sábado, 7 de julho de 2012

Quanto custou a "partícula de Deus"

Na quarta-feira, o Centro Europeu para a Pesquisa Nuclear (Cern) anunciou a descoberta da apelidada "partícula de Deus", ou bóson de Higgs, que pode ajudar a comunidade científica - e a humanidade - a entender por que existe massa no universo. Ou, em outras palavras, por que todos os objetos existem, de um átomo a um cachorro.

A comprovação prática do bóson de Higgs só foi possível com a construção do maior acelerador de partículas do mundo. Inaugurado em 2008, o LHC (Large Hadron Collider, da sigla em inglês) custou US$ 10,3 bilhões para ser construído. Esse equipamento - gigantesco - tem 27 km de circunferência e está localizado na fronteira da Suíça com a França.

Em tempos de crise econômica, a The Economist comentou o valor da descoberta. Para a revista, a quantia de mais de US$ 10 bilhões gasta no acelerador de partículas é relativamente pequena, considerando a importância do conhecimento gerado sobre como o universo realmente funciona. O artigo da The Economist diz que já passou o tempo em que os cientistas estavam próximos do poder e que o dinheiro era farto - como na época da bomba atômica. Hoje, a comunidade científica suplica o reconhecimento da importância das pesquisas, em um mundo em que o dinheiro está curto.

Crise?

O Cern, que abriga o acelerador de partículas, tem 20 países-membros mantenedores. Os cinco principais financiadores são Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Espanha.  [Ver postagem sobre possível participação do Brasil no Cern.]

A crise abala toda a zona do euro, mas Itália e Espanha, por exemplo, são alguns dos países mais atingidos. Juntas, essas duas nações respondem por quase 20% de todo o financiamento do Cern. Sozinha, a Alemanha financia 20% do centro de pesquisas, enquanto a França, 15%, e o Reino Unido, 13%.

Neste ano, o orçamento para o Cern manter suas atividades é de US$ 1,2 bilhão. Para 2013, o financiamento já está aprovado, mas os valores ainda não foram divulgados. Depois do ano que vem ainda não há garantias de continuidade. [O orçamento do Cern em 2012 comprova que o custo da participação do Brasil nessa instituição -- US$ 10 milhões anuais --  é absolutamente ínfimo, em termos absolutos e relativos, o que demonstra inequivocamente quão ridículo é o fato de estarmos desde 2010 remanchando para tomar essa decisão!]

"É claro que o Cern está sujeito à condição econômica dos países-membros", disse a assessoria do centro de pesquisas. Também segundo o departamento de imprensa do Cern, para entender completamente os desdobramentos dos estudos, o programa tem expectativa de durar pelo menos mais 20 anos. Além do financiamento via países-membros, alguns experimentos, como o Atlas e o CMS, de onde partiram as descobertas sobre o bóson de Higgs, também recebem dinheiro de institutos e universidades que participam do programa de pesquisa. São 629 universidades e institutos de pesquisa participantes das atividades do Cern, sendo que 300 estão localizadas em países-membros.

A partícula

O físico teórico escocês Peter Higgs previu, somente em teoria, a existência de uma partícula capaz de dar massa a todas as outras. Isso foi em 1964. Agora, quase 50 anos depois, a teoria foi comprovada na prática. [Apesar da fama e do nome dado à partícula, Peter Higgs não foi o único a formular o conceito do bóson que leva seu nome -- dessa formulação participaram também o belga François Englert, o americano Gerald Guralnik, o britânico Tom Kibble, o americano Carl Hagen e o belga Robert Brout, que morreu no ano passado.] - Mas não foi simples. Foram 500 trilhões de colisões geradas no acelerador de partículas, o LHC, em três anos de operação. O bóson de Higgs foi visto somente em algumas dezenas delas.

A pesquisa continua. Segundo o Cern, a descoberta anunciada nesta semana faz parte de um trabalho mais amplo. A tentativa é de se entender por que a antimatéria parece não existir e saber como a matéria se comportou no início do universo. Também entender o invisível, já que somente 4% da matéria do universo é feito pode ser vista, segundo os pesquisadores.

[Algumas informações adicionais sobre o bóson de Higgs e sua descoberta. Clique nas imagens para ampliá-las.

A descoberta desse bóson deu o toque final no Modelo Padrão  da Física de partículas, a melhor explicação até hoje sobre como o universo funciona -- exceto no domínio da gravidade, que é governado pela teoria geral da relatividade. O Modelo compreende 17 partículas, das quais 12 são férmions tais como os quarks (que se fundem em neutrons e prótons nos núcleos atômicos) e os elétrons (que "zunem" à volta desses núcleos). Há quatro partículas adicionais, conhecidas como bósons de gauge [ou bósons de calibre], que transmitem forças e assim permitem que os férmions interajam: os fótons têm magnetismo, que mantém os elétrons em suas órbitas; os glúons conectam os quarks em prótons e neutrons através da força nuclear forte; os bósons W e Z transportam a força nuclear fraca, que é responsável por certos tipos de emissões radioativas. E, então, há o bóson de Higgs.

O Modelo Padrão de partículas elementares, já com a inclusão do bóson de Higgs - (Ilustração: The Economist).

Há várias razões para se ter levado meio século para descobrir o bóson de Higgs. Para começar, a teoria diz que a massa própria da partícula (que ela obtém interagindo consigo mesma) deve ser enorme. Já que, como Einstein demonstrou, energia e massa são a mesma coisa, uma partícula pesada exige mais energia para ser produzida. Isso implicou máquinas maiores, mais poderosas e mais caras, como o LHC [Large Hadron Collider = Máquina Grande de Colisão de Hádrons, em tradução livre], que provoca o choque de prótons viajando em direções opostas em um túnel de 27 km de diâmetro.

O Modelo Padrão da Física de partículas - número de anos entre o conceito e a descoberta de cada partícula - (Ilustração: The Economist).

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