[Sem sequer ter chegado à exata metade de seu mandato, nossa ex-guerrilheira e ex-quase-Dama de Ferro -- a ferrugem política e gerencial a atacou mais cedo do que se esperava, reforçada por seu jeito carinhoso de ser e comandar -- Dilma Rousseff vive seu inferno astral. Além das inúmeras greves que atingem praticamente todas as áreas chaves da administração federal -- com destaque negativo para a paralização dos professores das universidades federais, que vai completar um trimestre e já jogou no ralo o ano acadêmico de 2012 (num país em que a falta de educação, lato sensu, é uma eterna mazela), surge agora a história de que nossas duas principais estatais podem se enfrentar nas barras de um tribunal. O episódio revela, até prova em contrário, um problema de gestão (mais um?...) da Eletrobras e/ou mais um descompasso entre a empresa e a Aneel, e evidencia por mais um ângulo que o ambiente na administração federal, direta ou indireta, está longe de ser harmonioso.
Quem conhece o setor energético brasileiro sabe que Eletrobras e Petrobras são dois bicudos que não se beijam já há algum tempo, e nesse acervo um tanto litigioso está, entre outras, a velha e polêmica história da disponibilização do gás de Urucu (Amazonas) para suprimento elétrico regional, que a Petrobras emprenhou e empurrou com a barriga durante anos e prejudicou tremendamente a Eletrobras e o país no planejamento do atendimento elétrico à região.
Reproduzo a seguir a reportagem de hoje do Valor Econômico sobre o assunto.]
Uma dívida de R$ 2,4 bilhões entre as duas maiores estatais brasileiras
pode parar na Justiça. A Petrobras decidiu dar fim ao calote que a BR
Distribuidora está recebendo da Amazonas Energia, controlada pela
Eletrobras, já que desde 2009 a distribuidora da petroleira não recebe
por todo o óleo combustível e diesel consumidos pelas termelétricas que
operam no Norte do país. A dívida corresponde a quase duas vezes o lucro
da BR no ano passado, que foi de R$ 1,267 bilhão. Em dólares, o valor da dívida soma US$ 1,18 bilhão, o que permitiria
pagar, com sobra, uma das modernas sondas de perfuração em águas
ultraprofundas que serão construídas no Brasil ao custo aproximado de
US$ 1 bilhão. "Na prática, é uma tentativa de transferir uma
ineficiência do setor elétrico para a Petrobras", afirma um executivo da
BR.
A origem do problema, sob o ponto de vista da Eletrobras, é uma
divergência de interpretação entre a concessionária de energia e a
Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) com relação às
regulamentações da Lei 12.111, de julho de 2009, relacionadas às
despesas cobertas pela bilionária Conta de Consumo de Combustíveis
(CCC). "Esse é um problema gerado pela regulamentação de uma legislação que não
está conseguindo dar o devido equilíbrio econômico à concessão", afirma
Marcos Aurélio Madureira da Silva, diretor de Distribuição da
Eletrobras e presidente de todas as distribuidoras controladas pela
estatal de energia.
O diretor da Eletrobras faz questão de frisar que o que chama de déficit
não é gerado por inoperância ou por problemas de gestão da Amazonas
Energia. "Ele [déficit] está sendo gerado por uma divergência quanto aos
critérios de cobertura dos custos de geração do sistema isolado",
afirma, admitindo contudo que a Petrobras não tem nada a ver com o
assunto, a não ser o fato de ser também uma estatal. A Eletrobras já acertou com a BR o parcelamento de uma parte da dívida,
no valor de R$ 725 milhões, o que agora terá de ser aprovado pelo
conselho de administração. Quanto aos R$ 1,6 bilhão restantes, que ainda
não incluem correção, Madureira diz que precisa se entender com a Aneel
antes de pagar.
Vendo esgotadas as possibilidades de receber pela via da negociação, a
Petrobras resolveu agir. Em uma carta para a Eletrobras, a distribuidora
de combustíveis informou que vai passar a exigir garantias da
controladora nas vendas de combustível para a Amazonas Energia. "Sem a
garantia, só vamos entregar combustível com pagamento prévio", informou
uma fonte qualificada ao Valor.
Durante muitos anos, a Petrobras se transformou em uma espécie de
fiadora indireta da estatal de energia, antecipando pagamentos para a BR
pelo óleo vendido para geração no Amazonas de modo que a distribuidora
não tivesse que carregar esse atraso nos pagamentos em seus balanços.
Mas em 2009, depois da Lei 12.111, a situação se agravou e a dívida
aumentou. Em maio de 2011, a Petrobras decidiu não mais esconder o
problema, deixando de compensar a dívida internamente. Era claro que o
rombo era muito grande para suportar e o impacto no caixa da
distribuidora foi relevante. "Esse número é muito significativo para a BR. Sabemos da nossa
responsabilidade social e das consequências se pararmos o fornecimento
de combustível para a região. Mas não podemos mais ficar de braços
atados", desabafou uma fonte da distribuidora de combustíveis.
O Valor conversou com executivos da Petrobras e da BR
sobre o assunto, mas dado o constrangimento que suscita, todos pediram
para não terem seus nomes divulgados. Explica-se: as duas estatais estão
submetidas ao Ministério de Minas e Energia, sendo que o secretário
executivo do MME, Márcio Zimmermann, é membro do conselho de
administração de uma e preside o conselho da outra. Em março, o assunto
foi levado ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, presidente dos
conselho de administração da Petrobras e do conselho da distribuidora de
combustíveis. Mantega deu sinal verde para a cobrança judicial.
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