quarta-feira, 4 de julho de 2012

Leilão 4G: balanço e desafios

[O texto abaixo é da autoria de Caio M. S. Pereira Neto e Mateus P. Adami, e foi publicado ontem no jornal Valor Econômico.]

Recentemente, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) realizou o leilão das faixas de radiofrequência destinadas à implantação da chamada quarta geração de telefonia móvel (4G) no Brasil. Por se tratar de uma faixa de frequência privilegiada (2,5 GHz), permitindo a oferta de serviços diferenciados em elevadas velocidades, a licitação teve algumas peculiaridades que merecem destaque.

A Anatel aproveitou o grande interesse na faixa para incluir obrigações relacionadas à implantação de telefonia rural, por meio de outra radiofrequência específica (450MHz) que atualmente não possui valor significativo. Vale lembrar que a telefonia rural é também objeto de metas de universalização imputadas às concessionárias de telefonia fixa, e demandam grandes investimentos, com retorno incerto - variando entre negativo e baixo na maioria dos casos, segundo a Anatel.

Nesse modelo, bastante criticado pelas operadoras, as faixas da telefonia rural seriam licitadas conjuntamente com as destinadas ao 4G, caso não existissem interessados em sua exploração isolada. Isso de fato não ocorreu, o que obrigou as operadoras a adquirir o "osso" (450MHz) junto com o "filé" (2,5GHz) e confirmou os elevados custos associados à exploração da radiofrequência destinada à telefonia rural - a ponto de inviabilizar sua exploração isolada nos termos propostos pela Anatel.

Perdeu-se, assim, uma oportunidade de desenhar a política de universalização de forma transparente e concorrencialmente neutra, utilizando recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para custear atividades voltadas à massificação do acesso aos serviços de telecomunicações de voz e dados nas áreas rurais. A opção adotada, inclusive, é questionável à luz da Lei Geral de Telecomunicações, tendo em vista a expressa vedação ao subsídio cruzado entre modalidades de serviço.

Ora, como não existe almoço grátis, evidentemente os custos gerados pela compra do osso (telefonia rural) serão de alguma forma suportados, ainda que indiretamente, pelos usuários do filé (telefonia móvel).

Outro aspecto importante desse leilão é que a faixa dos 2,5 GHZ está atualmente ocupada com outro serviço, o Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal (MMDS), uma espécie de serviço de televisão por assinatura. Este serviço foi autorizado pela Anatel no fim da década de 1990 na mesma radiofrequência agora destinada ao 4G, mas não teve a mesma penetração da TV a cabo e TV via satélite.

Em 2010, a Anatel remanejou uma parcela da radiofrequência do MMDS, justamente para abrir espaço para a licitação do 4G. Vale notar que alguns agentes interessados no 4G também exploram o MMDS.

Esse contexto agregou bastante complexidade à licitação. Empresas interessadas em participar da disputa foram obrigadas a renunciar às radiofrequências detidas para o MMDS, independentemente de vitória no novo leilão, exigência de legalidade duvidosa. Na prática, a exigência de renúncia implicou uma restrição de direitos garantidos pela própria regulamentação setorial desde 2010, com efeitos significativos sobre o patrimônio das operadoras. A regra, embora questionada, foi mantida e, de acordo com a estratégia comercial de cada operadora, foram ou não apresentadas as respectivas renúncias.

Mas, a ocupação das faixas ainda gera duas importantes consequências posteriores ao leilão.

Primeiro, os atuais operadores de MMDS devem ser indenizados pelas empresas vencedoras em virtude da desocupação da faixa de radiofrequência, mesmo aqueles que não tenham participado do leilão - por ocasião do remanejamento de faixa ocorrido em 2010. A Anatel deveria ter estabelecido critérios claros para a quantificação dos valores de indenização, a fim de conferir segurança tanto às empresas que adquiriram as radiofrequências, quanto àquelas que serão indenizadas. Contudo, o edital não é claro neste ponto e remete a uma negociação posterior entre as empresas - com eventual intervenção da Anatel.

Segundo, abriu-se a possibilidade de as prestadoras de MMDS participantes da licitação operacionalizarem suas renúncias às radiofrequências detidas antes do leilão mediante sua transferência posterior a terceiros, no prazo de 18 meses. Portanto, a expectativa é de que haverá uma possível rodada de negociações entre as operadoras que se encontrem nessa situação, com a realocação das antigas radiofrequências de MMDS para o serviço móvel 4G nos próximos meses.

Ainda que determinados aspectos do modelo aplicado sejam questionáveis e restem pendências relevantes, não há dúvida de que o leilão foi um marco importante para o setor. A licitação foi competitiva e o seu resultado será decisivo para os rumos da prestação do serviço de telefonia móvel no Brasil. A próxima grande licitação de radiofrequências depende da desocupação dos canais analógicos utilizados pela televisão aberta, vinculada ao grau de penetração da televisão digital (ainda em estágio inicial de desenvolvimento), sendo certo que sua formatação será influenciada pelo desenho do leilão de 4G.

Caio Mario da Silva Pereira Neto, doutor em Direito (JSD) pela Universidade de Yale, é professor de Direito Econômico da DireitoGV e sócio de Pereira Neto | Macedo Advogados.

Mateus Piva Adami, mestre em Direito pela Universidade de São Paulo, é advogado de Pereira Neto | Macedo Advogados

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