Um pouco de verdade sobre o aumento de tarifas no Brasil
ILUMINA - Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético
Nesse momento em que assistimos mais uma excentricidade brasileira, quando o governo lança um inédito pacote que provocará perdas de receitas da ordem de 70% em suas próprias empresas em nome de uma queda abrupta de tarifas, é necessário recuperar um pouco do nosso passado recente [clique nas figuras para ampliá-las].
O
gráfico acima mostra a impressionante proliferação de encargos criados
após a implantação do modelo mercantil de 1995. Nem todos os encargos
são iguais. Uns têm um caráter compensatórios, como o UBP (Uso do Bem
Público), a RGR (Reserva Global de Reversão) [já eliminada] e a CFRUH (royalties sobre
recursos hídricos). Outros são Subsídios, como o PROINFA (fontes
alternativas), P&D (pesquisa e desenvolvimento) e CDE
(desenvolvimento energético). Mas, a grande maioria é composta de custos
do modelo de mercado ou decorreram de ações pontuais para corrigir
problemas desse mesmo modelo.
TFSEE – Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica que cobre os custos da ANEEL
ONS – Encargo para custeio do Operador Nacional do Sistema
ESS
– Encargos de Serviços do Sistema – parte desse gasto é oriundo de
divergência de critério entre planejamento e operação. Geração térmica
fora a ordem de mérito.
MAE – Encargo para custeio do Mercado Atacadista de Energia, hoje CCEE, Câmara de Comercialização de Energia Elétrica,
RTE - Recomposição Tarifária Extraordinária – Função da queda de mercado pós-racionamento.
ECE - Encargo de Capacidade Emergencial – Função da contratação de térmicas emergenciais.
Leilões – Custo dos leilões.
PERCEE – Parcela Emergencial de Redução do Consumo de Energia Elétrica
103% - Mudança de regulação que permite as distribuidoras um repasse ao consumidor de energia comprada até 103% da sua demanda.
En. Res. – Energia de reserva que, segundo o governo é necessária, apesar de termos uma energia que se diz “assegurada”.
É bom não esquecer que muitos desses encargos alimentaram a política de superávit primário (principalmente TFSEE, RGR e CDE).
Fica
realmente interessante quando se coloca na mesma figura o surgimento
desses encargos com a evolução da tarifa industrial no período 1995 –
2011 ao fundo. Reparem que não é um aumento qualquer! Trata-se de dobrar
e acrescentar + 20% em termos reais. Ou seja, hoje, a indústria do
MERCADO CATIVO paga mais do dobro que pagava há 15 anos. Só esse fato
deveria soar todas as “sirenes” avisando que algo estava errado.
Estranhamente, a imprensa não procura investigar o que está por trás da
explosão e o governo se acha isento de explicar o que fez até aqui. [É bom observar o aumento tarifário a partir do início da década petista no governo, em 2003.]
Observe-se
que as taxas de crescimento foram bem maiores no período 2003 –2006.
Isso é muito contraditório, pois, no período pós racionamento, a demanda
tinha caído 15%, o equivalente a 3 anos de crescimento. Se a demanda
cai, o preço não deveria cair? Onde foi parar a lei da oferta e da
procura? É fácil explicar.
Com
a queda de mercado em 2002, era óbvio que mantendo o modelo definido
pelo governo anterior (FHC), que previa a descontratação das estatais a
partir de 2003 e, com a manutenção dos contratos “self dealing”, que
permitiu, sem concorrência e sem licitação,
algumas distribuidoras contratarem energia de empresas do seu grupo, as
geradoras federais não teriam para quem vender.
Claro
que existiam contratos, mas seria justo impor ao consumidor preços que
ultrapassam o dobro dos antes praticados? O racionamento não seria um
evento que justificaria no mínimo uma negociação para que os contratos
fossem “bons para ambas as partes”?
Mas,
enquanto isso ocorria, a lógica operativa diz que as usinas hidráulicas
devem gerar antes das térmicas e, portanto, o resultado óbvio foi:
estatais, mesmo sem contrato, geraram muitos MWhs. Para onde foi essa
energia, por quanto foi vendida e quem comprou?
Uma
“Bolsa MW”: A resposta está evidente no gráfico acima. De 2003 até
2006, a energia hidráulica descontratada das estatais, que era mais
barata, foi “liquidada” no “mercado livre”
brasileiro. Começou liquidada por R$ 4/MWh e só ultrapassou R$ 20/MWh
quase em 2007 (Gráfico azul com valores no eixo direito). Ou seja,
praticamente 3 anos oferecendo energia assegurada, sem risco, ao preço
médio de 2 cafés com pão e manteiga por cada 1000 kWh! Só a empresa
FURNAS ficou com aproximadamente 2.000 MWmédios/ano sendo remunerados
por esse inédito preço. São mais de 17 TWh/ano. Em que outro país isso
acontece? Além disso, toda vez que o preço
sobe abruptamente, como ocorreu em 2008, revela-se uma enorme
descontratação e inadimplência nesse nosso bizarro mercado livre1.
Conseqüência:
O gráfico abaixo mostra o impressionante afluxo de consumidores livres e
comercializadores que, LEGITIMAMENTE e LEGALMENTE, foram aproveitar o
derrame de MWh que o estado brasileiro proporcionava a quem se
“libertasse” do mercado cativo, que, como se viu antes, pagava cada vez
mais.
O
que vai ocorrer no Brasil a partir da medida provisória 579 de 11 de
setembro de 2012 é algo inédito no mundo! Marcará definitivamente uma
reviravolta de conceitos que ameaça a estabilidade de qualquer regime de
regulamentação.
As
vítimas, mais uma vez, serão as empresas estatais. Como não há um kWh
sequer cujo preço não tenha sido definido pelo mercado e por medidas
pontuais, o sistema falhou em reduzir tarifas. Só que o governo não quer
admitir essa hipótese. Com a implantação de competição na geração, é o
preço de mercado que define a tarifa. Conceitualmente, nesse sistema nem
cabe a adoção de tarifas de geração, como determina a MP 579 em seu Art.
1º § 1º. Ainda mais quando se induz que ela se reduziu ao custo de
O&M. Há uma espantosa contradição de princípios, pois se embaralham
duas estruturas de regulação opostas. Agravando o problema, a mudança é
feita sem sequer se examinar a possibilidade de se alterar a carga
tributária, essa sim, uma aspiração de toda a sociedade.
Toda essa confusão para conseguir uma redução que não agrada a indústria (a FIESP cita uma desejada redução percentual de 35%) e ainda nos deixa muito longe dos países hidroelétricos, como Canadá e Noruega.
Toda essa confusão para conseguir uma redução que não agrada a indústria (a FIESP cita uma desejada redução percentual de 35%) e ainda nos deixa muito longe dos países hidroelétricos, como Canadá e Noruega.
A
sociedade brasileira precisa entender que a receita MP 579 é um remédio
sem diagnóstico e pode matar o doente. Independente do que se fez com
as estatais em termos de loteamento dos seus cargos e políticas “tiro no
pé”, é preciso ficar atento a medidas que reduzem da noite para o dia
as receitas de FURNAS e CHESF em 60% e 80% respectivamente. Achar que
isso não tem efeito no mundo real é acreditar em “curandeiros”.
Amigo VASCO:
ResponderExcluirEmbora você tenha gasto todo o seu conhecimento derivados dosa "intestinos" do Setor Elétrico de forma bastante didática, fico com a impressão de que essa brilhante análise foi dirigida a um público que só paga a conta, sem outra força para mudar esse "status quo". Não posso me dar ao luxo de "viver no escuro" como forma de protestar sobre a forma como as "otoridades" gerenciam om setor. E isso não ocorre só no setor elétrico. Tudo é o resultado do aparelhamento político pelo qual passaram, principalmente os orgão técnicos dos diversos ministérios nessa época de (des)governo petista.
Não tem solução a curto prazo, infelizmente. Vamos continuar pagando essas tarifas (e outras), e não cabe reclamar. Aliás, RECLAMAR A QUEM?
Abraços - LEVY