segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Porque os alemães ricos têm que pagar mais imposto

Toda vez que se fala em reforma fiscal, aqui ou nos EUA, ou mesmo alhures, a questão da tributação dos ricos e das grandes fortunas vem à tona e aí ninguém mais se entende, ou finge não se entender. O lobby contra é forte, surgem aqueles que dizem que isso é paliativo, quantitativamente insuficiente para resolver os problemas de caixa de qualquer país, e a coisa basicamente não anda. Sarkozy acaba de criar esse imposto e a França não veio abaixo. Nos EUA, Obama foi derrotado pelos republicanos e alguns democratas quando tentou fazer isso. Recentemente, recebeu um apoio indireto do bilionário americano Warren Buffet que há pouco deu cifras reais ao problema, quando reclamou da injustiça de ele ter uma taxação de 17% enquanto sua recepcionista paga 30% -- justiça se faça, Buffet tem protestado contra essa injustiça fiscal há anos.

Acho que a discussão é bagunçada de propósito. Para mim, o problema é até muito mais ético e de justiça, do que quantitativo -- o exemplo citado por Buffet é típica e inequivocamente indecoroso e absurdo. É simplesmente indefensável  ter-se um rico pagando proporcionalmente menos imposto que um cidadão menos abastado que ele. Vejamos agora um artigo sobre isso, com o título desta postagem, de autoria de Jacok Augstein e publicado na prestigiosa Spiegel Online de 26 deste mês.  O autor pode às vezes ser considerado extremado, mas acho que diz um bocado de verdades.

A Alemanha é a terra da desigualdade. O gap entre ricos e pobres aumentou, e cortar serviços públicos para equilibrar o orçamento só fará piorar a situação. Se somos sérios sobre salvar a democracia na Alemanha, temos que elevar os impostos para os ricos.

Uma crise é um momento decisivo. Em medicina, quando uma doença atinge seu ponto mais crítico o futuro do paciente depende de uma questão de equilíbrio entre forças contrárias. O médico faz o que pode, e então espera para ver se a crise resulta numa recuperação ou na morte.

Os recentes tumultos em Londres mostram como será a morte de nossa sociedade. Estamos ameaçados por uma instabilidade social, que pode nos levar ao colapso e à anarquia sociais -- a uma espécie de Somália privada. Para evitar isso, será necessário um esforço sério dos poderosos. Nosso sistema exige uma mudança completa de rumo. Uma política de desigualdades nos levou a essa crise. Se seguirmos nessa estrada, isso será nossa derrocada.

É hora de usar a crise como uma oportunidade para mudanças. Em outras palavras, é hora de aumentar impostos.

A Alemanha é uma terra de desigualdades. Isto não é um dogma da esquerda, mas um fato elementar. Nosso sistema leva a uma "redistribuição de riqueza do pobre para o rico". Esta foi a conclusão recente de Paul Kirchof, um conservador que é professor de direito e um especialista em impostos que Angela Merkel quis uma vez nomear como ministro de finanças. Se nosso sistema precisa sobreviver no longo prazo, algo tem que mudar.

Deixe-me descrever a situação atual em poucas figuras. As 5.000 famílias de melhor renda na Alemanha aumentaram sua participação na renda total nacional em cerca de 50% desde meados dos anos 1990. No mesmo período, a renda real de todos os alemães permaneceu praticamente a mesma por esse espaço de tempo. A participação líquida dos salários -- isto é, a parcela da renda nacional devida aos salários -- era de cerca de 44% na Alemanha Ocidental até os anos 1980. Dez anos mais tarde, era de apenas um pouco acima de 38%. Agora, é de cerca de 35%. No mesmo período, a porção de receita devida a lucros aumentou continuamente.

Estão ocorrendo redistribuições enormes. Este é um fato conhecido já há algum tempo, mas a maioria de nós fica apenas sentada e observando o que ocorre. Por que? Porque a ideologia da privatização, do governo menor e do neoliberalismo tem confundido e enevoado as mentes de uma geração.

Mas a ideologia começa agora a mostrar rachaduras. Escrevendo recentemente na edição de domingo do jornal conservador peso-pesado Frankfurter Allgemeine Zeitung, o proeminente jornalista alemão Frank Schirrmacher argumentou que uma década de políticas econômicas baseadas em mercados financeiros frouxamente regulados tem provado ser a maneira "mais exitosa" de tornar novamente popular a crítica da esquerda relativa ao capitalismo de livre mercado, crítica essa que tinha caído em desprestígio.

Não foi a força dos argumentos da esquerda que venceu e subjugou o capitalismo. O capitalismo cresceu por tanto tempo, que alcançou o ponto de se tornar incompatível com a democracia. Vivemos em um sistema em que poucos lucram, mas a maioria não. Mas, numa democracia, a maioria ainda é necessária nas eleições de poucos em poucos anos. Dela se espera que dê seus votos -- e depois fique quieta. Em retribuição ao seu serviço, o Estado distribui benefícios (cada vez menores) do erário público. Mas, de onde deve vir o dinheiro, se os ricos e as corporações pagam impostos cada vez menores e guardam seu dinheiro para si mesmos, enquanto os pobres não pagam impostos porque não têm dinheiro?

Resposta: dívida. Dívida pública é o preço pago pelos países para permitir que os ricos fiquem cada vez mais ricos, e os pobres cada vez mais pobres. Esse sistema chegou agora ao fim de sua jornada.

Uma estratégia de mimar os ricos e apaziguar os pobres não pode funcionar mais. A única escolha agora é aumentar impostos ou cortar gastos.

Mas, se o governo cortar gastos a desigualdade aumentará. Quer se trate de instalações públicas como escolas, piscinas, bibliotecas ou hospitais, os ricos não se importam se elas estão em boas condições, mas cada um dos demais cidadãos se importa. A fúria popular aumentará. Podemos imaginar para onde isso poderia levar a Alemanha -- para a extrema direita. Se o governo cortar gastos, não reformará o sistema em direção a mais democracia. Em vez disso, o empurrará para o totalitarismo.

Se quisermos salvar nossa sociedade, só há uma saída: aumentar impostos. A faixa de imposto mais alta na Alemanha é mais baixa do que nunca. No passado, 53 e 56 por cento eram níveis normais -- agora, a faixa máxima de imposto de renda é de 42%. O rico que tirar proveito de todas as brechas da tributação paga apenas um pouco acima de 30%. Isto é uma doidice. O Estado não pode mais se dar ao luxo de ter que cumprir com seus compromissos sem o dinheiro de seus cidadãoa mais ricos. O professor de economia de Berlim Giacomo Corneo pediu uma faixa de tributação de 66% para os maiores ganhadores do país. Ele tem razão.
Um corretor de ações bebe champagne na Bolsa de Frankfurt. Os ricos da Alemanha precisam pagar mais (Foto: AP).

2 comentários:

  1. Estou esperando a publicacao de um livro que faca critica imparcial e abrangente do neo liberalismo. Ele certamente levera em conta os argumentos do artigo acima. A categorizacao do capitalismo como elemento essencial da democracia me parece uma das causas da crise que aos poucos vem tomando conta do mundo. Se a democracia e sacrosanta, o capitalismo tambem o e, necessariamente. Mas se considersarmos o capitalismo apenas como instrumento economico, o mais eficaz ate hoje criado, muda-se a perspectiva de como se deve ver a economia. Numa epoca em que a criacao de empregos parece ser a principal preocupacao dos governantes, e obvio que o capitalismo sozinho nao pode resolver o problema. O capitalismo cria mais desemprego do que emprego, sobretudo modernamente ao incorporar mais e mais tecnologia para reduzir mais e mais o fator mao de obra, resultando na frustracao da lei de Jean Batiste Say, que diz que todo sistema economico deve consumir o que produz. O que vemos sao sistemas economicos altamente eficientes (Estados Unidos e alguns paises europeus) produzindo grandes excedentes e tentando empurra-los para outros com base no argumento do livre mercado. A China implodiu o mito da dicotomia democracia/capitalismo e usa o capitalismo como instrumento economico para resolver seus imensos problemas internos, mas, ao exportar os excedentes para o resto do mundo, numa quantidade e variedade ainda nao igualadas por nenhum pais avancado ocidental, esta colocando o sistema economico vigente sob gigantesca pressao. Mas vamos esperar o livro.

    Mario Santos

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  2. Concordo inteiramente com esse excelente comentário.

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