Os cabelos e sotaques estavam errados, mas a plateia só tinha
interesse numa coisa: a banda da casa estava cantando Beatles, aqui em Cuba, em um bar novo chamado Yellow Submarine --em meados dos anos 1960,
uma iniciativa desse tipo no país poderia ter acabado em prisões.
Melhor ainda: talvez em função dessa história, os integrantes da banda
tocaram como rebeldes. Velozes e crus, eles passavam pelas linhas de
baixo de "Dear Prudence" como se a canção fosse nova. Tocaram "Rocky
Raccoon" em ritmo acelerado e, quando chegaram ao verso inicial de "Let
It Be" --"when I find myself in times of trouble"--, a plateia inteira
começou a cantar junto. As pessoas balançavam o corpo, olhavam fixamente
para os músicos ou cantavam o refrão a plenos pulmões, com os olhos
fechados em êxtase.
"Se não há Beatles, não há rock'n'roll", disse Guille Vilar, um dos coproprietário do bar. "Isto é música autêntica." -- "Este lugar é diferente", disse Alexander Peña, estudante de fora de Havana que estava sentado no bar com três amigos.
Mesmo assim, o bar é inteiramente cubano. O Ministério da Cultura é
proprietário e administrador do estabelecimento, aberto em março. Isso
significa um couvert barato (US$ 2,50), imagens dos Beatles sem
licenciamento oficial e garçons trajando os coletes pretos habituais
-aos quais, como de praxe, é preciso fazer o pedido pelo menos três
vezes antes que qualquer bebida seja servida de fato.
Pode ser que agora Guille Vilar possa declarar o que diz, mas os revolucionários cubanos não souberam muito bem como
interpretar a música dos Beatles quando ela foi lançada, tempos atrás. Hoje, os vínculos
entre o rock de contracultura e a política de esquerda são plenamente
conhecidos. Mas naquela época, as autoridades cubanas --ou algumas
delas, pelo menos-- enxergavam qualquer coisa em inglês como sendo
americana e quase traiçoeira. Ao lado dos cabelos compridos, dos jeans
boca de sino e da homossexualidade, os Beatles eram vistos como motivo
de alarme ou prisão, em um tempo em que uniformes militares verdes
representavam uma declaração solene.
Muitos cubanos ainda se lembram de ter de ouvir às escondidas qualquer
álbum dos Beatles que conseguissem encontrar, no período que sucedeu à
crise dos mísseis cubanos (1962) e ao embargo comercial americano.
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