Refletindo sobre as tempestades financeiras que fustigam a Europa e
os Estados Unidos, Seth Zalkin, banqueiro americano vestido casualmente,
tomava um cafezinho e parecia satisfeito com sua decisão de mudar-se
para cá, em março, com sua mulher e o filho deles.
"Se o resto do mundo está afundando, este é um bom lugar para estar", disse Zalkin, 39 anos.
Para quem guarda uma recordação, mesmo que fraca, da crise da dívida
vivida pelo próprio Brasil nos anos 1980, a ordem global foi colocada de
ponta-cabeça. A economia dos EUA pode estar se arrastando de joelhos,
mas no ano passado a do Brasil cresceu no ritmo mais acelerado de mais
de duas décadas anteriores, e o desemprego está em baixa histórica,
parte da transformação do Brasil de caso inflacionário perdido em um dos
maiores credores de Washington.
Com salários que rivalizam com os de Wall Street, tantos banqueiros,
gerentes de fundos hedge, executivos petrolíferos, advogados e
engenheiros estrangeiros vêm se mudando para cá que os preços de imóveis
comerciais de alto padrão este ano superaram os de Nova York, fazendo
do Rio a cidade mais cara das Américas em termos de aluguel desses
espaços, segundo a empresa imobiliária Cushman & Wakefield.
Uma mentalidade de corrida ao ouro domina o ambiente, com o número de
autorizações de trabalho para estrangeiros subindo 144% nos últimos
cinco anos, sendo que o contingente de profissionais altamente
instruídos que vêm se radicando no Brasil é liderado por americanos. Chegando aqui, eles se deparam com um país que enfrenta um desafio muito
diferente daquele que é encarado pelos EUA e a Europa: o receio de que a
economia esteja ficando superaquecida.
Não é de hoje que empresários sentem-se atraídos pelo Brasil, e o mesmo
acontece com vigaristas interessados em enriquecer rápido, sonhadores
com grandeza amazônica e até mesmo foras-da-lei como Ronald Biggs, o
britânico que fugiu para o Rio depois de seu grande assalto a um trem
postal inglês em 1963.
Hoje, porém, as escolas que recebem alunos americanos e de outras
famílias de língua inglesa têm longas listas de espera, apartamentos
podem custar US$ 10 mil por mês nas áreas mais cobiçadas do Rio, e
muitos dos recém-chegados são diplomados pelas melhores universidades
dos EUA ou possuem experiência de trabalho nos pilares da economia
global.
Uma coisa que constitui um choque especial para os recém-chegados é a
força do real. Isso pode beneficiar brasileiros que vêm comprando
apartamentos em lugares como South Beach, em Miami, onde os imóveis
custam cerca de um terço dos preços de imóveis equivalentes nos bairros
de alto padrão do Rio. Mas prejudica os manufatureiros e exportadores
brasileiros.
Assim, em uma tentativa de impedir uma valorização ainda maior do real, o
Brasil hoje é um dos maiores compradores de títulos do Tesouro
americano, elevando seus interesses em jogo na economia americana
enfraquecida. É uma quebra nítida com o passado, quando Washington
ajudou a montar pacotes de resgate para o Brasil durante suas crises
financeiras.
"O Brasil está se saindo muito bem, mas, francamente, semana sim, semana
não eu me pergunto 'quando isto vai acabar?'", disse Mark Bures, 42,
executivo americano que se mudou para o Rio em 1999, em tempo de
assistir a uma desvalorização abrupta do real e outras oscilações
acentuadas na prosperidade brasileira.
O boom recente das commodities e o crescimento do consumo interno,
resultado da expansão da classe média, ajudaram a converter o Brasil em
potência em ascensão que se recuperou facilmente da crise financeira
global de 2008. No ano passado a economia cresceu 7,5%, e a expectativa é
que este ano registre crescimento de 4% --menor, mas ainda invejável
nos Estados Unidos.
Apesar disso, o Brasil apresenta muitos desafios que podem desencorajar
estrangeiros que chegam ao país. A legislação trabalhista dá preferência
à contratação de profissionais brasileiros em lugar de estrangeiros, e o
demorado processo de obtenção de um visto de trabalho pode surpreender
quem não está acostumado à colossal burocracia brasileira. Mesmo assim, os estrangeiros vêm chegando, e as autorizações de trabalho
para eles aumentaram mais de 30% em número apenas em 2010, segundo o
Ministério do Trabalho.
Os americanos formam o maior grupo de estrangeiros que está se mudando
para o Brasil, seguidos por contingentes de britânicos e outros
europeus. Alguns vêm para contratos de trabalho temporários. Outros
estão fundando empreendimentos pequenos ou grandes. Outros estrangeiros vêm assumindo empregos em empresas brasileiras que
estão crescendo com um boom resultante em parte do comércio do Brasil
com a China. "Nossos salários aqui no Brasil são pelo menos 50% mais altos que os
salários pagos nos EUA por cargos estratégicos", disse Jacques Sarfatti,
gerente para o Brasil da Russell Reynolds, firma que recruta executivos
de empresas.
Alguns economistas consideram o real a moeda mais sobrevalorizada do
mundo, com relação ao dólar, e a inflação vem subindo (conforme
evidenciam Big Macs por US$6,16 e martínis por US$35). As taxas de juros
teimam em continuar altas, e analistas discutem a possibilidade de
estar se formando uma bolha de crédito, na medida em que os consumidores
continuam mergulhados em uma orgia de compras de tudo, desde casas até
carros, que já vem acontecendo há anos.
As enormes descobertas brasileiras de petróleo na camada do pré-sal
também vêm atraindo investidores e estrangeiros, entre os quais milhares
de filipinos que trabalham em navios e plataformas petrolíferas
marítimas. Para suas outras indústrias, o Brasil precisa de estimados 60
mil novos engenheiros, alguns dos quais precisam vir do exterior, em
vista das insuficiências do sistema de ensino brasileiro.
"Eu me mudei para cá de Pequim um ano atrás e acho o potencial para o
desenvolvimento profissional incrível", disse a chinesa Cynthia Yuanxiu
Zhang, 27, gerente de uma empresa de tecnologia. "Já estou planejando
estender minha estadia aqui para bem mais adiante nesta década."
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