segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Anvisa volta a negar registro de droga contra câncer

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) voltou a negar, na semana passada, o registro da lenalidomida no país. O imbróglio sobre a droga, usada no tratamento do mieloma múltiplo -- câncer na medula óssea -- tem mais de três anos e coloca em lados opostos médicos e pacientes e técnicos do governo.

Aprovada em cerca de 80 países, incluindo os EUA, a droga é considerada um dos principais tratamentos do mieloma. A doença é incurável mas pode ser controlada. A Anvisa já havia negado o registro do medicamento antes, em setembro de 2011.

"Hoje, um paciente que já não responde à talidomida e ao bortezomibe [drogas liberadas no Brasil] fica sem opção", diz Angelo Maiolino, diretor da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular e membro da Fundação Internacional do Mieloma, que reúne especialistas na doença.  A entidade, que tem entre os seus patrocinadores o laboratório que fabrica a droga, faz uma movimentação pública para a aprovação da lenalidomida. Em 2011, a fundação entregou à Anvisa um abaixo-assinado com mais de 22 mil nomes pedindo a liberação do medicamento.

Na internet, a movimentação dos pacientes continua. Uma petição on-line já tem quase 26 mil assinaturas, e há uma campanha dos pacientes em fóruns e blogs. Segundo Maiolino, há 30 mil pessoas em tratamento no país. Os casos de mieloma correspondem a 1% de todos os tipos de câncer.

O diretor-presidente da Anvisa, Dirceu Barbano, afirma que o registro não foi concedido porque a empresa não apresentou um estudo clínico comparando o produto a outro com igual indicação terapêutica já no mercado.  "Você não pode aprovar um produto se ele tem um perfil clínico inferior a outro disponível." Segundo Barbano, a decisão foi sobre um recurso de um pedido já negado e, nesse intervalo, a empresa poderia ter apresentado os estudos demandados.

"Não é bom reprovar produtos que possam ter utilidade. Mas não é bom para as pessoas que um produto seja registrado sob dúvida". Outro problema, afirma, é que a lenalidomida é semelhante à talidomida. Assim, é necessário que a empresa apresente um plano de minimização de riscos, como de nascimento de crianças com malformação. Maiolino diz, no entanto, que o mieloma atinge mais os idosos, por isso dificilmente a droga seria usada por mulheres em idade fértil. "Há algo de errado com a decisão da Anvisa. Todos os países que já usam o remédio estão errados? E os maiores especialistas do mundo na doença? O tipo de comparação exigido pela Anvisa é desnecessário", diz o médico.

Custo alto

Enquanto o governo e a indústria travam a queda de braço, pacientes precisam recorrer à Justiça para ter acesso à lenalidomida importada. O preço é proibitivo: o tratamento custa cerca de R$ 200 mil ao ano.

Dorival Urino, 68, foi um dos beneficiados por decisões judiciais. Há quatro meses, seu convênio médico é obrigado a fornecer a droga.  "Cheguei a ficar na cama, sem condições de levantar. Agora, consigo fazer quase tudo. Inclusive cuidar das minhas dez gaiolas de passarinho e dos quase 40 vasos de planta", diz o aposentado.

O aposentado Dorival Urino, 68, recebe o medicamento contra mieloma por meio de seu convênio após decisão judicial - (Foto: Lucas Lima/Folhapress).

Apesar dos bons resultados, o uso de lenalidomida não é isento de riscos. Estudos apontam a maior chance de desenvolver outros cânceres em alguns usos do medicamento. Especialistas em mieloma, porém, dizem que o benefício supera os riscos.

Há menos de duas semanas, a FDA (agência reguladora de remédios nos EUA), anunciou a liberação da pomalidomida, terceira geração do princípio ativo.

[Esse é o tipo de assunto que exige um autocontrole enorme na hora de se escrever sobre ele. Acho a história mal contada nas duas pontas. A indústria farmacêutica está longe de ser um grupo de anjinhos, e não acredito que entre a caixa registradora e o paciente ela fique com o último.  Qual é a dificuldade da Fundação dirigida pelo Sr. Maiolino em atender às exigências da Anvisa nesses 3 anos?! E o laboratório que fabrica a lenalidomida, o que alega sobre isso?! Pelo que a Anvisa afirma, existe no mercado brasileiro um outro medicamento que, segundo a agência, é "clinicamente superior" à lenalidomida -- por que o Sr. Maiolino só defende este último? Será que o outro fabricante não é patrocinador da Fundação que ele preside?...

Considerando que briga de laboratório farmacêutico é briga de cachorro grande, chama a atenção o fato da posição da Anvisa se sustentar por três anos, o que permite acreditar que: - i) a argumentação da Anvisa está bem fundamentada e/ou - ii)  o fabricante do concorrente da lenalidomida tem peso e/ou - iii) o patrocinador do Sr. Maiolino não consegue superar as barreiras (clínicas e outras) do adversário. -- A mídia só aborda dois dos três lados da questão: Anvisa e lenalidomida -- e o terceiro lado desse triângulo nada amoroso, o outro remédio e seu fabricante? Ele é mais caro ou mais barato que a lenalidomida? Ele atende nosso mercado? Em caso afirmativo, em que proporção?

O que é inadmissível é o contribuinte doente, aposentado ou não, ser prejudicado nessa briga.]


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