[Mais uma coluna exemplar de Dora Kramer, hoje no Estadão. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]
Apropriação indébita
Dora Kramer -- O Estado de S. Paulo, 18/12/2012
A falta de limite entre o público e o privado ficou patente já nos
primeiros acordes do governo do PT quando a estrela vermelha virou
adorno dos jardins de Palácio da Alvorada, a fox terrier Michelle era
transportada em carro oficial e 14 amigos dos filhos do então presidente
Lula [o NPA] passavam duas semanas de férias em Brasília com direito a carona
em avião da FAB, hospedagem no Alvorada, churrasco na Granja do Torto,
tudo pago pela União.
De lá para cá ocorreram episódios bem mais graves de apropriação
indevida da coisa pública, seja no campo da política partidária ou no
terreno da ilegalidade comprovada.
Nada para o PT tem importância, todas as críticas a essa falta de
cerimônia são vistas como manifestação de mesquinharia ou como
evidências de conspiração.
Resultado: banalizaram-se os valores, derrubaram-se as divisas entre o
certo e o errado, interditou-se o exercício do contraditório.
Ao PT, a Lula [o NPA] e companhia tudo passou a ser permitido porque ganham
eleições e são vítimas de "preconceito". Intocáveis, não se sentem
obrigados a respeitar coisa alguma nem a pensar antes de falar. Ao ponto de um ministro, Gilberto Carvalho, deixar de lado a liturgia do
cargo e convocar às ruas a militância, avisando que 2013 será um ano
"brabo" durante o qual "o bicho vai pegar".
Pode-se alegar que o meio para a transmissão da mensagem foi o site do
PT, agremiação de natureza particular. Mas a autoridade de um ministro é
de Estado, delegada pela Presidência, sua voz tem abrangência, diz
respeito a todo o País. Nessa perspectiva, tal convocação em tom provocativo e de conteúdo
intimidador é indevida e significa uma apropriação de prerrogativa
pública para uso partidário.
Seria diferente se o ministro alertasse que o ano de 2013 será "brabo"
tendo em vista o cenário difícil da economia. Mas, não, na visão dele, o
"bicho vai pegar" devido às agruras de seu partido e à necessidade de
preservar a mítica da figura de Lula [o NPA]. Aflições que nem a todos brasileiros comovem e, portanto, não faz
sentido que o ministro tome a parte pelo todo e confunda o Brasil com o
PT.
É de se perguntar o que afinal de contas Gilberto Carvalho quis dizer
com isso. Se ele fez uma ameaça, abusou do poder. Se o caso foi de pura
bravata, perdeu uma excelente oportunidade de ficar calado.
Cumpra-se. Na conclusão do processo do mensalão, o
ministro Celso de Mello como sempre foi definitivo. Lembrou em seu voto
decisivo sobre a perda de mandatos dos condenados que o monopólio da
palavra final em matéria constitucional pertence ao Supremo Tribunal
Federal. Condição esta conferida pelo Congresso reunido em Assembleia Nacional Constituinte, nos anos de 1987 e 1988.
Portanto, não há crise em decorrência desse assunto. Se a Câmara quiser
reagir, aguarde os embargos infringentes e aposte na alteração da
composição da Corte quando do julgamento dos recursos que terá, então,
mais dois ministros em condição de votar. Qualquer atitude diferente é, para citar outra vez Celso de Mello, "politicamente equivocada e juridicamente inaceitável".
A conferir. Em princípio, Paulo Vieira, demitido da
Agência Nacional de Águas por suspeita de chefiar um esquema de
pareceres técnicos fraudulentos, fala com conhecimento de causa: "ANA é
um dos maiores cabides de emprego e cargos comissionados do governo, um
orçamento milionário, gasto com ONG, a maioria sem licitação".
O governo desqualifica, mas daria uma resposta mais qualificada se
demonstrasse que Vieira, cuja indicação para a agência mereceu do
Planalto a mobilização de mundos e fundos no Senado, mente.
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