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sexta-feira, 8 de abril de 2016

Quanto custa realmente um alimento?

[Traduzo  a seguir um artigo muito interessante do site Spiegel Online International. Não deixem de acessar esse artigo no site, porque ele contém gráficos interessantíssimos que não podem ser copiados. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Colheita de soja no Brasil - (Foto: AP)

Um quilo e meio de batatas frescas nesta semana custa apenas € 1,29 em alguns supermercados alemães. Mas, essa é a história toda? Os custos ambientais são quase sempre completamente ignorados. Algumas pessoas, no entanto, estão tentando mudar isso. 

Um quilo e meio de batatas frescas por apenas € 1,29 [R$ 5,26], alface em oferta especial nesta semana por apenas € 1,49 [R$ 6,07]: as pechinchas das compras de mercado se acumulam sobre a mesa da cozinha. Morangos a € 3,99 o quilo [R$ 16,26] ainda são bastante caros, mas a estação na realidade ainda não começou. Então, como esses preços foram calculados, e eles refletem o valor real dos produtos? [Em 06/4/2016 o site do supermercado Zona Sul indicava: batata - R$ 4,99/kg; - alface lisa - R$ 3,69/unidade; - morango quase pronto - R$ 40,00/kg]

Os preços de bananas, carne, pão e de outros gêneros alimentícios são determinados basicamente por sua oferta e sua demanda -- e algumas vezes por subsídios, quotas e especulação de preços. Mas  os preços não incluem contribuições feitas pela natureza. Essas contribuições incluem coisas como o uso de água limpa ou terras férteis. Produtos químicos prejudiciais, gases ou partículas poluentes emitidos durante a produção não são igualmente determinados e explicitados no preço, nem para os produtores nem para os consumidores. 

"O capital natural [da natureza] bastante frequentemente é grátis. E bastante frequentemente é sub-avaliado porque é grátis", diz Richard Mattison, CEO da Trucost. Sua empresa assumiu a tarefa de por uma etiqueta  de preço na natureza. Utilizando modelos matemáticos, Mattison e sua equipe estão tentando identificar o valor que se perde quando empresas poluem ou destroem o meio ambiente. "Fazemos com que, seguramente, o valor desses sistemas naturais seja admitido e reconhecido", diz Mattison. Os cálculos da Trucost têm como objetivo ajudar as empresas a otimizar seus processos de produção, assessorar investidores no dimensionamento dos riscos ambientais e permitir que cientistas pesquisem melhor a dependência  da economia em relação aos recursos naturais.

George Monbiot considera que esse é o caminho errado a se tomar. Essa abordagem, disse o autor e ambientalista britânico em uma palestra em 2014, "significa não proteger o mundo natural das depredações da economia". Monbiot considera que colocar uma etiqueta de preço no meio ambiente é semelhante a subordinar sua proteção ao capitalismo. Princípios como comercialização e a busca de crescimento econômico, diz ele, têm sido extremamente danosos à vida do planeta. Ele considera que abordagens como a da Trucost estão tentando agora apresentar esses mesmos princípios como a salvação  do planeta.

Para Mattison, porém, a conexão entre recursos naturais e investimento financeiro é clara. "Em locais onde árvores foram cortadas vimos grandes secas, e a consequência dessas secas é que é preciso gastar dinheiro. E é dinheiro de fato que se está gastando: capital financeiro, porque o capital natural foi perdido".

Qual o custo da natureza? 

Entretanto, como desflorestamento, poluição das águas ou emissões danosas podem ser convertidos em dinheiro? "Se você avaliar a água corretamente, ela será associada com escassez", diz Mattison. Agindo assim, significaria que "produtos que dependem de muita água onde a água é escassa tornar-se-ão mais caros" [mas, em que base alguém decidiu fazer um produto sedento de água onde ela é escassa?!]. Isso, porém, não é frequentemente o caso. "Por exemplo, em Jeddah (localizada no deserto da Arábia Saudita), o preço da água é de três centavos [de dólar] por metro cúbico, e em Copenhague a água  custa mais de US$ 7 por metro cúbico. Frequentemente, diz Mattison, subsídios são os culpados por tais disparidades no custo da água. A Trucost busca incluir tais  fatores em seus cálculos.

Mattison e sua equipe buscam também por cifras em outras formas de danos ambientais, como por exemplo os efeitos da poluição sobre seres humanos e o meio ambiente. Na China, por exemplo, emissões prejudiciais causam danos econômicos que valem de 5% a 10% do PIB do país, diz Mattison. Esses custos surgem sob a forma de custos médicos adicionais devidos a doenças respiratórias, colheitas ruins e danos a edifícios causados por chuva ácida. "O rendimento de colheitas na China é em média de 7% a 15% menos do que a média mundial", diz ele. "Em outras palavras, você precisa de mais terras para produzir por causa  da poluição do ar".

Com base nessa abordagem, a Trucost calculou quanto mais custaria um pacote de ceral para o café da manhã, uma garrafa de suco de fruta ou um pedaço de queijo se as demandas sobre a natureza fossem levadas em conta. Os resultados: o cereal custaria 49 centavos mais, o suco por volta de 16 centavos e o queijo tanto quanto 1 euro. Os cálculos para esses três gêneros alimentícios foram feitos usando valores padrões de mediana. Se fosse analisar os produtos pertencentes a uma marca específica, os resultados seriam mais variados. Preços diferem, dependendo de onde e como um produto é produzido. Além disso, é impossível incluir cada fator ambiental até seu último detalhe. Os cálculos seriam demasiado complexos.

Os custos reais

Amostras de cálculos para vários gêneros alimentícios.

[Aqui aparecem os gráficos da Trucost que não me foi possível reproduzir neste texto. Há um gráfico da análise de um pacote de 51g de cereal, 1 litro de suco e um pedaço de 34g de queijo. No gráfico de cada produto são destacados  em termos percentuais o preço de varejo, o valor da perda, dos poluentes do ar, dos poluentes do solo e da água, dos gases de efeito estufa e da água. Os custos encontrados foram (em dólar):

cereal para café da manhã (51g):
água -- 0,323
gases de efeito estufa -- 0,059
poluentes de água e solo -- 0,127
poluentes do ar -- 0,037
perdas -- 0,003
valor de varejo -- US$ 3,50

suco de fruta (1 litro):
água -- 0,083
gases de efeito estufa -- 0,047
poluentes de água e solo -- 0,022
poluentes do ar -- 0,028
perdas -- 0,004
valor de varejo -- US$ 3,0

queijo
água -- 0,457
gases de efeito estufa -- 0,389
poluentes de água e solo -- 0,166
poluentes do ar -- 0,16
perdas -- 0,007
valor de varejo -- US$ 6,50]

Para os três gêneros alimentícios, a água é o fator decisivo. Para o cereal, ela é necessária para cultivar o grão, para a produção do suco ela é necessária para fazer crescer o fruto, e as vacas precisam dela na produção do leite para se fazer o queijo. Fazendeiros pagam pela água que usam, mas o preço que por ela pagam não necessariamente reflete seu real valor. Se se levar em conta a disponibilidade de água no local da produção, ela tem um efeito significativo sobre o preço do produto. Para o cereal da amostra, por exemplo, o preço varia entre € 3,29 [R$ 13,40] e € 4,68 [R$ 19,07] dependendo do suprimento de água.

[Embora seja importante que nós, em nossas casas, procuremos evitar o consumo exagerado de água, o uso doméstico não é o principal responsável por esse elevado consumo. Se analisarmos detalhadamente as atividades que mais consomem água no mundo e também no Brasil, constataremos que existem várias atividades socioeconômicas que gastam ainda mais os recursos hídricos.

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), é a atividade agropecuária a principal responsável pelo uso da água. De acordo com a entidade, 70% de toda a água consumida no mundo é utilizada na irrigação das lavouras, número que se eleva para 72% no caso do Brasil, que é um país com forte produção nesse setor da economia.

Depois do setor agrícola, vem a atividade industrial, que é responsável por 22% do consumo de água no mundo. Somente depois vem o uso doméstico, que é responsável por cerca de 8% de toda a utilização dos recursos hídricos. Esse cenário revela que não apenas as casas e os comércios devem economizar, mas também os setores primário e secundário da economia, adotando medidas de contenção da utilização de água.

Se considerarmos apenas a chamada água virtual do mundo, ou seja, a quantidade de água empregada para a produção econômica sem contar o consumo direto, a agricultura passa a deter 67% da utilização de água, seguida pelo cultivo de animais, com 23%, e depois pela indústria, com 10%. Isso significa que as medidas de economia da água inevitavelmente perpassam pela adoção de medidas no espaço rural.

Para se ter uma ideia dessa diferença de consumo, vamos considerar alguns exemplos: para produzir 1 kg de carne de boi, são utilizados 15,4 mil litros de água; uma camiseta de algodão custa 2,5 mil litros; uma tonelada de aço leva 300 mil litros; e um carro gasta mais de 400 mil. No meio agrícola, a soja é uma das campeãs, com 1,8 mil litro para cada quilo produzido – lembrando que o Brasil é um dos maiores produtores e exportadores mundiais desse produto.]

O preço depende da água

Amostras de cálculos para os mesmos gêneros alimentícios acima, dependendo da disponibilidade de água.

[Aqui também não foi possível reproduzir os gráficos da reportagem. Os preços são dados em dólar. Custos encontrados para as mesmas amostras:
● cereal para café da manhã -- preço médio: US$ 4,07 -- faixa de variação: US$ 3,74 - US$ 5,33]
suco -- preço médio: US$ 3,19 -- faixa de variação: US$ 3,11 - US$ 3,35
queijo -- preço médio: US$ 7,68 -- faixa de variação: US$ 7,26 - US$ 8,22.]

Cálculos difíceis

Entretanto, para Mattison, CEO da Trucost, variáveis como essas não são razão para que não se façam tais análises. Sua empresa trabalha até com a Organização para Alimentos e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), da ONU. Juntas, estão desenvolvendo diretrizes que visam a prover assistência quando se tratar de estimar a quantidade de capital natural usada na produção de alimentos. Em um relatório conjunto, Trucost e FAO calcularam quanto capital natural é utilizado na produção de diferentes colheitas e de  produtos de carne, dependendo do local onde  foram produzidos. Aqui também foram encontradas diferenças significativas.

Custos para agricultura no Brasil, por exemplo, são frequentemente particularmente elevados porque muito das terras usadas tanto para agricultura quanto para pastagem estava uma vez coberto pela floresta amazônica. O alto custo da produção de aves domésticas na Indonésia, ao contrário, pode ser rastreado até as emissões de gases de efeito estufa, que são particularmente extremas no país. Quando se trata do cultivo de cereais, a Alemanha tem ranking baixo por causa das quantidades relativamente grandes de fertilizantes que utiliza.

Capital natural exigido para produção agrícola

Custos em dólares por tonelada

[Aqui também não foi possível reproduzir os gráficos da reportagem. Os preços são dados em dólar/tonelada. Fiz uma tabela com os principais países e respectivos resultados do estudo:




Alemanha Austrália Brasil China EUA França Holanda Rússia
Milho
x
x
1030
672
286
1606
x
x
Arroz
x
x
x
566
x
x
x
x
Soja
x
x
1367
x
618
x
x
x
Trigo
2700
x
618
723
x
1409
x
414
Carne (boi)
x
31071
444
19566
23313
x
x
x
Porco
4969
x
x
6343
2177
x
26222
x
Aves domésticas
x
x
2537
2236
2136
x
x
2729

Pó mágico

Mas, esses cálculos podem ter influência sobre a produção de gêneros alimentícios e de outros produtos? Para Mattison, o objetivo é promover uma nova maneira de pensar que, no final, resultará em uma produção mais sustentável. "Não diria que em cada caso o alimento deve se tornar mais caro. Diria apenas que precisamos baixar o custo real dos alimentos". Sua empresa está preparando os fundamentos para que isso aconteça.

O ambientalista Monbiot, entretanto, não considera que colocar uma etiqueta de preço resolva de fato qualquer problema. "Dinheiro, diz ele, não é nenhuma espécie de "pó mágico que você espalha sobre todos os problemas não resolvidos". Em vez disso, diz ele, a ideia de capital natural simplesmente aumentará o poder daqueles que têm dinheiro.

Mattison, o CEO da Trucost, também admite que os cálculos em si mesmos não mudarão muito. Mas acredita que a mudança virá uma vez eliminados os subsídios danosos -- tais como os subsídios para combustíveis fósseis, fertilização excessiva e água em regiões áridas. "Na Arábia Saudita eles costumavam ter  um subsídio muito significativo para a água. Na realidade, eles costumavam dar água de graça para a pecuária de leite e as vacas eram borrifadas com água todos os dias. Essa água era produzida por dessalinização, um processo muito caro e também muito prejudicial  ao meio ambiente porque é muito intensivo em carbono".

Em alguns casos, diz Mattison, dependência de fontes naturais pode ser significativamente reduzida pelo retorno a métodos de produção tradicionais e mais sustentáveis. A Unilever, por exemplo, treinou 400.000 produtores de chá em vários países para espalhar o uso do enxerto nas plantas de chá nas suas lavouras. Esse método poupa ao mesmo fertilizante e dinheiro.



  


sábado, 8 de agosto de 2015

Como o porco mudou a sociedade israelense

[A reportagem traduzida a seguir é do jornal israelense Haaretz. O texto nos permite conhecer mais detalhes sobre a questão da carne de porco para os judeus. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

A ascensão e queda da carne de porco em Israel é um exemplo ou estudo de caso na interface entre legislação, religião, sociedade e cultura -- (Foto: Reuters)

A ministra da Suprema Corte de Justiça [de Israel] Daphne Barak-Erez escreveu um livro fascinante sobre a história das leis relativas à carne de porco, que serve como um estudo de caso apaixonante sobre como a sociedade israelense se modificou  


No ano 40 da Era Cristã, uma delegação de judeus foi ao imperador Calígula buscando a revogação de decretos onerosos impostos na cidade egípcia de Alexandria. O imperador estava caminhando em seu palácio, dando ordens à sua equipe, quando de repente se voltou para seus trêmulos hóspedes e, de acordo com o filósofo judeu Philo, lhes fez uma pergunta séria: "Por que vocês se recusam a comer carne de porco?".

A abstinência de comer carne de porco aparece tão remotamente na tradição judaica como a própria Torá (que fala de se comer carne apenas de animais de casco dividido (fendido) que regorgitam sua comida para uma segunda mastigação; os porcos não regorgitam seu alimento). Mas o tema só se tornou relevante na era helênica (que teve início em 332 a.C.). Na época, a carne de porco era o item básico das dietas dos povos da região, tornando estranha e particularmente notória a prática judaica de evitar esse alimento e fazendo disso um símbolo do separatismo dos judeus. 

Durante o governo do rei grego Antióquio IV (cujo reinado começou em 175 a.C.), o consumo de carne de porco era um indício de que alguns judeus haviam assimilados os costumes gregos. Posteriormente, eruditos no Talmude [um livro sagrado dos judeus, um registro de discussões rabínicas relativas à lei, à ética, aos costumes e à história do judaísmo] identificaram a carne de porco com o Império Romano em tal extensão que ela veio a simbolizar os romanos. Na Idade Média, ocorreu o fenômeno oposto: os judeus sendo identificados com o porco. O fato de os judeus se absterem de comer sua carne era visto até como resultado de sua afinidade com esse animal. 

Primeira legislação

No contexto israelense, a carne de porco surgiu pela primeira vez como um tema político nos primeiros dias do novo estado. Naquele então, os alimentos básicos estavam racionados e a carne de porco era vendida inicialmente no mercado negro e, em seguida, foi oficialmente racionada para aqueles poucos que tinham se cadastrado para obter comida que não fosse kosher [produtos e alimentos kosher são aqueles aprovados pela lei judaica]. Tudo isso resultou em pressão parlamentar que, em 1956 e novamente em 1962, levou à aprovação de uma legislação sobre a venda de carne de porco. 

No início, o poder de banir a venda de carne de porco era conferido apenas a autoridades locais. Posteriormente, ela foi tema de uma proibição nacional. Em seu novo livro sobre o assunto, Hukim ve’hayot aherot ("Leis e outros animais"), a juíza da Suprema Corte de Justiça Daphne Barak-Erez argumenta que as leis eram excepcionais: embora elas incorporassem a halakha (lei religiosa judaica) ao sistema legal judaico, elas o fizeram a partir de uma percepção mais ampla de "orgulho nacional e herança cultural" e não a partir de um receio de ofender a sensibilidade de pessoas religiosas. 

A ascensão e queda do porco em Israel é, portanto, um exemplo ou estudo de caso na interface entre legislação, religião, sociedade e cultura. 

"Os porta-vozes dominantes que propuseram a legislação sobre o tema eram na verdade políticos religiosos, mas sua argumentação invocava o pensamento cultural comunitário e não sentimentos religiosos", escreve Barak-Erez. Eles se dirigiam ao Yiddishkeit (identidade étnica judaica) do movimento operário de Israel na época. 

A legislação proposta foi explicada através da posição que o porco tinha na história judaica. Por exemplo, o líder do Sionismo Operário anterior ao Estado de Israel, Berl Katznelson -- conhecido não por sua devoção à tradição religiosa judaica -- aderiu a apenas duas proibições tradicionais, que via como parte dos "direitos de propriedade nacional" dos judeus: abster-se de comer carne de porco e jejuar no Tisha B’Av em memória à destruição dos templos em Jerusalém [o Tisha B'Av, dia 9 do mês de Av, 11° mês do calendário judaico, é um dia de jejum e luto devido a dois dos mais trágicos eventos da história judaica: a destruição pelos babilônios do Templo de Salomão, ou Primeiro Templo de Jerusalém, no ano 586 a.C., e a destruição do Segundo Templo pelos romanos no ano 70 da nossa era]

O falecido primeiro-ministro Menachem Begin também via o porco como uma questão relacionada à "alma nacional". O primeiro primeiro-ministro de Israel, David Ben-Gurion, entretanto, tinha reservas sobre a importância do simbolismo do porco por vê-lo como um evento significativo "tardio", pós-bíblico.

Barak-Erez faz distinção entre a legislação sobre a carne de porco e outras leis religiosas, devido à ênfase em aspectos culturais nacionais das provisões legais relativas à carne de porco. Pode-se perguntar, entretanto, se essa distinção é tão nítida: as leis sobre casamento e conversão, por exemplo, não são também parte da história nacional? É uma coincidência o fato de que o estado escolha impor tradição religiosa naqueles aspectos da vida que são definidores de rumos para a nação?

Saindo do segundo plano

O interesse por legislação sobre carne de porco declinou nos anos 1970. Barak-Erez diz que isso se deu porque o consumo de carne de porco em Israel era mínimo àquela época; o racionamento havia terminado, e a grande imigração [de judeus] da União Soviética -- entre os quais o consumo de carne de porco era comum -- não havia ainda começado. Além disso, a atenção dos partidos religiosos do país estava concentrada em promover os assentamentos nos territórios e eles não tinham tempo para lidar com legislação religiosa, afirma a juíza da Suprema Corte. No final dos anos 1970, no entanto, o assunto ressurgiu.

Deve-se observar que Tel Aviv foi na realidade a primeira cidade israelense em que uma lei orgânica municipal foi promulgada tornando ilegal a venda de carne de porco -- já em 1954. Essa lei foi na realidade promulgada em resposta a uma decisão da Alta Corte de Justiça, que definiu que governos municipais não tinham autoridade para agir com base em motivos religiosos. 

Barak-Erez liga a retomada do tema nos anos 1980 à ascensão de partidos políticos setoriais. O teor do discurso público de então já havia mudado, com porta-vozes seculares resistindo a uma expansão das leis contra a carne  de porco, considerando-a uma coerção religiosa. "A disposição de entender essas proibições como uma expressão legítima de um símbolo nacional era quase inteiramente inexistente em seus comentários", observa Barak-Erez.

No início dos anos 1990, foram promulgadas novas Leis Básicas sobre a liberdade de emprego/trabalho e a dignidade humana, levando a uma erosão adicional  das proibições. Depois disso, as cortes permitiam restrições à venda de carne de porco apenas em áreas onde a maioria da população fosse religiosa. 

O debate público deslocou-se antes para considerações sobre coerção religiosa e direitos comunitários do que sobre a importância de símbolos e da identidade nacional. Israel tornou-se menos unificado e mais tribal, escreve Barak-Erez -- marcado de um lado por um aumento em liberalismo, liberdades individuais e multiculturalismo e, de outro lado, por um declínio da identidade nacional tradicional.

O porco deixou de ser um símbolo nacional para tornar-se claramente um símbolo religioso. "Em uma realidade em que a cultura judaica e a língua hebraica dominam o espaço público, há aqueles que são da opinião de que a importância de símbolos que antes eram necessários para estabelecer uma unidade comunitária era declinante em qualquer hipótese", diz Barak-Erez. O desgaste da imposição de uma proibição à venda de pão durante a Passover [a Páscoa judaica] foi outro exemplo desse fenômeno, acrescentou ela. 

"A proibição em relação à carne de porco assumiu seu significado simbólico nos contextos de humilhação e de subserviência nacionais", escreve a juíza referindo-se à experiência dos judeus da Diáspora [processo de dispersão forçada dos judeus pelo mundo e a consequente formação de comunidades judaicas fora de Israel]. "A maioria dos líderes públicos de Israel nos anos iniciais do país não era de sabras (judeus nascidos em Israel), e eles ainda carregavam consigo lembranças (e talvez cicatrizes) da vida na Diáspora e os insultos ligados ao porco. Ao longo do tempo, isso foi desaparecendo".  

Essa afirmação pode ser de particular importância. O porco pertence a um mundo no qual os judeus se distinguiam da maioria não judia no meio da qual viviam. Por outro lado, a identidade nacional judaico-israelense se baseia em um sentimento de maioria. 

Muita água correu desde os dias de Berl Katznelson e Begin até o ano passado, quando o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu foi visto jantando com o magnata do jogo Sheldon Adelson em um restaurante em Nova Iorque que serve carne de porco. A nova identidade nacional exige cada vez menos tradição judaica, mas não é menos nacional. 

Não se trata de multiculturalismo mas, em vez disso, de uma nova identidade nacional que substituiu a identidade israelita tradicional. Essa nova identidade é construída cada vez mais sobre uma rejeição ou mesmo ódio ao próximo, em seu formato europeu de direita. O declínio da herança cultural anterior cedeu lugar para um viver numa "mansão numa selva" -- como o ex- primeiro-ministro Ehud Barak descreveu uma vez a vida em Israel. 

A legislação sobre a carne de porco é uma história fascinante, mas não é uma história sobre liberalismo. Em vez disso, é a saga em curso da face mutante do nacionalismo em Israel.


Um chiqueiro no Kibbutz Lahav - (Foto: Tomer Appelbaum)


  



  


terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Afinal, o que explica o carinho do governo Dilma NPS com o grupo JBS (Friboi), às nossas custas?

[Não é só por causa da propaganda maciça e incansável da carne Friboi que o grupo JBS permanece -- literalmente -- na boca de todo mundo. Há também outras histórias não tão palatáveis sobre essa empresa que circulam em altas esferas da República, inclusive (ou principalmente) na Receita Federal, que evidenciam uma estranha e, "aparentemente",  inexplicável paixonite do governo Dilma NPS (Nosso Pinóquio de Saia) por esse forte grupo empresarial. Se nos lembrarmos de que o JBS contribuiu com a bagatela de R$ 366,8 milhões para os candidatos das eleições de 2014, a pergunta-título desta postagem soa idiota -- e ela o é, propositadamente. Reproduzo a seguir uma reportagem reveladora (de Carlos Newton) do site Tribuna da Internet  em 02/02/2015 sobre as relações do JBS com o Executivo, o Legislativo e a mídia. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]



Meirelles alega que lucro do Friboi e inferior a 1% da receita líquida - (Foto: Tribuna da Internet)

Na semana passada, mostramos aqui na Tribuna da Internet a ponta do iceberg do chamado caso Friboi (do grupo JBS), que há mais de um ano vem mantendo uma bilionária campanha publicitária, com divulgação diária na mídia impressa e televisionada, inserindo anúncios em espaços e horários nobres e pagando cachês altíssimos a artistas consagrados como Tony Ramos, Fátima Bernardes e Roberto Carlos, que depois suspendeu as aparições porque há décadas é vegetariano.

Causa enorme estranheza a divulgação massiva de uma marca que jamais fez publicidade e cresceu nos bastidores do poder, movida pelo apoio direto do BNDES. A empresa foi criada pelo fazendeiro goiano José Batista, que em 1953 abriu em Anápolis um pequeno açougue, a Casa de Carnes Mineira, especializada em vender carne de sol.

Com a morte do fazendeiro, seus três filhos assumiram os negócios, que tiveram crescimento espantoso a partir do governo Lula e já conseguiu se tornar o maior exportador de proteína animal do mundo, com abate de carne bovina, ovina, suína, caprina e avícola, passando a atuar também em outras áreas do setor alimentício, ostentando hoje as marcas Swift, Doriana, MassaLeve, Lebon, Pilgrim’s, Seara, Vigor, Rigamonti, Fiesta, Flora, Rezende, Excelsior, Texas Burger, Pena Branca, Wilson, Frangosul e Agrovêneto.
Evidentemente, o objetivo dessa megapublicidade não tem cunho comercial. Se o grupo familiar Friboi, sem fazer propaganda de espécie alguma, em poucos anos conseguiu operar na casa das dezenas de bilhões de reais e já ultrapassou o patamar dos 100 bilhões de faturamento/ano, o que justificaria esse esbanjamento de recursos numa massiva campanha publicitária diária e verdadeiramente espantosa?
Comprando a mídia
No artigo anterior, já explicamos aqui na Tribuna da Internet que desde o início de 2012 o grupo dos irmãos Batista (José Júnior, Joesley e Wesley) vem sendo comandado por Henrique Meirelles, ex-presidente do BankBoston e do Banco Central e que já se tornou acionista do Itaú. Esse “investimento” em propaganda foi autorizado diretamente por Meirelles e o objetivo é amansar a grande mídia, para desestimular reportagens investigativas que possam revelar a verdadeira estória desse surpreendente sucesso empresarial.
Coincidentemente, a espalhafatosa campanha publicitária foi iniciada quando começaram a surgir as primeiras notas e reportagens denunciando a generosidade do BNDES, que não somente financiou o grupo Friboi, mas também fez questão de se acionar [sic] diretamente a ele, por meio de compra de ações em massa. Na gestão petista, o BNDES já emprestou à JBS R$ 2,5 bilhões (diretamente ou com intermediação de outros bancos) e comprou R$ 6,17 bilhões em ações do grupo, que equivalem a 28,69% do capital.
Comprando políticos
Outra coincidência: Além de atuar no controle da mídia, Meirelles também transformou a holding J&F na maior patrocinadora da política nacional, doando R$ 366,8 milhões aos candidatos em 2014, seguida da empreiteira Odebrecht , que doou R$ 111 milhões, e do Bradesco, com cerca de R$ 100 milhões.
Segundo reportagem de Leandro Prazeres, no site UOL, o generoso grupo já doou a candidatos e partidos cerca de 18,5% de tudo o que recebeu do BNDES em financiamentos e venda de ações entre 2005 e 2014, com PT, PMDB e PSDB aparecendo como os mais beneficiados.
O repórter Leandro Prazeres mostrou que o comprometimento com doações a políticos é tão grande que, somente para a eleição de 2014, a empresa doou 39,56% de todo o seu lucro líquido registrado em 2013, que foi de R$ 926,9 milhões. É como se, a cada R$ 100 de lucro, a JBS doasse R$ 39,56 para os caixas de campanhas de partidos e candidatos.
Sonegando à vontade
Referentes a 2013, são surpreendentes os números do último balanço do grupo Friboi, que se orgulha de ter subsidiárias na Argentina, nos Estados Unidos e na Austrália. A receita líquida consolidada atingiu R$ 92,902 bilhões, já suprimidos devoluções de vendas, descontos comerciais e impostos incidentes sobre vendas, conforme as regras da Receita Federal. Mas o lucro líquido declarado foi de apenas R$ 926,9 milhões, ou seja, lucrou menos 1% da receita líquida, índice bastante inferior ao faturamento bruto (que o site do Friboi estrategicamente não revela, ao exibir os números do último balanço anual).
Esse lucro bem inferior a 1% significa que ou o grupo Friboi está em má situação financeira ou sonega impostos à vontade. Não é admissível e aceitável que o maior exportador mundial de proteína animal, que já ultrapassou faturamento de R$ 100 bilhões nos últimos 12 meses, esteja obtendo apenas essa ridícula margem de lucro, mas se dê ao desplante de subtrair dividendos dos acionistas (em especial, o BNDES), para generosamente doar à classe política cerca de 40% desse lucro ínfimo. E, ainda não satisfeito, o grupo gasta outra expressiva parcela do lucro numa campanha publicitária inútil, pois destinada ao consumidor final, que nem sabe onde comprar carne do Friboi.
Detalhe: em Goiás, o JBS responde a 49 autos de infração aplicados pela Secretaria da Fazenda nos últimos 9 anos, no total de R$ 1,3 bilhão, a maioria por sonegação de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) na exportação de carne bovina.
Ao comandar esta grotesca fraude, o cidadão Henrique Meirelles demonstra que jamais poderia ter exercido cargo público no Brasil. Decididamente, não tem o menor interesse pelo país e por seu povo, pois é movido exclusivamente pela ganância. Mas é certo que logo, logo ele estará desmascarado e a mídia então vai descobrir o verdadeiro motivo do engavetamento (ou arquivamento) dos processos contra ele movidos pelo Tribunal de Contas da União, antes de ser presidente do Banco Central.
[A revista Piauí n° 101, que está nas bancas, publica uma enorme (9 páginas) e detalhada reportagem  sobre o JBS ("O estouro da boiada", de Consuelo Dieguez), sua história e seus bastidores com o governo federal. A intimidade desse grupo com os governos petistas, o do NPA (Nosso Pinóquio Acrobata, Lula) e Dilma NPS, é ao que tudo indica muito mais profunda do que muito relacionamento amoroso intenso que se vê por aí. O texto integral da reportagem só está disponível para assinantes da revista. 

Entre outros inúmeros dados e informações, a Piauí revela que entre 2007 e 2009 o BNDES injetou R$ 8,3 bilhões na JBS através da compra de ações, sem contar outros R$ 2 bi de empréstimo à empresa. Todo essa dinheirama é inédita na história do banco, nunca outro grupo privado havia recebido algo sequer próximo desse valor. A participação acionária do BNDES no JBS chegou a ser de 31%, o que deixou o banco tão exposto que o governo Dilma NPS decidiu transferir parte das operações suas com o JBS para a Caixa Econômica Federal. Segundo a Piauí, a participação do BNDES hoje no JBS seria de 24,59% (contra os 28,69% citados acima na reportagem da Tribuna da Internet). Além de carne in natura, o JBS opera com carne processada, tem uma empresa de papel e celulose (a Eldorado) que recebeu um empréstimo de R$ 4 bi do BNDES e apoio financeiro de fundos estatais, como o Petro, da Petrobras, e não vai bem das pernas, e o Banco Original que está se expandindo e para o qual Henrique Meirelles têm planos ambiciosos. 

O que levou e leva a ex-guerrilheira a fazer com que um banco estatal fique financeiramente tão amarrado a um poderoso grupo privado? O que justifica que o banco nacional de fomento se torne um forte acionista de um grupo privado, como o JBS? Em postagem de 25/2/2014 -- "Que tipo de instrumento virou o BNDES nas mãos dos petistas, especialmente no governo Dilma NPS?" -- já denunciava o uso abusivo e descontrolado do banco pelo governo da madame no apoio dos tais "campeões nacionais", escolhidos de araque pela nossa Dama de Ferrugem. Ali estão, entre outros, o JBS, o grupo Bertin e o grupo "X" de Eike Batista, todos com problemas já explicitados (Bertin e Eike) e/ou potenciais (JBS).

Só em publicidade, o JBS gasta cerca de R$ 800 milhões por ano segundo a Piauí.

Na reportagem, em entrevista com a jornalista, indagado sobre os R$ 366,8 milhões doados a políticos/partidos em 2014 Joesley Batista disse que a empresa não pode se recusar a fazer essa contribuição, não pode deixar de ajudar os políticos das comunidades onde ela tem interesses. Joesley considerou normal o valor da dação, embora ela represente mais de 30% do lucro da empresa no último trimestre do ano.



Wesley e Joesley Batista, os controladores do JBS - (Foto: Ella Dürst/2015 - Fonte: Piauí)]





segunda-feira, 26 de maio de 2014

A permissividade absurda e criminosa da propaganda de remédios e de bebidas alcoólicas no Brasil

O brasileiro comum, de todas as categorias sociais, é bombardeado diariamente -- principalmente pelo rádio (AM e FM) e pela televisão -- por campanhas promocionais de produtos e serviços desaconselháveis e/ou nocivos à sua saúde ou por propagandas que o induzem a práticas que são danosas a ele e à sociedade. A característica básica dessas propagandas são a permissividade e a irresponsabilidade com que induzem o cidadão a consumir produtos e a adquirir hábitos que são daninhos a ele mesmo e, em alguns casos, ao meio social em que convive. Esse tipo de propaganda deseduca e cria vícios perniciosos. E toda vez que alguém ousa se manifestar contra isso surge a falácia da liberdade de se expor tais produtos e serviços, cabendo ao consumidor decidir o que quer fazer -- é o tal do movimento contra a censura na publicidade. Isso num país de serviços básicos lato sensu de frequência e qualidade baixíssimas, educação precária e com distribuição de renda extremamente injusta.

Esse viés da "liberdade de expressão", que virou um escudo gigantesco à sombra do qual é possível e ocorre cometer inúmeras barbaridades, é o cerne da criação e da atuação do CONAR - Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. Este órgão tem por missão "Impedir que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ao consumidor ou a empresas e defender a liberdade de expressão comercial" -- "Constituído por publicitários e profissionais de outras áreas, o CONAR é uma organização não-governamental que visa promover a liberdade de expressão publicitária e defender as prerrogativas constitucionais da propaganda comercial". 

Observe-se que nem remotamente é preocupação do Conar a saúde física do consumidor, mas a defesa da "saúde" empresarial está explicitada. O termo "constrangimento" utilizado na definição da missão desse órgão é emblemático da visão unilateral, oportunista e mercenária do Conar -- uma das acepções (dicionário Houaiss) desse termo é "violência física ou moral exercida contra alguém; coação". Beleza, com isso o Conar se sente no direito de não coibir a propaganda indiscriminada de medicamentos (que livre e sistematicamente induz a população aos riscos da automedicação), ao consumo de bebida alcoólica (especialmente da cerveja), a associar o carro à direção em alta velocidade, ao consumo (principalmente entre a garotada e adolescentes) de comidas nocivas à sua saúde, etc. Ou seja, com a desculpa do repúdio à "censura" o Conar permite que se protejam as indústrias e se cometam violências contra a saúde do consumidor.

Para variar, o governo federal se omite e não protege o contribuinte, como é de sua responsabilidade. Ministério da Saúde e Anvisa, entre outros, são tímidos, lentos e covardes no exercício de sua missão legal  e via de regra têm comportamento reativo e não proativo, só dando o ar da graça quando o malfeito já se implantou e, geralmente, já se consolidou.

Vamos às principais propagandas perniciosas que rolam soltas nas mídias falada e televisiva do país.

Medicamentos

Uma das mais frequentes e perniciosas, a propaganda livre de medicamentos na mídia é revoltante, criminosa e extremamente preocupante. E ninguém faz nada. O resultado imediato, claro e inequívoco disso é o assustador índice de automedicação no Brasil, o que, por exemplo, faz com que isso seja a maior causa de intoxicação no país

Levantamento feito em 2013 mostrou que nos cinco últimos anos, até aquele, a automedicação levou mais de 60 mil pessoas ao hospital no Brasil. No Brasil, os antiinflamatórios não esteroides (AINES) ocupam três das cinco primeiras posições de medicamentos mais utilizados sem orientação médica (ver tabelas). O problema disso é que essa classe de medicamentos interfere em muitos mecanismos fisiológicos normais do homem e o uso deles pode causar graves complicações. Um dos motivos dos AINES serem os mais procurados pela população em geral é que eles atuam, além de antiinflamatórios, como antitérmicos e analgésicos. O AINES mais utilizado no Brasil é a dipirona sódica. A comercialização dessa substância está proibida em alguns países da Europa e nos EUA, porque há estudos que indicam que ela pode causar agranulocitose ou seja, a falta de produção de células granulares que são responsáveis pela defesa do organismo. 

dipirona sódica foi banida da Suécia em 1974, dos Estados Unidos em 1977, assim como em mais de 30 países como Japão, Austrália, Irã e parte da União Européia. Na Alemanha a dipirona sódica somente é vendida com receita médica. Na Suécia a dipirona sódica foi re-introduzida em 1995 e banida novamente em 1999. Por que, então, ela é permitida no Brasil?!





Medicamentos à venda no Brasil que contêm dipirona sódica (às vezes citadas apenas como dipirona): Anador, Dorflex (que contém também cafeína e orfenadrina, ver tabela 2 acima), Novalgina, Buscopan, Lisador, Neosaldina, etc. Como todo e qualquer medicamento, esses também devem necessariamente ser precedidos de consulta médica.

Além da mídia falada e televisiva -- especialmente esta última, por seu poder de sedução e indução -- abrir indiscriminada e irresponsavelmente espaço para a propaganda de remédios os mais diversos, a televisão usa ainda o recurso criminoso de fazer com fundo azul todos os "alertas" (de araque) que emite após a propaganda de um medicamento. É sabido que a cor azul é relaxante, não transmite jamais a sensação de perigo -- assim, o potencial usuário daquele(s) medicamento(s) não assimila pelo "alerta" nenhuma noção de risco no consumo daquele produto. O alerta deveria ser feito com a tradicional cor de perigo ou risco, o vermelho, mas nem o Conar nem o governo se preocupam com isso. A propaganda do Dorflex que está bombando agora na TV é, ao meu ver, o mais recente exemplo desse tipo de propaganda irresponsável e criminosa.


Bebidas alcoólicas

O que se vê na televisão é uma enxurrada de propagandas de cerveja, todas elas -- sem qualquer exceção -- direcionadas exclusivamente para jovens. Os consumidores mostrados nos comerciais são invariavelmente jovens, saudáveis, bonitos, alegres  -- a cerveja é apresentada como o veículo certo para uma vida alegre, despreocupada e aparentemente saudável. Hipócrita e quase que à surdina, repisando uma frase escrita timidamente e em tamanho reduzido na tela, mal se ouve uma voz (quando existe) que diz "beba com moderação" ou "se beber não dirija". 

Se a cerveja já era um anunciante poderoso e uma enorme fonte de arrecadação fiscal para o governo federal antes da Copa de 2014, agora então nem se fala. Por ser o principal patrocinador do evento para a Fifa, um de seus fabricantes adquiriu poderes absurdos, a ponto da Fifa nos impor a suspensão da lei que impede a venda de cerveja nos estádios. O setor de bebidas frias (cujo principal participante é o de fabricantes de cervejas) é tão forte que -- com a cumplicidade irresponsável do segmento de bares e restaurantes --  pressionou o governo contra o aumento de tributação anunciado, e o governo de Dilma NPS (Nosso Pinóquio de Saias) covardemente cedeu. Instrumentos da chantagem contra o governo e contra a saúde dos brasileiros: aumento de 5%  nas bebidas e a ameaça de demissão de até 200 mil pessoas pela Abrasel - Associação Brasileira de Bares e Restaurantes caso a alta de impostos não fosse adiada (isto, em ano eleitoral, seria fatal para Dilma NPS).  

Resultado: o governo voltou atrás nesta terça-feira (13/5) e decidiu adiar por três meses o aumento dos impostos sobre bebidas frias -- cervejas, refrigerantes, isotônicos e refrescos. O reajuste será feita aos poucos, e não de uma vez só. Em troca, os empresários assumiram o compromisso de não aumentar os preços durante a Copa. A alta de impostos estava prevista para entrar em vigor em 1º de junho e, agora, ficou para 1º de setembro.

A decisão foi tomada após encontro do ministro da Fazenda, Guido Mantega, com representantes do setor de bebidas frias e do segmento de bares e restaurantes. "O governo postergará o aumento da tabela e o setor adiará o aumento de preços. Será uma Copa sem aumento de preços de bebidas", disse Mantega.A manutenção dos preços terá um efeito benéfico na inflação, continuou Mantega. "Inflação está sob controle e o setor poderá dar contribuição nesse sentido. Os preços estão mais comportados, mas queremos que eles não subam nada", explicou.

Eis aí a síntese de como o governo de Dilma NPS -- que é uma mãe de família -- vê a indústria cervejeira: fonte de arrecadação de impostos e instrumento de pressão sobre a inflação. Só isso, nada mais que isso. Danos à saúde da juventude que se embebeda cada vez mais, e cada vez mais cedo? Besteira, isso não é problema dela -- mesmo tendo um netinho. Em setembro de 2012 fiz uma postagem sobre isso

O consumo de álcool no Brasil supera a média mundial e apresenta taxas superiores a mais de 140 países. Os dados são da Organização Mundial da Saúde (OMS), que, em um informe publicado em 12/5, alertou que 3,3 milhões de mortes no mundo em 2012 (5,9% do total) foram causadas pelo consumo excessivo do álcool. O volume é superior a todas as vítimas de aids e tuberculose. A OMS avaliou dados de 194 países e chegou à conclusão de que o consumo médio mundial para pessoas acima de 15 anos é de 6,2 litros por ano. No caso do Brasil, os dados apontam que o consumo médio é de 8,7 litros por pessoa por ano.

Em outubro de 2012, fiz postagem denunciando que o álcool mata mais rápido que o cigarro e que casas noturnas do Rio faziam promoções para que os jovens se embebedassem.

Em 15 de março de 2011, o deputado Paulo Pimenta (PT-RS -- epa, uma maçã "podre" decente na cesta do PT?!) apresentou proposta de ementa que modifica a Lei n° 9.294, de 15 de julho de 1996, estendendo as restrições da publicidade de bebidas alcoólicas a cervejas e assemelhados. Sua proposta tramita apensada ao Projeto de Lei PL 2134/2007. Pelo tempo já decorrido, essa proposta deve estar sofrendo forte reação da indústria cervejeira.

Carros

Muito raramente se vê na televisão uma propaganda de carro em que o veículo não esteja em alta velocidade, na cidade, em estradas e até no campo. Há um claro e criminoso estímulo à direção em alta velocidade, num país traumatizado por mais de 40.000 mortes no trânsito por ano.

Encaminhei ao Conar uma reclamação contra uma propaganda recente da Ford, em que um pedestre toma o carro (Ford) de um motorista, identificando-se como policial, e sai em louca disparada por uma cidade cantando pneus em perseguição a uns marginais mascarados. O Conar se lixou para a minha reclamação. E ninguém se mexe para coibir isso, nem os órgãos de defesa do consumidor e muito menos o governo.


Fast food


A propaganda de produtos alimentícios na televisão é outro lixo, apregoando produtos extremamente nocivos à saúde humana. E frequentemente esse tipo de propaganda envolve crianças e adolescentes, que aparecem felicíssimos comendo hambúrgueres, batatas fritas, frituras e outros besteiras de mesmo calibre. É claro que ninguém, em esfera alguma, se mexe contra isso. O resultado disso já pode ser visto em qualquer lugar: se não gostar de ir a shoppings, nem que seja vapt-vupt, sente-se num banco de jardim e veja a fauna humana que circula. É impressionante o aumento visível de obesos, em todas as faixas etárias! E esse é apenas o lado visível da ingestão crescente de alimentação inadequada e ruim, de alto teor de gordura e de outros produtos maléficos à saúde contidos principalmente na comida chamada de "fast food", indiscriminada e impunemente anunciada na rádio e na televisão.


Uma exceção

A fantástica e extremamente louvável eliminação da propaganda de cigarros em toda a mídia é um claro e inequívoco exemplo de que devemos persistir na luta para eliminar também da mídia os anúncios dos três péssimos produtos citados acima.

Outra exceção


Em 23 de junho de 2010, enviei por e-mail reclamação ao Conar contra uma propaganda denominada "Shell - Vamos Juntos" que mostrava um garoto soltando pipa numa praia, junto com um cachorro. Solicitava a suspensão imediata da propaganda, por seu caráter deseducativo e ilegal, já que infrigia legislações específicas que proíbem cães e soltar pipa nas praias. 


No dia 23 de setembro de 2010 recebi email do CONAR (ver postagem) informando-me de que minha queixa havia sido levada a julgamento pelo seu Conselho de Ética, tendo sido deliberada por unanimidade de votos, em 1ª instância,  a sustação da veiculação daquele anúncio. Isso vem mostrar e comprovar a importância e a necessidade da manifestação do cidadão contra atos e atitudes que agridem a ética e a moralidade e ferem seus direitos.


sábado, 10 de maio de 2014

Fezes de rato e carne vencida encontradas em açougue de luxo de Jamie Oliver, famoso chef inglês

[Quem fica zapeando a TV a cabo dificilmente não terá visto, pelo menos uma vez, algum programa de culinária do famoso chef inglês Jamie Oliver. Descontraído e informal, Oliver defende o uso de ingredientes frescos e de boa origem em suas receitas e já capitaneou uma campanha para melhora da qualidade da comida servida em escolas para crianças, inclusive nos Estados Unidos. Por isso, é mais do que surpreendente a notícia abaixo do fechamento por 24h de seu açougue de luxo em Londres, por péssimas condições sanitárias. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]


O chef inglês Jamie Oliver - (Foto: Getty Images/Fonte: Veja).

Fezes de rato, carne mofada e fora da validade, equipamentos sujos e mal-cuidados: foi o que a vigilância sanitária londrina descobriu, ainda no fim do ano passado, no açougue do célebre chef Jamie Oliver, o Barbecoa – que abastece o seu restaurante, de mesmo nome, também em Londres.

O açougue e o restaurante foram fechados depois da inspeção sanitária, em janeiro, mas reabriram um dia depois sem que o público ficasse sabendo o motivo. O jornal britânico The Times revelou o incidente  nesta sexta, 9, cinco meses depois do fato, após ter acesso ao relatório da inspeção por meio de uma lei de acesso à informação.

A vigilância londrina deu um ponto, entre cinco possíveis, para as condições de higiene do açougue de Oliver. A assessoria do chef confirmou a inspeção feita e disse que fechou o restaurante voluntariamente, para limpar o local. Sobre a carne mofada, afirmou que tratavam-se de peças de carne em maturação, uma técnica conhecida como dry-age, que não as torna impróprias para consumo.

O açougue Barbecoa, e o restaurante, vendem cortes nobres e peças de wagyu, cara e cobiçada raça de boi de origem japonesa. No restaurante, uma peça de carne no prato pode sair por mais de R$ 120.

[Segundo a agência de notícia Reuters, o chef de 38 anos tem fortuna estimada em 225 milhões de libras (cerca de 732 milhões de reais), proveniente de um verdadeiro império gastronômico formado por livros, programas de televisão, uma escola de culinária, serviços de bufê e restaurantes. 

Em junho do ano passado a revista Veja anunciou que Oliver iria trazer para o Brasil sua franquia de restaurantes de comida italiana aberta há cinco anos na Inglaterra. O Rio de Janeiro estava entre as cidades mapeadas na expansão global de sua cadeia de restaurantes para até 20 países, que inclui Austrália, Rússia, Turquia, China, Indonésia, Tailândia, entre outros, segundo comunicado do Grupo de Empresas Jamie Oliver enviado à imprensa na terça-feira. A concretização do projeto brasileiro só dependia de encontrar um sócio ideal, disse Oliver na época em uma entrevista à rede BBC Brasil -- pelo visto, esse sócio não foi encontrado e/ou o Brasil saiu do mapa do chef inglês. O braço direito de Oliver é (ou era) um brasileiro, Almir Santos.]