Nas semanas seguintes aos atentados de 11 de setembro de 2001, o Brasil reagiu, em uma reunião cercada de sigilo, à posição norte-americana de apontar a região da Tríplice Fronteira (Brasil, Argentina e Paraguai) como um foco de grupos terroristas.
É o que revelam os telegramas confidenciais inéditos produzidos pelo Itamaraty e liberados à consulta após um pedido da Folha de S. Paulo.
O recado ao governo de George W. Bush foi dado pelo então ministro-chefe
do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), vinculado à Presidência,
general Alberto Mendes Cardoso. Ele se reuniu em Washington com
funcionários da CIA, a agência central de inteligência dos EUA, e com o
embaixador Francis Taylor, então coordenador de contraterrorismo do
Departamento de Estado.
No encontro, Cardoso ressaltou "a necessidade de não 'satanizar' a
região da Tríplice Fronteira, acusando-a, sem indícios, de ser uma área
de terrorismo".
Dias depois, Cardoso disse ao Itamaraty que boicotaria seminário apoiado
pelos EUA no Paraguai para discutir a "prevenção do terrorismo e do
crime organizado".
Um telegrama confidencial enviado pelo Itamaraty à embaixada brasileira
em Washington diz que Cardoso afirmou aos norte-americanos que "não se
deveria perder tempo com encontros de viés acadêmico".
O Itamaraty encampou a visão de Cardoso e desautorizou seu corpo
diplomático a tomar "decisões" durante o seminário, liberando apenas
"intercâmbio de ideias e de pontos de vista".
Outros telegramas recém-liberados reafirmam o incômodo do Brasil com as acusações sobre a fronteira.
Os documentos mostram que, em 5 de outubro de 2001, o embaixador
brasileiro em Washington, Rubens Barbosa, "manifestou preocupação" a
Steven Monblatt, vice-coordenador para contraterrorismo do Departamento
de Estado, sobre "repetidas declarações" do governo dos EUA sobre a
fronteira.
Dias antes, Monblatt havia dito à Folha ver "elos" do terrorismo na
região. Na conversa com Barbosa, Monblatt disse que a América Latina era
uma "região de apoio" para os terroristas.
Barbosa deixou registrado: "[Monblatt] não apresentou qualquer elemento de informação para respaldar sua afirmação".
No mesmo mês, Barbosa contou em telegrama que tentou se encontrar com
autoridades do FBI (equivalente à Polícia Federal brasileira) para
explicitar a posição brasileira, mas o FBI recusou a audiência. O
argumento apresentado foi que o FBI não recebia "embaixadores
estrangeiros", o que era incorreto, segundo Barbosa. "Ao chegar [a Washington], no âmbito das visitas que fiz a diversos
órgãos da Administração [dos EUA], fui muito bem recebido no FBI."
Dez anos depois, Barbosa disse à Folha que as acusações dos EUA sobre a Tríplice Fronteira continuam sem qualquer fundamento. "Eles nunca nos apresentaram provas do que diziam."
À parte essa área de atrito, as relações entre Brasil e EUA se estreitaram nos dias posteriores ao 11 de Setembro. Logo após o atentado, o Brasil evocou, em votação na OEA (Organização
dos Estados Americanos), o tratado militar Tiar, que age como mecanismo
de autodefesa coletiva dos países da região em caso de ataque externo.
Nas conversas que Barbosa manteve naqueles dias, autoridades
norte-americanas elogiaram a medida brasileira, qualificando o país como
"um verdadeiro amigo".
Nenhum comentário:
Postar um comentário