quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Crise cria classe de novos pobres na Espanha

A situação da Espanha no contexto da crise europeia me preocupa muito por causa da forte presença do banco Santander no Brasil, principalmente depois que comprou o Banco Real.

A crise econômica vem causando uma perigosa mudança social na Espanha, empurrando de volta para a pobreza uma classe de pessoas que até então vinha ascendendo economicamente. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), mais de um em cada cinco espanhóis – 21% da população, ou cerca de 10 milhões de pessoas – era classificado como pobre em julho, e analistas estimam que este índice chegue a 22% até o fim do ano. Em 1991, era de 14%. O governo espanhol considera pobres os indivíduos com renda familiar abaixo de 570 euros mensais (cerca de R$ 1.300). As famílias com renda inferior a 215 euros (cerca de R$ 490) são consideradas na pobreza extrema. Uma de cada quatro famílias não tem dinheiro o suficiente para saldar as dívidas no fim do mês.

A pesquisa estatal sobre a população economicamente ativa indica que em 2009 havia 4% das famílias com todos os integrantes desempregados. No primeiro trimestre de 2011, a taxa alcançou 11%. Os serviços sociais estão sobrecarregados. Há quase 30 anos não havia tanta demanda. E o que mais chama a atenção dos pesquisadores é o perfil da nova classe. Os solicitantes de auxílio são geralmente trabalhadores entre 20 e 40 anos, alguns com formação profissional, que antes da crise tinham imóveis e bons salários.

"Com a falta de ofertas de trabalho, eles passaram a ser desempregados de longo prazo. Trata-se de uma crise que está mudando a vida das pessoas de maneira radical", disse à BBC Brasil o Secretário Geral da ONG Cáritas-Espanha, Sebastián Mora. O responsável pela área de assistência social da igreja Católica explicou que nas décadas passadas a Cáritas ajudava indigentes, ciganos e imigrantes sem família na Espanha. Agora, estas ajudas se dividem entre imigrantes (60%) e espanhóis (40%) que até pouco tempo atrás pertenciam à classe média. "Tinham créditos bancários para pagar casas e carros e não sobravam recursos para economizar. Hoje solicitam caridade envergonhados. Jamais pensaram que passariam por isso", afirmou Mora.

O relatório Observatório da Realidade Social, feito pela Cáritas, mostra que os pedidos de ajuda mais que dobraram em quatro anos. De 950 mil pessoas atendidas em 2010, 35% recorreram ao auxilio de caridade pela primeira vez.  Segundo a instituição religiosa, estes novos pobres usam quase tudo que obtêm através de ajudas do governo para pagar aluguéis ou créditos bancários, o que não deixa o suficiente para contas, comida e roupa.


As crianças são as principais vítimas desta situação. Em novembro de 2010, a Unicef divulgou um relatório sobre a pobreza infantil denunciando que um de cada quatro menores na Espanha pertence a uma família cuja renda está 60% abaixo da média nacional. Este índice coloca a Espanha quase na lanterninha das nações da União Europeia. No grupo dos 27 países do euro, apenas Romênia, Bulgária, Letônia e Itália têm taxas inferiores. O Instituto Nacional de Estatística confirma os dados. No segundo trimestre de 2011, quase 2 milhões de menores de idade (24,1% do total) moravam em casas onde faltavam elementos básicos.

O governo admitiu que terá que revisar o sistema de benefícios, porque as contribuições estão sendo insuficientes, os recursos humanos estão sobrecarregados e alguns problemas burocráticos atingem pessoas em situação insustentável. A fila é tão grande que o tempo de espera para atendimento em uma seção de assistência social pública é de 65 dias. Em instituições de caridade, como a Cáritas, o prazo cai para uma semana.

As estatísticas da Espanha atual contrastam com a de um país que até seis anos atrás criava 500 mil empregos por ano e que, em uma década de prosperidade, importou 5 milhões de imigrantes. "A verdade é que vivíamos uma bonança que não correspondia à economia real", disse à BBC Brasil o professor de Economia Aplicada da Universidade Complutense de Madri Ignácio Alvarez. "Não era lógico que as empreiteiras espanholas produzissem mais do que Reino Unido, Alemanha e França juntos a cada ano. Quando estourou a bolha da construção, percebeu-se como os valores de certos ativos, como imóveis, estavam inflados. Agora o caminho é reinventar o modelo produtivo."

Segundo o Barômetro Social Nacional, com o boom do setor da construção o PIB da Espanha cresceu mais de 60% nos últimos 15 anos. Entre 1994 e 2007 os imóveis se valorizaram 175% e os valores de ações e ativos financeiros subiram 130%. A socióloga Violante Martínez, professora da Universidade à Distância (Uned), avalia que quem se beneficiou muito dessa bonança também entrou em queda livre com ela. "Trabalhadores que antes da crise tinham um status econômico acima do seu nível de formação ascenderam bruscamente. Agora seus negócios quebraram e eles estão endividados", afirmou. "Mas são pobres transitórios. Terão que reconduzir sua economia e viver em outra realidade, mas certamente sairão deste baque."

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