Uma pesquisa inédita no mundo, coordenada pelo Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, conseguiu reprogramar células da pele de pacientes esquizofrênicos e transformá-las em neurônios. Esses neurônios foram
usados para identificar características bioquímicas da esquizofrenia. E,
num passo adiante, os pesquisadores puderam consertar as falhas nos
neurônios, fazendo com que trabalhassem como os de uma pessoa sem a
doença.
Feito exclusivamente com tecnologia nacional, o trabalho uniu cientistas
da UFRJ, UFRGS, USP e Instituto Nacional do Câncer (Inca), e foi aceito
para publicação pela revista "Cell Transplantation". Sua primeira
apresentação será esta manhã, na Academia Brasileira de Ciências.
Liderada pelo neurocientista Stevens Rehen, coordenador do Laboratório
Nacional de Células-Tronco (LaNCE/UFRJ), a equipe isolou células da pele
de 11 pacientes esquizofrênicos. Nesta primeira etapa, os cientistas
trabalharam com o material extraído de uma mulher de meia idade.
Em dois meses, as células foram isoladas e multiplicadas em laboratório.
Depois, foram reprogramadas com o uso de vírus que carregavam genes
específicos de células embrionárias. Sua conversão em neurônios, após
mais 40 dias, permitiu identificar uma anormalidade no metabolismo das
células.
"Não há qualquer diferença nas células da pele de esquizofrênicos e de
não-portadores do transtorno" - ressalta Rehen. - Mas houve uma alteração
bioquímica no estágio inicial do desenvolvimento do sistema nervoso,
durante a transformação da célula embrionária em neurônio. Constatamos
que este material, nos pacientes com esquizofrenia, consome duas vezes
mais oxigênio do que uma pessoa saudável".
Segundo o neurocientista, a mudança no metabolismo não aumentou a
ocorrência de morte celular. Ainda assim, pode ter alterado a produção
de proteínas e o processo de envelhecimento das células, além da troca
de informações entre elas.
Estas falhas foram remediadas na última etapa do estudo, quando os
pesquisadores usaram ácido valproico, uma substância usada no tratamento
de portadores de transtornos mentais. Foi a primeira vez no mundo em
que se reverteu, no laboratório, marcas bioquímicas de neurônios humanos
com esquizofrenia.
As células produzidas em laboratório podem ser multiplicadas em
quantidades praticamente infinitas. A placa em que são colhidas tem 384
espaços - cada um deles pode gerar uma colônia. E esta placa pode ser
usada dezenas de vezes.
"Poderemos testar centenas de tratamentos para o transtorno mental ao
mesmo tempo - explica Rehen. - Os neurônios que vêm da pele vão acelerar
o processo de identificação desses medicamentos. Vamos conversar com os
psiquiatras do nosso grupo de pesquisadores para identificar que
remédios, e em que dosagem, terão prioridade".
É, de acordo com ele, o início de uma medicina personalizada - afinal,
alguns pacientes usam vários remédios até encontrar um que reduza seus
surtos psicóticos. E o melhor: tudo será feito em laboratório, sem que a
pessoa sirva como cobaia.
A conversão em neurônios das células de pele de outros dez pessoas com a
doença já está em andamento. A partir deste estudo, Rehen quer criar um
banco de células-tronco reprogramadas de pacientes com desordens
mentais.
- O caminho para a cura de doenças mentais passa pela análise das
células vivas. "Não devemos limitar o estudo aos tecidos de pacientes
mortos, como era feito até agora - assinala Rehen. - Nossa ideia é
formar este banco de células e torná-lo disponível a quem quiser
estudar".
Este é apenas o segundo trabalho no mundo que mostra alterações nas
células de esquizofrênicos. Uma grande vantagem do estudo, segundo
Rehen, é ter a etapa inicial com células da pele, que podem ser obtidas
com facilidade. Os dados obtidos sobre o transtorno mental a partir
deste método peculiar casam com outros indicadores, já corroborados pela
literatura médica.
Uma em cada cem pessoas do mundo sofre de esquizofrenia, um
transtorno psiquiátrico crônico, grave e incurável, normalmente iniciado
na adolescência ou no início da vida adulta. No Brasil, a doença
acomete 1,9 milhão de pacientes - quase o triplo dos portadores de HIV
(630 mil) - e provoca um gasto público anual superior a R$ 25 milhões.
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