domingo, 23 de dezembro de 2012

Empresa brasileira já é a quarta distribuidora de armas nos EUA

[Uma história nada empolgante sobre a contribuição brasileira para a paranoia americana do porte de arma.]

O Brasil tem um papel cada vez mais importante no mercado armamentista dos EUA: a marca gaúcha Forjas Taurus tornou-se a quarta maior distribuidora de armas no país da National Rifle Association, ao lado de gigantes como Smith&Wesson. Um em cada cinco revólveres comprados por americanos em 2012 veio da fabricante brasileira, que hoje vende mais nos EUA do que no próprio Brasil.

Essa rápida expansão no território americano é parte de uma estratégia maior da holding Taurus, que nos últimos anos vem adotando uma estratégia mais agressiva para ampliar exportações. Segundo a diretora de relações com investidores, Doris Wilhelm, no topo da lista de destinos cobiçados pela empresa estão África e América Central – segundo a ONU, as duas regiões do mundo com maior número de mortes por arma de fogo.

A lei militar brasileira impede que a indústria bélica nacional revele o número de armas exportadas, tampouco os destinos exatos das vendas [qual é a lógica dos militares nessa decisão? Razões "estratégicas"? Pela mãe do guarda!]. Divulgam-se apenas "blocos geográficos" para onde vão esses produtos. Em 2012, 55% das armas da Taurus foram vendidas ao "bloco norte-americano" (EUA, Canadá e México). A empresa tinha uma receita líquida de US$ 409 milhões em 2009. Este ano, impulsionada pelas exportações, ela deve fechar nos US$ 700 milhões.

Doris afirma que os EUA são o maior mercado da Taurus e o único em que a esmagadora maioria das vendas é para pessoas, e não forças estatais de segurança pública e militar. "Estamos falando de um mercado de consumo: civis americanos comprando armas como hobby, esporte, caça e defesa pessoal. A cultura americana é ‘outro bicho’. A Segunda Emenda (da Constituição) garante o direito de portar armas e defender sua propriedade".  [O linguajar dessa madame é cativante.]

A empresa brasileira tem uma fábrica no norte de Miami desde 1983. No ano passado, comprou por US$ 10 milhões a Heritage Manufacturing, especializada em réplicas de armas do velho oeste, usadas em uma modalidade conhecida como "plinking" – tiro ao alvo com latinhas em locais abertos, ao clássico estilo cowboy do deserto.  O New York Times afirmou na terça-feira que a Taurus seria uma possível compradora da fabricante do fuzil AR-15 Bushmaster, usado no massacre de Newtown. A companhia brasileira diz que a informação é "meramente especulativa".  Nos dois dias úteis após a tragédia, as ações da Taurus caíram cerca de 10%. Segundo analistas, o mercado "teme" a aprovação de restrições a esse comércio.

Mas, como as demais empresas do setor de armamento nos EUA, a Taurus acabou beneficiada pela débâcle econômica de 2008 e pela polarização política no governo Barack Obama. O motivo é psicológico: em meio à sensação de insegurança, americanos tradicionalmente compram mais armas. O pânico após o furacão Katrina fez com que 2005 fosse o ano mais lucrativo às empresas do setor.

Top 4. Segundo Matthias Nowak, pesquisador do centro Small Arms Survey (SAS), com sede na Suíça, o Brasil é desde 2001 o quarto maior exportador das chamadas "armas pequenas", categoria que abrange revólveres, pistolas, submetralhadoras, fuzis de assalto, entre outros. O País é colocado atrás apenas de EUA, Itália e Alemanha e à frente da Rússia, maior herdeira da indústria bélica soviética.  Para analistas, são essas as "verdadeiras armas de destruição em massa" – as que mais provocaram mortes no mundo. Segundo o centro suíço, os últimos dados disponíveis são de 2009 e indicam que o Brasil exportou US$ 382 milhões dessas armas. Mas Nowak acredita que a cifra real seja muito maior e critica a falta de informações públicas.

Bruno Langeani, do Instituto Sou da Paz, também reclama da falta de transparência e afirma que "não há mais sentido" em vetar a divulgação dessas exportações, pois vários compradores revelam os números.  "Ao investir no fortalecimento da indústria bélica nacional, o governo Dilma Rousseff torna ainda maior a necessidade de transparência", defende.  No ranking do SAS que avalia o acesso à informação sobre essas exportações em cada país, o Brasil tem hoje nota 7,5 em uma escala crescente de o a 25. Em 2009, era de 8,5; em 2006, era 9.  [A mesma dama que lutou pela Comissão da Verdade -- parcial, porque só investiga os crimes militares -- não dá a mesma importância à transparência em relação à nossa produção de armas. Qual é o peso do mercado nacional na produção da Taurus?  Quantas armas ela vendeu no país?]

Empresa busca expansão na África e América Central. Com uma nova estratégia para diversificar exportações, a Taurus está de olho em mercados de regimes africanos em transição política e países da América Central em luta contra o narcotráfico. Essas regiões têm o maior índice de homicídios por armas de fogo do mundo, segundo o escritório da ONU para controle de drogas e crime (UNODC). ONGs como a brasileira Sou da Paz temem que parte das armas acabe nas "mãos erradas".

A Taurus diz fornecer armas para governos, de acordo com as normas do Exército e submetida ao direcionamento político do Itamaraty. "Se a arma vai parar em outro destino, nós não temos o menor controle sobre isso. Cabe ao Itamaraty julgar que o governo não é confiável", diz Doris Wilhelm, da Taurus.  [Deixar a decisão nas mãos do Itamaraty é uma temeridade para os cidadãos e o melhor dos escudos possíveis para a Taurus. Democracia e violência estão intimamente ligadas, por exclusão, mas com uma Justiça atuante e igual para todos -- algo inexistente no Brasil e em muitos alhures.  A ser verdade o que essa dona Doris diz, o fato da Taurus ter escolhido a África e a América Central como focos de expansão já implica um sinal verde do Itamaraty para isso -- o que desclassifica de pronto a Casa de Rio Branco como árbitro para o destino de armas de fogo, especialmente no que se refere à África.]

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