[O texto abaixo é da autoria de Dora Kramer e foi publicado no jornal O Estado de S. Paulo. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]
Eis a questão
Dora Kramer - O Estado de S. Paulo - 09/12/2012
A argumentação jurídica de Ricardo Lewandowski sobre a perda dos
mandatos dos deputados condenados soou consistente, mas a questão
levantada por Joaquim Barbosa foi definitiva porque disse respeito à
vida: "É compatível com o mandato parlamentar alguém condenado a sete,
oito, nove anos de prisão?".
Eis a pergunta que a Câmara precisará responder depois que os outros
sete ministros do Supremo Tribunal Federal aptos ao voto no processo do
mensalão se manifestarem sobre três deputados condenados. A Casa deverá se posicionar em qualquer hipótese. Se o STF deixar com
ela a última palavra ou se entender que a cassação é automática. Neste
caso, se resolver reagir estará contratando um atrito inútil. Poderá espernear, mas objetivamente nada restará além de devolver o
assunto ao próprio STF, dono do veredito final gostem suas excelências
ou não.
Mas, não nos antecipemos aos fatos e caminhemos por partes.
Não está em discussão o mérito, já que a condenação penal é causa
prevista para a perda do mandato, mas a forma. A quem cabe o
"cumpra-se", ao Legislativo ou ao Judiciário? Depende do ponto de vista. O presidente da Câmara, Marco Maia, apoia-se
em dispositivo constitucional que confere esse direito ao Parlamento,
"por maioria absoluta e voto secreto".
A contar pelas manifestações até agora, o Legislativo não abre mão,
ignorando desta vez a tese ali bastante celebrada de que a regra deveria
ser mudada para transferir à Justiça o poder de interromper mandatos. Muitos deputados e senadores se dizem constrangidos de julgar seus pares
quando são examinadas propostas de cassação, alegando que esse tipo de
processo não pode ser político. Tal argumento não aparece na atual
discussão.
O ministro revisor adota a interpretação preferida da Câmara. Leva em
conta um artigo da Constituição e ignora outro que impõe a suspensão de
direitos políticos como decorrência da condenação penal. Se esta é
decidida pela Justiça, estaria aí claro que a ordem de "cumpra-se" é do
STF. Parece ser essa a visão da maioria, a julgar pelas manifestações dos
ministros durante a apresentação do voto de Lewandowski. Dessa maneira
também pensam os dois ministros que deixaram a Corte no curso do
julgamento, Cezar Peluso e Carlos Ayres Britto.
A despeito de toda fundamentação legal apresentada pelo revisor, o
raciocínio dele peca mesmo é naquele ponto em que o pensamento do
relator revela-se irrespondível: a lógica da vida como ela é. Como compatibilizar o exercício de um mandato de representação popular
com uma condenação penal, é a questão-chave de Joaquim Barbosa.
Ricardo Lewandowski não vê problema: "Nada impede que os réus exerçam
atividade laboral fora do estabelecimento carcerário para, depois,
voltarem para o repouso noturno". O primeiro fala sob a perspectiva moral, indispensável ao ofício
público, e o segundo usa a ótica factual, indiferente às peculiaridades
do agente detentor de representação popular. [Em seu afã de superar até mesmo os advogados de defesa dos réus políticos condenados, para não ficar mal com quem o nomeou para o STF -- o NPA (o Nosso Pinóquio Acrobata, Lula) -- Lewandowski faz contorcionismo jurídico-moral para vender a ideia de que parlamentar condenado pela Suprema Corte do país pode continuar exercendo o mandato e "representar o povo" -- entre outros absurdo dessa tese, fica a pergunta: e as imunidades inerentes ao mandato, como mantê-las para alguém condenado pela Justiça?! Só mesmo na cabeça de um Lewandowski!]
O cumprimento de um mandato não é uma "atividade laboral" como outra
qualquer, muito menos a volta do trabalho para "repouso noturno" em
"estabelecimento carcerário" pode ser vista como algo corriqueiro quando
se trata de parlamentares. Deles a Constituição exige decoro.
Pode haver falta de decoro maior que o cumprimento de um mandato de dentro de uma cela de penitenciária? E se ainda fossem poucos os senões, há um obstáculo intransponível:
cidadãos condenados por violarem as leis do País não podem continuar a
fazer as leis desse mesmo País. Uma contradição em termos, não fosse antes de tudo um disparate.
Palavreando. "Não estou surpreso", disse Lula a respeito da Operação
Porto Seguro em declaração típica de quem diz qualquer coisa quando não
pode dizer nada sem complicar mais as coisas.
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