terça-feira, 24 de julho de 2012

Para poupar energia, Alemanha investe em edifícios inteligentes

[O texto abaixo é da autoria de Daniela Chiaretti e foi publicado hoje no  jornal Valor Econômico. Um exemplo a ser seguido pelo Brasil, país tropical em que ainda se veem (no Rio, por exemplo) prédios "modernos" com fachadas de vidro fumê do teto ao chão. A jornalista viajou à Alemanha a convite do governo alemão.]

O prédio da Daimler é o de cor amarelada e a textura do revestimento não revela que aquilo é cerâmica. No interior do edifício, o pé direito altíssimo termina em teto transparente. Cada feixe de luz natural é bem-vindo, o clima é agradável e não se vê sinal de ar-condicionado. No subsolo, 19 materiais diferentes são reciclados rotineiramente e, da cobertura, 20 andares acima, a visão dos arredores é de jardins suspensos: há verde em cada teto de edifício, um sistema natural de coletores de água da chuva. Os prédios dessa praça são ícones de sustentabilidade exibidos com orgulho pelos alemães - trata-se da lendária Potsdamer Platz.

Em "Asas do Desejo", o clássico de Wim Wenders sobre a Berlim de 24 anos atrás, com Muro e dividida, Potsdamer Platz é um pedaço de terra arrasada no meio do nada. O retrato da desolação da Alemanha dividida tornou-se o maior canteiro de obras da Europa logo depois da unificação. No final dos anos 90, era símbolo da modernidade. Depois de passar pela prancheta de um grupo estelar de arquitetos coordenados pelo italiano Renzo Piano - dez anos de construção e centenas de investidores -, a Potsdamer Platz na versão moderna virou um complexo de 19 prédios, 10 ruas, mais de 130 lojas, dois hotéis, cinemas, três teatros, cassino e shopping. Tem uns 30 restaurantes, bares e cafés. Vivem ali pelo menos dez mil pessoas. Foi inaugurada há 12 anos e é modelo de eficiência energética, reúso de água, materiais sustentáveis e reciclagem de lixo tocada como um negócio lucrativo.

No subsolo, por exemplo, há um labirinto de cinco quilômetros por onde chegam os artigos das lojas, os mantimentos dos restaurantes, os equipamentos dos escritórios. São 160 a 180 vans todos os dias deixando materiais em 90 rampas. É lá também onde todos depositam restos de comida, pilhas, papéis, vidros. São 19 tipos de lixo diferentes administrados pela empresa Alba. Só de papéis, são seis tipos diversos. Os contêineres têm balanças automáticas - recebem e pesam, automaticamente, todo o lixo depositado ali. Os clientes não pagam por aquilo que pode ser reciclado, como vidros, plásticos e papéis, mas têm que desembolsar quando deixam material orgânico ou baterias.

A fachada de cerâmica do prédio da Daimler não é apenas um capricho arquitetônico, mas um recurso que garante umidade e boa temperatura ambiente. Lamelas espalhadas por todo o interior do edifício funcionam como escamas que refletem a luz natural e a levam aos escritórios. "É por recursos assim que a construção consome a metade da energia de um edifício convencional nessas dimensões", explica o geólogo Felix Eisenhardt, do OrganisationsBureau Berlin, que faz visitas guiadas a grupos de turistas interessados em conhecer exemplos de construções eficientes na cidade. "Sustentabilidade também é uma solução de arquitetura", diz ele.

A tinta das paredes que foi utilizada no prédio não podia ter poluentes que comprometessem a qualidade do ar. Uma usina a 300 metros dali produz calor e eletricidade a partir de gás natural e aquece ou resfria as lojas e os escritórios do complexo. Grandes janelas garantem que a atmosfera de fora se reproduza no interior dos escritórios. Um sistema elétrico inteligente indica quando é preciso acender a luz. A ventilação é natural e totalmente regulada por computadores.

A sustentabilidade obtida em Potsdamer Platz é um modelo que os alemães estão tentando espalhar pelo país. A previsão é que, nas próximas duas décadas, metade das moradias alemãs irá passar por uma reforma com o objetivo de conseguir uma grande melhora na eficiência energética. O estoque atual de casas a serem repaginadas é estimada em 38 milhões de unidades - o que significa uma média de 950 mil casas reformadas ao ano. O governo oferece uma linha de crédito subsidiada - um fundo total estimado em € 1,5 bilhão gerido pelo banco de desenvolvimento alemão, o KfW- para a reforma. Mais de 5.000 casas já usaram o benefício. Os resultados são uma redução no consumo de energia de cerca de 85%.
 
As reformas das moradias compreendem melhorar o isolamento térmico das paredes, dos telhados, dos sótãos e porões, substituir velhas janelas por opções modernas com vidros duplos que isolam o ambiente, ter sistemas de aquecimento conectados a algum tipo de energia renovável, promover o máximo de ventilação natural.

Uma publicação da Agência de Energia Alemã (Dena, na sigla em alemão), informa que a energia que se gasta para aquecer casas e esquentar a água representa 40% do total de energia consumida no país, mas só uma parte disso é realmente necessária. O estudo diz que ¾ das moradias alemãs foram construídas antes das primeiras legislações sobre o assunto, e que essas habitações consomem, em média, 245 kWh/m2 ao ano. Os novos prédios gastam a metade disso. As casas modernizadas de acordo com a cartilha da eficiência energética conseguem resultados duas vezes melhores do que os registrados pelos prédios novos.

O governo alemão tem várias metas de eficiência energética para as próximas décadas. As construções existentes têm que reduzir sua atual demanda por aquecimento em 20% em 2020, além de diminuir a demanda em 80%, em energia primária, em 2050. A taxa de reformas sob o prisma da eficiência - conhecidas por "retrofit", no jargão do setor - têm que saltar dos atuais 1% para 2,5% nos próximos anos.

"Trata-se de um setor de grande potencial", diz Henri Lukas, especialista em eficiência energética em edifícios da Dena. A agência, constituída no ano 2000 e que hoje tem 150 funcionários, é uma companhia mista metade do governo e metade de empresas como a seguradora Allianz ou o Deutsche Bank. Lukas cita, por exemplo, que cerca da metade das construções na Alemanha terá que ser reformada nos próximos 20 anos por motivos técnicos e que 75% das moradias foram construídas antes das primeiras legislações sobre economia energética, de 1978. As fachadas de 80% das casas não têm isolamento, mais de 30 milhões de janelas não possuem vidros duplos e só 12% dos sistemas de aquecimento existentes são modernos.

"Mas poderíamos ser muito mais eficientes", rebate Martin Bornholdt, do conselho executivo da Deneff, uma associação alemã para eficiência energética. "As pessoas preferem economizar para comprar um carro bacana do que para investir em sistemas melhores de energia para suas casas", afirma. Bornholdt trabalha em uma entidade formada em 2010 e que faz lobby pelas energias renováveis e por programas de eficiência energética. Na sua opinião, faltam políticas públicas que estimulem os consumidores a poupar energia. "A Alemanha não conseguirá cumprir sua meta de eficiência energética em 2020 sem instrumentos mais atraentes que convençam as pessoas a investir, por exemplo, em sistemas melhores de isolamento térmico em suas casas", ilustra. Na sua opinião, falta mais intervenção estatal e um pacote de estímulos. "Esse é um debate difícil", reconhece.

Trata-se, também, de um ponto estratégico, em sua visão, para que o governo alemão alcance os objetivos de seu plano energético de longo prazo, lançado em setembro de 2010 e revisto em 2011, depois do acidente nuclear em Fukushima, no Japão. Na ocasião, o governo de Angela Merkel decidiu voltar atrás em uma decisão anterior e definiu que o país não terá mais energia nuclear depois de 2022. "Eficiência energética é a peça-chave nessa equação", acredita Bornholdt, referindo-se à rota que a Alemanha terá que seguir para conseguir substituir a energia nuclear. Segundo ele, para dar impulso à maior eficiência energética, é preciso desenvolver um mercado de serviços de energia, promover campanhas que eduquem os consumidores, desenvolver selos e lançar mecanismos financeiros que estimulem as reformas.

Nos edifícios da Potsdamer Platz, o sofisticado sistema de ventilação consegue reduzir pela metade o uso de energia primária. Não se usa ar-condicionado convencional. Por ali, a sustentabilidade vai além do uso energético mais racional. Os jardins que existem em cada teto servem para coletar milhões de litros de água que vão parar em oito grandes cisternas e economizam 20 mil metros cúbicos por ano. Cerca de 80% da água da chuva coletada acabam evaporando, mas o resto vai para as cisternas que estão a oito metros da superfície, explica o geólogo Eisenhardt. A água pluvial é tratada e usada nos espelhos d'água do complexo. Depois é reutilizada nos banheiros e entra nos sistemas que aquecem ou resfriam os andares dos escritórios.

Mais de 100 mil pessoas passam pela Potsdamer Platz todos os dias e não há congestionamentos nas redondezas, mesmo com as centenas de vans que abastecem o complexo, um sintoma que a logística do subsolo funciona bem. As construções sustentáveis da região também têm outros ganhos, além da conta da luz e da água: as emissões de CO2 foram reduzidas em 70% em comparação às estruturas similares erguidas pela cartilha arquitetônica convencional.

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