quinta-feira, 25 de agosto de 2011

As variações climáticas têm influência sobre os conflitos

Em 20 de janeiro deste ano fiz neste blog uma postagem com o título "Mudança climática teria contribuido para a queda do império romano", baseado em um artigo do jornal francês Le Monde que defendia a tese que a debacle do poderio romano teria tido uma forte influência das alterações climáticas enfrentadas por ele e por seus dominados. Agora surge um outro estudo, também recente, que defende e justifica a mesma teoria de que as mudanças climáticas têm um impacto sobre a propensão das pessoas e povos de usar a violência

As variações climáticas, como a do El Niño e La Niña, têm um impacto sobre a deflagração de conflitos nas regiões afetadas por esses ciclos naturais, um fenômeno que pode ser agravado pela poluição industrial, alerta um estudo publicado na quinta-feira passada.

Os países tropicais, vítimas de tempestades provocadas pelo fenômeno climático El Niño, são duas vezes mais suscetíveis de serem afetados por conflitos internos do que os países submetidos ao fenômeno mais úmido e menos quente chamado La Niña, segundo o estudo publicado na revista científica Nature. A fome, agravada, na Somália, por uma guerra civil que atinge o Chifre da África (o nordeste africano), é um exemplo típico dos efeitos das variações do clima cujas causas são naturais, provocando seca e tensões em uma sociedade já fragilizada, segundo os autores do estudo. Eles acrescentam que é preciso também tirar as lições dos riscos decorrentes do aquecimento climático, neste casoprovocado pela poluição industrial.

"O estudo mostra inequivocamente que, mesmo no nosso mundo moderno, as variações climáticas têm um impacto sobre a propensão das pessoas e povos a empregar a violência", explica Mark Cane, climatologista do Observatório da Terra Lamont-Doherty junto à Universidade de Columbia, de Nova Iorque.

Conhecido pela abreviação ENSO (sigla em inglês para El Niño - Oscilação Sul), El Niño, que afeta o hemisfério sul, é um ciclo que aparece a cada dois ou sete anos e que dura entre nove meses e dois anos -- acarreta perdas maciças na agricultura, na pesca e na exploração florestal. O fenômeno começa pelo acúmulo de massas de água quente na parte ocidental do Pacífico tropical, e atravessa em seguida o oceano. Esta parte do ciclo, denominada El Niño, pode gerar modificações dramáticas nas chuvas e nas temperaturas, dando início a canículas, e ventos secos e violentos na África, no sul e no sudeste da Ásia, e na Austrália.

Quando o ciclo se inverte ele se chama La Niña, com o esfriamento das massas de água da parte oriental do Pacífico, favorecendo a ocorrência de fortes chuvas nessas regiões.

Os autores do estudo examinaram esses diferentes fenômenos climáticos observados entre 1950 e 2004, e superpuseram os dados às informações relativas aos conflitos civis internos que tinham feito pelo menos 25 mortos em um país no mesmo período. Assim fazendo, examinaram 175 países e 234 conflitos, dos quais mais da metade havia causado mais de 1.000 mortes nesses enfrentamentos.

Durante os períodos de observação do fenômeno La Niña a probabilidade de eclosão de um conflito era de 3% e, durante os ciclos do El Niño, ela era de 6% ou seja, duas vezes mais, mostra o estudo.  O risco de conflito nos países não afetados por esses dois fenômenos se situava em 2%. Segundo os pesquisadores, o El Niño pode ter desempenhado um papel em 21% dos casos de guerras civis no mundo, um valor que se aproxima de 30% nos países afetados especificamente por esse fenômeno climático. 

Solomon Hsiang, principal autor do estudo, qualificou o El Niño de fator invisível, porque provocou perdas de colheitas, favoreceu o surgimento de epidemias depois de furacões devastadores, e aumentou a fome, o desemprego e as desigualdades que, por sua vez, alimentaram desentendimentos e descontentamentos. Outros fatores suscetíveis de influenciar o nível de risco de uma guerra civil são o crescimento demográfico, a prosperidade e a capacidade dos governos de administrar os eventos ligados ao El Niño. Segundo Hsiang, a crise na Somália, que não foi incluída no estudo, é um "exemplo perfeito" das consequências ocultas do El Niño.
Refugiados sudaneses perto de Aweil, no sul do Sudão, em 14  de janeiro de 2011 (Foto: Paul Banks/AFP).

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