da musculatura, basta uma pergunta simples para incomodar e irritar o cidadão de 55 anos especialista  em pré-história.

Basta perguntar-lhe quando os museus de renome mundial que sua organização opera -- os museus estatais, que incluem os museus da Ilha dos Museus, de Berlim, listados pela Unesco -- pararam de comprar objetos de arte do exterior no comércio de obras de arte.

Parzinger hesita. Ele tem sido o chefe de uma das instituições culturais mais importantes do mundo por tempo suficiente para perceber que estará andando nas pontas dos pés em um campo politicamente minado, qualquer que seja a resposta que dê.

Mudança "urgentemente necessária"

Na semana de 10 de dezembro, Parzinger foi coanfitrião de uma importante conferência internacional em Berlim que teve como tema escavações ilegais e o comércio ilícito de propriedade cultural [quem quiser acessar o programa da conferência, clique aqui]. A expectativa era de que a conferência de dois dias preparasse o caminho para um endurecimento das leis existentes para proteção de objetos culturais. O próprio governo alemão tem sido fortemente crítico de sua legislação mais recente sobre o assunto, promulgada em 2007. Em um relatório enviado ao Parlamento, o governo afirmou recentemente que emendas se fazem "urgentemente necessárias". [O artigo foi escrito antes da conferência, sem que portanto suas conclusões e recomendações estivessem disponíveis. Nas pesquisas que fiz em sites em inglês e alemão tampouco encontrei tais conclusões e recomendações. Durante a conferência, a ministra da Cultura da Alemanha, Monika Grütters, disse que crises e conflitos frequentemente levam à devastação de museus e de sítios arqueológicos e ao comércio de objetos roubados. Ela comentou que isso "destrói o patrimônio cultural de toda a humanidade". A ministra acrescentou que a Alemanha planeja endurecer a regulamentação do comércio de objetos de arte e antiguidades. Quem traz antiguidades importadas para a Alemanha deve ter à mão uma permissão de exportação válida. Limites legais claros determinarão as informações sobre a origem de um objeto. Instituições culturais e museus em toda a Alemanha serão solicitados também a examinar cuidadosamente suas coleções para a identificação de objetos de origem dúbia.]

No relatório, o governo escreve que embora desde então tenha se tornado "prática comum para museus não adquirir objetos culturais de origem indeterminada", o fato é que "tesouros culturais ilegalmente escavados ou ilicitamente exportados são ainda comprados e vendidos". Como muitos outros arqueólogos, Pazinger está solicitando que as restrições legais sejam ampliadas drasticamente, para frear o comércio ilegal de antiguidades. 

Pazinger pergunta à sua assessora jurídica: "Temos compras feitas no comércio de arte"? "Sim", disse a advogada. A Antikensammlung (ou Coleção de Antiguidades Clássicas) da cidade adquiriu 21 vasos apulianos [de Apúlia -- hoje Puglia -- região do sudeste da Itália] nos meados de 1980. Anos depois, investigadores tanto alemães como italianos examinaram esse caso. Membros da polícia federal italiana, os Carabinieri, passaram vários dias na capital alemã fazendo a auditoria de registros e arquivos e inquirindo, como testemunha, o diretor da coleção. Ao final, não encontraram evidências de escavações ou exportações ilegais procedentes da Itália.

A assessora legal dos museus estatais diz que os museus não compraram nada mais. Mas, Pazinger parece alarmado e ordena que os museus arqueológicos que supervisiona façam revisões internas e lhe reportem os resultados encontrados. 

Na quinta-feira anterior, ele fez uma abordagem adicional com a Spiegel e disse aos repórteres que os museus haviam continuado a comprar objetos até há poucos anos. Presentes ou doações foram também aceitos em casos em que sua origem não estava sempre clara. Não era muita coisa, e não havia nada espetacular -- vasos antigos, escritas cuneiformes, selos cilíndricos da Mesopotâmia, mas nada problemático.

Museus de Berlim orientados a checar as origens de suas coleções

Os museus foram agora orientados a efetuar uma revisão das origens de todos os objetos arqueológicos adicionados aos seus acervos desde 1970. Foi indicado um representante de cada museu para conduzir essa tarefa. Pazinger promete também: "Estaremos sempre preparados a devolver coisas se ficar provado que são de origem ilegal".

A pilhagem do Museu Nacional do Iraque após a invasão americana em 2003 [ver postagem anterior] e as fotos de sítios culturais destruídos em países destroçados por guerras civis no Oriente Médio e na África provocaram debates sobre a proteção desses tesouros pelo Ocidente, incluindo a Alemanha. Aquisições de natureza dúbia têm sido feitas durante anos por museus ocidentais, mas a prática é agora amplamente considerada como imoral.

O senso comum hoje é que o comércio e as escavações ilegais de objetos arqueológicos estão destruindo nosso patrimônio cultural no mundo. E o que está ocorrendo diante dos olhos do mundo no Iraque e na Síria é simplesmente um desastre. Entretanto, há poucos dados confiáveis disponíveis sobre os objetivos e atividades desse comércio ilegal.

Falhas na inteligência

Em um "Estudo de Ameaças de Inteligência" interno, distribuído em julho, o FBI em Washington listou 12 áreas no comércio ilícito de antiguidades para as quais há "falhas de inteligência". Elas incluem:

● Qual é o valor global das antiguidades ilícitas comercializadas nos EUA?
● Onde estão as maiores redes globais nesse comércio?
● Quantos e quais comerciantes de arte baseados nos EUA estão negociando bens roubados ou pilhados?
● Em que extensão há funcionários do governo americano ou de governos estrangeiros envolvidos no comércio ilegal?
● As redes especializadas no comércio de antiguidades ilícitas estão envolvidas também em outras atividades criminosas?
● Como são os procedimentos do comércio ilegal nos EUA depois transferidos de volta às redes nos países de origem?
● Quem são os portadores/transportadores mais atuantes e de que países eles vêm? Estão eles envolvidos também no tráfico de drogas, tráfico humano ou qualquer outro contrabando?

O relatório do FBI afirma que as autoridades americanas já devolveram mais de 7.000 objetos arqueológicos a 26 países diferentes desde 2008. Mas isso é provavelmente apenas uma fração dos objetos ilegais atualmente mantidos nos EUA, diz o documento.  

Não há números precisos disponíveis sobre o volume global do comércio ilegal, e os que existem divergem amplamente entre si. O relatório do FBI afirma que há estimativas de que esse comércio valha US$ 2 bilhões por ano, mas outras estimativas dizem que as cifras reais se aproximam mais daquelas do tráfico de drogas ou de armas.

Atualmente, a pior pilhagem ocorre na Síria e no Iraque [ver reportagem sobre isso do NYT traduzida na Folha de S. Paulo]. O Departamento de Estado dos EUA publicou recentemente fotos de satélite de alta resolução de vários locais de escavação na Síria, que dão uma indicação dos objetivos da devastação que lá ocorre. Dentro de dois anos, os buracos de escavação no sítio do período clássico Dura Europos [antiga cidade de origem greco-macedônica, fundada no ano 300 a.C.] terão transformado o local em terra arrasada.

Três semanas antes, um grupo de especialistas se reuniu em Paris a convite do Conselho Internacional de Museus para trocar informações sobre o que está acontecendo na região. Mas, os especialistas tiveram dificuldade em prover informações confiáveis nessa reunião secreta. "A região é um buraco negro" em termos de conhecimento nesse sentido, disse um participante.

Ainda assim, é óbvio que um grande saque está ocorrendo na Síria e no norte do Iraque. Sabe-se também que autoridades libanesas e turcas interceptaram muitos objetos na fronteira nos últimos meses. Tem sido divulgado que autoridades turcas encheram vários depósitos com antiguidades apreendidas. Vários objetos foram descobertos também em mercados na Turquia e no Líbano.

Mas, a parte do leão dos objetos roubados está simplesmente desaparecendo. Comerciantes de arte alegam que não têm recebido muitas ofertas através de mercadorias do Oriente Médio no momento, e as autoridades também não têm tido registro de qualquer fluxo de entrada de antiguidades. Então, o que está acontecendo com os objetos roubados?

É plausível que tais objetos serão mantidos armazenados, longe dos olhos do público pelos próximos 10 ou 15 anos, e começarão lentamente a aparecer nos mercados internacionais de arte com documentação forjada tão logo cesse o presente debate sobre bens ilícitos. Outra possibilidade é que colecionadores abastados na região árabe ou no oriente remoto estejam expandindo suas coleções.

Os especialistas têm certeza de uma coisa: os objetos reaparecerão em algum momento no futuro -- como sempre ocorreu no passado.

Origem duvidosa em coleções internacionais de destaque

Em 2000, os arqueólogos britânicos Christopher Chippindale e David Gill lideraram o único estudo abrangente de seu gênero jamais feito quando efetuaram uma revisão sistemática da alegada origem dos acervos listados em catálogos de sete importantes coleções internacionais de antiguidades. 

O que encontraram foi chocante. Dos 1.396 objetos examinados, 75% não tinham documento de origem. Mais de 500 das antiguidades não possuíam nenhum tipo de histórico, o que significava que supostamente haviam aparecido pela primeira vez naquelas exibições públicas -- uma indicação clara de que resultavam de escavações ilegais. 

Chippindale e Gill se esforçaram também bastante para checar se os detalhes de proveniência fornecidos eram os mesmos apresentados para os mesmos objetos em exposições anteriores. Aqui também os resultados foram críticos. Frequentemente, objetos cujo local de descoberta havia sido dado como "desconhecido" em exposições anteriores tinham, repentinamente, sido relacionados a uma origem concreta -- outra indicação de que sua proveniência era provavelmente forjada.

Desde a divulgação do surpreendente estudo, os arqueólogos falam da "lei de Chippindale".  "Não importa quão ruim tenha sido sua abordagem da situação,  a realidade é sempre pior", diz um especialista.

Transacionando rápido e fácil com o patrimônio mundial

Muitos comerciantes de arte alegam conhecer bem de onde vêm seus objetos, faltam-lhes apenas os papéis certos relativos a eles. "Você ainda tem o recibo de cada peça de mobília que seus pais lhe deram?", pergunta Vincent Geerling, presidente da Associação Internacional de Comerciantes de Arte Antiga (IADAA, na sigla inglesa). O holandês tem seu próprio negócio em Amsterdam e é também um colecionador privado. Não, responde ele com uma franqueza que desarma, ele possui apenas um objeto em relação ao qual pode dizer precisamente onde foi escavado. Mas diz que não conhece o histórico de propriedade de suas antiguidades.

O que parece estar claro é que há poucos objetos "limpos" sendo comercializados, o que se refere aos objetos para os quais tanto o lugar de sua descoberta quanto seu proprietário anterior são desconhecidos. Há também objetos "sujos", que se sabe terem sido roubados de uma coleção ou de um museu. Mas, a maioria dos objetos é "cinza" porque há incertezas sobre sua proveniência. "Comerciantes de arte gostam de dizer que cinza é limpo, porque não é sujo", explica o arqueólogo Luca Giulani, reitor do interdisciplinar Instituto para Estudos Avançados de Berlim. "E nós arqueólogos dizemos que cinza é na realidade sujo, porque não está claro que seja limpo".

Em 1970, a Unesco aprovou uma convenção contra o comércio ilegal de bens culturais, mas a Alemanha levou 37 anos para ratificar o tratado e implementar sua lei nacional. Pressão externa tampouco fez diferença. Os obstáculos e dificuldades na lei são de tal monta, que nem um único objeto sequer foi devolvido ao seu devido proprietário em consequência da regulamentação.

Conscientização crescente

Autoridades do governo [alemão] querem agora mudar essa situação. Monika Grütters, a principal autoridade da área cultural no governo Angela Merkel, está no momento preparando uma nova lei que poderá entrar em vigor no início de 2016, se aprovada em tempo hábil. A lei determina que os únicos objetos que podem ser comprados e vendidos são aqueles cujo país de origem esteja já definido. Serão igualmente facilitadas as regras para devolução de bens culturais sob disputa. 

A nova lei tem potencial para criar para criar uma pressão considerável sobre Parzinger e muitos de seus colegas. A Alemanha pode ter ratificado o tratado da Unesco apenas em 2007, mas 1970 é considerado pela comunidade internacional como a data de referência a ser considerada.

Quem comprou objetos desde essa época sem realmente conhecer sua origem não terá infringido a lei pelas novas regras, mas terá nas mãos um problema de ordem moral. Uma das coleções arqueológicas mais famosas do mundo, os objetos do Museu Britânico do Oriente Próximo, em decorrência disso parou, no final dos anos 1960, de adquirir obras e bens cuja origem fosse incerta.

Lentamente, começa a crescer uma conscientização do problema na Alemanha. Em anos recentes, a administração de muitas coleções públicas tem sido assumida por uma nova geração de administradores de museus. Eles enfrentam agora a tarefa de reexaminar as heranças controvertidas acumuladas por seus antecessores, que continuaram a comprar objetos no mercado de arte até há poucos anos atrás. 




Hermann Parzinger, presidente da Fundação do Patrimônio Cultural Prussiano de Berlim, diz: "Estaremos sempre preparados a devolver o que ficar comprovado que é de origem ilegal" -- (Foto: DPA/Fonte: Spiegel Online International)

O Museu Regional de Bad, uma coleção pública em Karlsruhe, tem sido objeto de críticas há décadas por causa de sua política de compra de novos acervos. Mas, neste verão, devolveu dois objetos cicládicos para a Grécia, encerrando uma disputa interminável entre as partes. As estátuas antigas, abstratas, provenientes da ilha grega, foram populares com colecionadores há décadas e resultam unicamente de escavações ilegais.

"Muitas vezes, a paixão por coleções e a voracidade dos curadores os levam a uma situação em que se tornam cúmplices do comércio ilegal", diz Eckart Köhne, que é ao mesmo tempo diretor de museu e presidente da Associação Alemã de Museus. "Em arqueologia, alguém não pode simplesmente declarar-se inocente se estiver adquirindo um objeto que supostamente vem de uma coleção suíça anônima". 

Köhne argumenta que os museus precisam reconhecer sua responsabilidade e fazer o máximo que puderem para pesquisar as origens de suas antiguidades, do mesmo modo como muitos museus alemães abordaram a questão da arte pilhada pelos nazistas. Na pior das hipóteses, a chanceler cultural Grütters quer forçar as coleções estatais a serem mais transparentes. "Requeri que os museus incluam em cada relatório anual um relatório de progresso sobre o estado da pesquisa sobre a origem de seus acervos", diz ela. 

[Alguns exemplos de devolução de obras de arte a seus donos ou herdeiros e de disputas por esse tipo de devolução

Museu suíço aceita coleção com obras de arte roubadas de judeus por nazistas, para devolução a seus legítimos herdeiros

Museus dos Estados Unidos e Europa devolvem obras de arte aos locais de origem - entre essas obras está uma estátua de Perséfone, a deusa de Morgantina (antiga cidade grega), devolvida pelo museu J. Paul Getty, na Califórnia, ao governo italiano e hoje exibida no Museu Arqueológico de Aidone, na Sicília.

Turquia exige volta de patrimônio histórico e cultural - entre as obras exigidas pelos turcos estão 18 objetos que estão na coleção Norbert Schimmel do Museu Metropolitano de Arte de Nova Iorque (conhecido como Met).

Estados Unidos devolvem artefatos retirados de Machu Pichu]

domingo, 26 de julho de 2015

Brasil tem 93 rebaixamentos e pode piorar

[A situação do Brasil só faz piorar. A falsa bola de cristal da economista e nossa governanta Dilma NPS (Nosso Pinóquio de Saia) na realidade era (e continua sendo) uma bola cheia de petróleo grosso, pesado, do chamado petrolão, de cotação muito baixa e negativa aqui e lá fora. P'ra completar nossa desgraça, as agências de avaliação de risco ameaçam baixar a classificação do país, o que nos empurraria de vez para o abismo. Enquanto o país como um todo sofre pela hiperbólica incompetência de sua governanta, as nossas empresas comem o pão que o diabo amassou sofrendo duplamente: pela esculhambação feita pelo governo de Dilma NPS na nossa economia e pelos rebaixamentos feitos por aquelas agências em empresas brasileiras, como mostra a reportagem de Filipe Pacheco e de Ney Hayashi, ambos da Bloomberg, publicada no site Exame.com e reproduzida abaixo. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Crescem especulações de que a Moody’s -- que se reuniu com autoridades do governo brasileiro na semana passada – vai cortar a nota soberana do país - (Foto: Ueslei Marcelino/Reuters)

O Brasil tem dado um bom trabalho às agências de classificação de risco.

A Moody’s Investors Service, a Standard Poor’s e a Fitch Ratings fizeram 93 downgrades corporativos, ou corte de nota de crédito, desde o dia 1º de janeiro, número que já é maior do que em qualquer ano inteiro desde 2002. E mais cortes podem estar por vir.
Crescem especulações de que a Moody’s -- que se reuniu com autoridades do governo brasileiro na semana passada – vai cortar a nota soberana do país, em um movimento que poderá deflagrar rebaixamentos de empresas que têm suas notas ligadas à do governo, como companhias e bancos estatais.
A enxurrada de cortes é emblemática do agravamento da crise que tem acometido o Brasil, com a disseminação do escândalo de corrupção e a maior contração econômica em um quarto de século.
A piora nos ratings levaram os investidores de títulos de dívida a evitar as companhias brasileiras, provocando o encarecimento dos custos de empréstimos que por fim bloqueia o acesso de crédito no exterior. 

“Está claro que a Moody’s vai rebaixar o Brasil”, diz por e-mail Juan Carlos Rodado, diretor de pesquisa sobre a América Latina do banco Natixis North America LLC. “E teremos mais cortes corporativos”.
A perspectiva sombria para as empresas do país é perceptível no mercado de bonds denominados em dólares, no qual a média dos yields subiu para 7,27 por cento, nível próximo ao patamar mais alto em três meses, segundo o JPMorgan Chase Co. O número contrasta com uma média de 5,52 por cento para empresas de mercados emergentes, mostram os dados.  [Quem quiser se informar sobre o termo "yield" deve ler, por exemplo, o artigo "Why do bond prices and yields move in opposite directions?"]. Em meio a custos crescentes dos empréstimos, as vendas de dívidas do Brasil no exterior caíram 80 por cento neste ano. 
Mais pessimista

A Moody’s mantém uma perspectiva negativa para a classificação Baa2 do Brasil, segundo nível mais baixo do chamado grau de investimento.

Em um comunicado enviado por e-mail, a Moody’s disse que sua viagem ao Brasil foi “uma visita técnica regular similar àquelas que realizamos periodicamente às autoridades de todos os países que a Moody’s classifica”. A Moody’s, cuja sede fica em Nova York, mencionou as dificuldades econômicas e a piora das finanças do Brasil quando colocou o país em perspectiva negativa, em setembro.
De lá para cá as coisas só pioraram. Na quinta-feira, a Moody’s estimou em um relatório que o produto interno bruto do país encolherá 1,8 por cento neste ano. Trata-se de uma projeção mais pessimista que a contração de 1,5 por cento prevista pelos analistas em uma pesquisa do Banco Central.
A investigação sobre corrupção na Petrobras também envolveu cada vez mais empresas do país nos últimos meses, além de políticos, provocando pedidos de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Yields dos bonds
A Moody’s reduziu duas vezes o rating da Odebrecht Engenharia e Construção nos últimos 30 dias depois que o diretor de operações da construtora foi preso, em 19 de junho, como parte da investigação a empresas que teriam subornado executivos da Petrobras em troca de contratos. A Moody’s reduziu a nota da Petrobras para junk (grau especulativo) em fevereiro.
A Moody’s, a Standard Poor’s e a Fitch fizeram 15 elevações de ratings corporativos neste ano.
A probabilidade de um rebaixamento da nota soberana aumentou e “muito provavelmente isso está refletido nos ratings de créditos quase soberanos que têm fortes ligações com o governo”, disse Brigitte Posch, chefe de dívidas corporativas de mercados emergentes da Babson Capital Management LLC, por e-mail. A investigação das propinas “alimenta e piora a já fragilizada confiança do empresariado, o que por sua vez afeta a disposição das empresas para investir no Brasil”.
Dilma vem reduzindo os investimentos e elevando os impostos para reforçar as finanças do país e evitar outro downgrade depois que a S&P reduziu o rating do país para um degrau acima de junk, em março de 2014.
“O Brasil está segurando o status de grau de investimento com as pontas dos dedos”, disse Nicholas Spiro, diretor-geral da firma de assessoria Spiro Sovereign Strategy, de Londres. “O país está preso a um círculo vicioso no qual a severidade da crise econômica, a crescente pressão sobre as finanças públicas, as consequências do escândalo da Petrobras e o ambiente externo desafiador estão se retroalimentando”.








sábado, 25 de julho de 2015

Decisão trabalhista na Califórnia transforma-se em pesadelo para o aplicativo Uber de transporte de passageiros

[Entre os diversos aplicativos para táxis existentes no mercado, o Uber destaca-se aqui e em outros países. No Brasil, o Uber tem sido alvo de protestos e de demandas judiciais de taxistas autônomos e cooperativas de táxis para proibição de seu uso no país. No mês de maio passado, a Justiça de São Paulo derrubou liminar que determinava a suspensão das atividades do aplicativo Uber no Brasil sob pena de multa diária de R$ 100 mil. Da decisão cabe recurso. Dessa forma, o serviço volta a ser regular. Nos EUA, uma decisão trabalhista ameaça criar um tremendo problema para o Uber, com possíveis repercussões em outros países. Traduzo a seguir reportagem de Alison Grisworld publicada no site Slate sobre isso. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

No que pode ser uma decisão explosiva, a Comissão de Trabalho da Califórnia concluiu que um motorista de táxi em São Francisco é um empregado dessa empresa. Isso decorre de uma decisão da corte estadual proferida em 16 de junho de 2015, relatada em primeira mão pela agência de notícias Reuters. Isso é bastante prejudicial para o Uber. "O réu se apresenta como nada mais que uma plataforma tecnológica neutra, desenhada simplesmente para possibilitar que taxistas e passageiros pratiquem o negócio de transporte", escreve a comissão. "A realidade, entretanto, é que o réu está envolvido em cada aspecto da operação". 

À taxista, Barbara Berwick, foram concedidos cerca de US$ 4.000 por despesas não pagas, mais juros. O Uber está apelando da sentença. Sua porta-voz, Kristin Carvell, enfatizou em um comunicado que a decisão da comissão de trabalho é "não vinculante", e se aplica apenas a um motorista.

A ameaça de que os taxistas filiados ao Uber sejam considerados empregados aos olhos da lei pairou por enquanto sobre a empresa de chamada de táxis -- e essa ameaça é considerável. O vasto negócio do Uber e sua avaliação multibilionária dependem fundamentalmente da presunção de que  os taxistas são contratantes independentes, e não empregados. Quando os motoristas são considerados como contratantes, eles arcam com o grosso dos custos operacionais do Uber. Os motoristas conveniados com ele pagam do próprio bolso por tudo, desde a gasolina ao seguro, da limpeza à manutenção rotineira dos carros. Isso se acumula rapidamente. 

Enquanto o Uber tem se gabado de que taxistas em certos mercados, como a cidade de Nova Iorque, podem ganhar tanto como US$ 90 mil usando sua plataforma, essa cifra torna-se muito menor depois que as despesas dos motoristas são incluídas no mix.

Igualmente importante é o fato de que taxistas que são contratantes e não empregados não têm acesso a benefícios e outras proteções laborais tradicionalmente concedidos a empregados. Para o Uber e todos seus pares na chamada "economia 1099" [o número refere-se ao formulário da Receita Federal americana para esse tipo de contribuinte], esse é outro item chave para ajudar a manter baixos os custos, as corridas [de táxi] baratas, e viabilizar estreitas margens de lucro.

Determinar se se trabalhadores devem ser classificados como contratantes ou empregados raramente é tarefa simples. Uber cita a capacidade de seus motoristas de estabelecer suas próprias agendas como uma evidência de que operam de maneira independente, e não devem ser considerados como empregados tradicionais. Os motoristas, por outro lado, argumentam que o Uber estabelece normas rígidas quanto à quantidade de corridas eles necessitam aceitar enquanto estão no tráfego, e como devem interagir com passageiros -- e se reserva o direito de desativar suas contas (basicamente, o equivalente a uma demissão) se não seguirem suas regras. 

Na Califórnia, onde o tema se os motoristas conveniados ao Uber e ao seu principal concorrente Lyft são empregados foi encaminhado para julgamento, juízes distritais americanos em dois julgamentos separados declinaram de tomar uma decisão definitiva.  "O teste/exame que as cortes da Califórnia desenvolveram ao longo do século XX para classificar trabalhadores não é muito útil na abordagem desse problema do século XXI", escreveu um dos juízes. 

Assim, até agora, a grande e assustadora questão -- que pode dizimar Uber, Lyft, e todas as empresas 1099 como elas -- permaneceu basicamente hipotética. Eis a razão porque é tão importante que a Comissão de Trabalho da Califórnia tenha finalmente decidido dizer "Sim, essa motorista do Uber é um empregado e ela é credora de US$ 4 mil de despesas". Imaginem se, de repente, o Uber tiver que pagar US$ 4 mil a todos os seus motoristas na Califórnia, ou ainda em todo o país. Até mesmo seu fundo de financiamento de US$ 5,9 bilhões balançaria com essa hipótese. É inegável que a ideia de que os taxistas do Uber se tornem empregados seria um enorme golpe no modelo de negócio da empresa. O que ainda não sabemos é quão enorme será esse golpe.

[As reações de taxistas ao Uber no Brasil estão crescendo, e tornando-se mais violentas. "Não temos como conter a categoria", "vai ter morte". As declarações são do presidente do Simtetaxis (Sindicato dos Motoristas e Trabalhadores nas Empresas de Táxi de SP) em audiência na Câmara dos Deputados para discutir a regulamentação no Brasil do aplicativo Uber, que disponibiliza corridas pagas com motoristas particulares.

Veja como funciona o Uber:


Ilustração: Editoria de Arte/Folhapress

Informação mais recente da Folha de S.Paulo diz que o Uber está presente em 57 países (e não 55 como afirmado na ilustração acima), e está avaliado em US$ 40 bilhões (cerca de R$ 132 bilhões).

O Uber lançou em São Paulo no último dia 12 o Uber X, modalidade do serviço que possui tarifas menores e carros de nível intermediário, como Chevrolet Zafira e Honda Fit, com até cinco anos de fabricação. A tarifa é de R$ 3 pela chamada, mais R$ 1,43 por quilômetro rodado e R$ 0,35 por minuto. Nos táxis, a bandeirada é de R$ 4,50 e cada quilômetro sai por R$ 2,75.

A Prefeitura de São Paulo vai cobrar o ISS (Imposto sobre Serviços) do aplicativo Uber, que disponibiliza corridas pagas com motoristas particulares. "Determinei à Secretaria de Finanças para que, independentemente do fato de o serviço não ser regulamentado, cobre os impostos devidos. Eles [Uber] serão enquadrados no imposto sobre serviços. O imposto será cobrado", afirmou o prefeito Fernando Haddad (PT).

A Uber está no centro de uma polêmica com taxistas, que consideram o serviço ilegal e temem perder passageiros. A avaliação da prefeitura é de que a cobrança do ISS pode tornar o serviço do aplicativo mais caro e aumentar a tarifa cobrada aos passageiros, o que beneficiaria os taxistas.

Em nota, o Uber afirmou que ainda não foi notificada pela prefeitura. "Estamos em dia com todos os impostos municipais e forneceremos toda e qualquer informação e documentos que as autoridades requisitarem", informou. A empresa, no entanto, afirmou que não revelaria quais impostos paga ao município.

No Rio, houve recentemente uma carreata de táxis em protesto contra o Uber

A revista Veja publicou uma resposta do Uber do Brasil às acusações de taxistas. No dia 18/6, o taxista Edmilson Americano, presidente da Associação Brasileira de Motoristas de Táxi - ABRACOMTAXI havia refutado os argumentos do Uber.

A meu ver, o Uber é inegavelmente um transporte diferenciado (para melhor) de passageiros via carros também diferenciados em relação aos táxis existentes, e como tal precisa ser regulamentado -- mas jamais eliminado. O cidadão tem que ter mantido o seu direito de escolha. A eliminação pura e simples do Uber, ou de qualquer outro aplicativo semelhante, é ceder a uma corporação -- a dos táxis e taxistas -- que geralmente não prima por um atendimento decente e, frequentemente, nos coloca em carros desconfortáveis e mal conservados, com motoristas muitas vezes broncos e mal-educados. 

Outro exemplo de corporativismo das empresas de táxis verifica-se em Nova Iorque, uma cidade de cerca de 8,5 milhões de habitantes com apenas 13.437 táxis (com cerca de 6,5 milhões de pessoas, o Rio contava com 33.974 táxis em 21/5/2015)! É evidente que as empresas de táxis novaiorquinas mantêm a cidade refém de seus serviços e não querem a presença do Uber -- para isso, contam com a colaboração do prefeito da cidade, que ajudaram fortemente a se eleger. No Rio, a Prefeitura está cedendo ao corporativismo dos táxis -- o secretário municipal e transportes Rafael Picciani (este sobrenome é um complicador danado) anunciou que serão afrouxadas as exigências feitas a taxistas, para ajudá-los a "enfrentar" o Uber. Nessa esparrela, quem se ferra é o cidadão que quer se deslocar com dignidade, agilidade e conforto e quer ter o direito de escolher seu meio de locomoção.  

Para dar vez ao direito do contraditório, sugiro que vejam também: