[Uma história nada empolgante sobre a contribuição brasileira para a paranoia americana do porte de arma.]
O Brasil tem um papel cada vez mais importante no mercado armamentista
dos EUA: a marca gaúcha Forjas Taurus tornou-se a quarta maior distribuidora de armas no país da National Rifle Association, ao lado de
gigantes como Smith&Wesson. Um em cada cinco revólveres comprados
por americanos em 2012 veio da fabricante brasileira, que hoje vende
mais nos EUA do que no próprio Brasil.
Essa rápida expansão no território americano é parte de uma estratégia
maior da holding Taurus, que nos últimos anos vem adotando uma
estratégia mais agressiva para ampliar exportações. Segundo a diretora
de relações com investidores, Doris Wilhelm, no topo da lista de
destinos cobiçados pela empresa estão África e América Central – segundo a
ONU, as duas regiões do mundo com maior número de mortes por arma de
fogo.
A lei militar brasileira impede que a indústria bélica nacional revele o
número de armas exportadas, tampouco os destinos exatos das vendas [qual é a lógica dos militares nessa decisão? Razões "estratégicas"? Pela mãe do guarda!].
Divulgam-se apenas "blocos geográficos" para onde vão esses produtos. Em
2012, 55% das armas da Taurus foram vendidas ao "bloco norte-americano"
(EUA, Canadá e México). A empresa tinha uma receita líquida de US$ 409
milhões em 2009. Este ano, impulsionada pelas exportações, ela deve
fechar nos US$ 700 milhões.
Doris afirma que os EUA são o maior mercado da Taurus e o único em que a
esmagadora maioria das vendas é para pessoas, e não forças estatais de
segurança pública e militar. "Estamos falando de um mercado de consumo:
civis americanos comprando armas como hobby, esporte, caça e defesa
pessoal. A cultura americana é ‘outro bicho’. A Segunda Emenda (da
Constituição) garante o direito de portar armas e defender sua
propriedade". [O linguajar dessa madame é cativante.]
A empresa brasileira tem uma fábrica no norte de Miami desde 1983. No
ano passado, comprou por US$ 10 milhões a Heritage Manufacturing,
especializada em réplicas de armas do velho oeste, usadas em uma
modalidade conhecida como "plinking" – tiro ao alvo com latinhas em
locais abertos, ao clássico estilo cowboy do deserto. O New York Times afirmou na terça-feira que a Taurus seria uma
possível compradora da fabricante do fuzil AR-15 Bushmaster, usado no
massacre de Newtown. A companhia brasileira diz que a informação é
"meramente especulativa". Nos dois dias úteis após a tragédia, as ações da Taurus caíram cerca de
10%. Segundo analistas, o mercado "teme" a aprovação de restrições a
esse comércio.
Mas, como as demais empresas do setor de armamento nos EUA, a Taurus
acabou beneficiada pela débâcle econômica de 2008 e pela polarização
política no governo Barack Obama. O motivo é psicológico: em meio à
sensação de insegurança, americanos tradicionalmente compram mais armas.
O pânico após o furacão Katrina fez com que 2005 fosse o ano mais
lucrativo às empresas do setor.
Top 4. Segundo Matthias Nowak, pesquisador do centro
Small Arms Survey (SAS), com sede na Suíça, o Brasil é desde 2001 o
quarto maior exportador das chamadas "armas pequenas", categoria que
abrange revólveres, pistolas, submetralhadoras, fuzis de assalto, entre
outros. O País é colocado atrás apenas de EUA, Itália e Alemanha e à
frente da Rússia, maior herdeira da indústria bélica soviética. Para analistas, são essas as "verdadeiras armas de destruição em massa" –
as que mais provocaram mortes no mundo. Segundo o centro suíço, os
últimos dados disponíveis são de 2009 e indicam que o Brasil exportou
US$ 382 milhões dessas armas. Mas Nowak acredita que a cifra real seja
muito maior e critica a falta de informações públicas.
Bruno Langeani, do Instituto Sou da Paz, também reclama da falta de
transparência e afirma que "não há mais sentido" em vetar a divulgação
dessas exportações, pois vários compradores revelam os números. "Ao investir no fortalecimento da indústria bélica nacional, o governo
Dilma Rousseff torna ainda maior a necessidade de transparência",
defende. No ranking do SAS que avalia o acesso à informação sobre essas
exportações em cada país, o Brasil tem hoje nota 7,5 em uma escala
crescente de o a 25. Em 2009, era de 8,5; em 2006, era 9. [A mesma dama que lutou pela Comissão da Verdade -- parcial, porque só investiga os crimes militares -- não dá a mesma importância à transparência em relação à nossa produção de armas. Qual é o peso do mercado nacional na produção da Taurus? Quantas armas ela vendeu no país?]
Empresa busca expansão na África e América Central. Com
uma nova estratégia para diversificar exportações, a Taurus está de
olho em mercados de regimes africanos em transição política e países da
América Central em luta contra o narcotráfico. Essas regiões têm o maior
índice de homicídios por armas de fogo do mundo, segundo o escritório
da ONU para controle de drogas e crime (UNODC). ONGs como a brasileira
Sou da Paz temem que parte das armas acabe nas "mãos erradas".
A Taurus diz fornecer armas para governos, de acordo com as normas do
Exército e submetida ao direcionamento político do Itamaraty. "Se a arma
vai parar em outro destino, nós não temos o menor controle sobre isso.
Cabe ao Itamaraty julgar que o governo não é confiável", diz Doris
Wilhelm, da Taurus.
[Deixar a decisão nas mãos do Itamaraty é uma temeridade para os cidadãos e o melhor dos escudos possíveis para a Taurus. Democracia e violência estão intimamente ligadas, por exclusão, mas com uma Justiça atuante e igual para todos -- algo inexistente no Brasil e em muitos alhures. A ser verdade o que essa dona Doris diz, o fato da Taurus ter escolhido a África e a América Central como focos de expansão já implica um sinal verde do Itamaraty para isso -- o que desclassifica de pronto a Casa de Rio Branco como árbitro para o destino de armas de fogo, especialmente no que se refere à África.]
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