[A blindagem absoluta e a aura de inatacável que se estabeleceram no Brasil em relação ao NPA (Nosso Pinóquio Acrobata, Lula) são extremamente danosas para um regime que se diz democrático. Vale a pena ler a coluna de hoje de hoje de Merval Pereira no Globo, que reproduzo a seguir.]
Uns mais iguais
Merval Pereira - O Globo, 12/12/2012
É perigosa para a democracia essa tese de que não se pode falar de Lula.
Qualquer coisa que se diga dele vira uma tentativa golpista de
desmoralizar o metalúrgico que chegou ao poder e ajudou seu povo. As
acusações do publicitário Marcos Valério ao Ministério Público,
incriminando o então presidente nas negociatas do mensalão, são
gravíssimas e podem gerar uma investigação, desde que o denunciante
tenha dado um mínimo de substância às suas declarações. Os Procuradores
são pessoas experientes que sabem lidar com esse tipo de caso e têm
condições de avaliar a consistência das acusações.
O que não é possível é partir-se do pressuposto de que Lula é
inatingível e está blindado para sempre por que, segundo o presidente do
Senado José Sarney “é um patrimônio do País, da história do País, por
sua vida e tudo que ele tem feito". Aliás, o comentário é quase idêntico
ao que o então presidente Lula fez para defender Sarney de críticas e
acusações: “Sarney tem história no Brasil suficiente para que não seja
tratado como se fosse uma pessoa comum."
Por esse raciocínio de
índole corporativista, temos no país uma casta de “intocáveis” que, ao
contrário da Índia, são seres puros acima de qualquer suspeita. A
presidente Dilma é uma dessas que consideram “lamentável" o que seria
uma tentativa de "destitui-lo da imensa carga de respeito que o povo
brasileiro lhe tem". O presidente francês François Hollande, apanhado no
meio da tempestade enquanto recepcionava Lula e Dilma, disse que Lula
"é uma referência" pelo que fez no governo pela redução da desigualdade
no Brasil.
Nada disso está em discussão no momento, nem a popularidade de Lula nem o
que tenha feito de bom para os desassistidos brasileiros. O que se
precisa saber é o que Lula tem a dizer sobre as acusações, e seus
apoiadores deveriam ser os primeiros a quererem que suas explicações
sejam claras o suficiente para desmentir o acusador que, evidentemente,
tem todas as razões do mundo para querer tumultuar o processo do
julgamento do mensalão que já o condenou a mais de 40 anos.
O fato de Valério ter levado sete anos para acusar Lula, após desmentir
seu envolvimento, conta contra ele. Há, no entanto, detalhes no seu
depoimento que lhe dão credibilidade, como o valor do depósito da
empresa SMP&B na conta do assessor do Palácio do Planalto Freud
Godoi, que já havia sido detectado na CPI dos Correios. Valério diz que esse dinheiro foi depositado para “gastos pessoais” de
Lula, e não se sabe se pode provar tal afirmação. Mas Freud, que foi um
dos aloprados que compraram um dossiê na eleição de 2006 para tentar
inculpar os candidatos tucanos à presidência Geraldo Alckmin e ao
governo de São Paulo José Serra, tem que explicar por que esse dinheiro
foi depositado por Valério em sua conta.
O envolvimento do banco BMG com os empréstimos do mensalão, e também seu
suposto favorecimento nos empréstimos consignados, estão sendo
investigados em outro processo, do qual Lula já se livrou por questões
de má técnica utilizada na denúncia. Só uma investigação do Ministério
Público poderá esclarecer toda a trama, e Lula deveria ser o primeiro a
querer ver tudo em pratos limpos. Ele saiu de sua mudez ontem para
dizer que as declarações de Marcos Valério são mentirosas, o que já é um
primeiro passo. Mas como Lula já disse, no início do escândalo do
mensalão, que fora “traído” por pessoas que tiveram práticas
“inaceitáveis” e depois mudou o discurso, afirmando que tudo não passou
de “farsa”, uma tentativa de golpe para derrubá-lo do governo, é preciso
mais para que não pairem dúvidas.
O que de pior pode acontecer no Brasil é se criar um ambiente em que um
líder político seja inimputável simplesmente por que, para alguns –
mesmo que formem a maioria momentânea – ele seja “um deus”, como já foi
definido por um de seus áulicos. Não é aceitável que Napoleão, o líder
dos porcos revolucionários na obra de George Orwell “A Revolução dos
bichos”, que sempre tinha razão, se transforme em um personagem da
política brasileira. O Supremo Tribunal Federal já deixou claro que
todos são iguais perante a lei, e não queremos que o país tenha um
retrocesso se tornando uma versão pós-moderna da fábula Orwell, onde uns
são mais iguais que outros.
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