segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Triplice Fronteira gerou atrito com EUA, apontam telegramas

Nas semanas seguintes aos atentados de 11 de setembro de 2001, o Brasil reagiu, em uma reunião cercada de sigilo, à posição norte-americana de apontar a região da Tríplice Fronteira (Brasil, Argentina e Paraguai) como um foco de grupos terroristas. É o que revelam os telegramas confidenciais inéditos produzidos pelo Itamaraty e liberados à consulta após um pedido da Folha de S. Paulo.

O recado ao governo de George W. Bush foi dado pelo então ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), vinculado à Presidência, general Alberto Mendes Cardoso. Ele se reuniu em Washington com funcionários da CIA, a agência central de inteligência dos EUA, e com o embaixador Francis Taylor, então coordenador de contraterrorismo do Departamento de Estado.  No encontro, Cardoso ressaltou "a necessidade de não 'satanizar' a região da Tríplice Fronteira, acusando-a, sem indícios, de ser uma área de terrorismo".

Dias depois, Cardoso disse ao Itamaraty que boicotaria seminário apoiado pelos EUA no Paraguai para discutir a "prevenção do terrorismo e do crime organizado".  Um telegrama confidencial enviado pelo Itamaraty à embaixada brasileira em Washington diz que Cardoso afirmou aos norte-americanos que "não se deveria perder tempo com encontros de viés acadêmico". O Itamaraty encampou a visão de Cardoso e desautorizou seu corpo diplomático a tomar "decisões" durante o seminário, liberando apenas "intercâmbio de ideias e de pontos de vista".

Outros telegramas recém-liberados reafirmam o incômodo do Brasil com as acusações sobre a fronteira. 

Os documentos mostram que, em 5 de outubro de 2001, o embaixador brasileiro em Washington, Rubens Barbosa, "manifestou preocupação" a Steven Monblatt, vice-coordenador para contraterrorismo do Departamento de Estado, sobre "repetidas declarações" do governo dos EUA sobre a fronteira. Dias antes, Monblatt havia dito à Folha ver "elos" do terrorismo na região. Na conversa com Barbosa, Monblatt disse que a América Latina era uma "região de apoio" para os terroristas. Barbosa deixou registrado: "[Monblatt] não apresentou qualquer elemento de informação para respaldar sua afirmação".

No mesmo mês, Barbosa contou em telegrama que tentou se encontrar com autoridades do FBI (equivalente à Polícia Federal brasileira) para explicitar a posição brasileira, mas o FBI recusou a audiência. O argumento apresentado foi que o FBI não recebia "embaixadores estrangeiros", o que era incorreto, segundo Barbosa. "Ao chegar [a Washington], no âmbito das visitas que fiz a diversos órgãos da Administração [dos EUA], fui muito bem recebido no FBI."
Dez anos depois, Barbosa disse à Folha que as acusações dos EUA sobre a Tríplice Fronteira continuam sem qualquer fundamento. "Eles nunca nos apresentaram provas do que diziam."

À parte essa área de atrito, as relações entre Brasil e EUA se estreitaram nos dias posteriores ao 11 de Setembro. Logo após o atentado, o Brasil evocou, em votação na OEA (Organização dos Estados Americanos), o tratado militar Tiar, que age como mecanismo de autodefesa coletiva dos países da região em caso de ataque externo. Nas conversas que Barbosa manteve naqueles dias, autoridades norte-americanas elogiaram a medida brasileira, qualificando o país como "um verdadeiro amigo".
General Alberto Mendes Cardoso (Foto: Google).

Embaixador Rubens Barbosa (Foto: Google).

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