sexta-feira, 13 de julho de 2012

Mudanças no mapa latino ameaçam Mercosul

[O artigo abaixo me foi lembrado por um querido amigo, a quem agradeço.]

Surgiu uma novidade no mapa político e econômico da América Latina: México, Colômbia, Peru e Chile uniram-se com o objetivo de dar plena liberdade às suas empresas e aos seus 215 milhões de habitantes para transitar, estudar, trabalhar, movimentar capitais e fazer negócios sem precisar de licença prévia dos governos locais. É o que prevê a Aliança do Pacífico, o novo bloco regional cuja criação foi anunciada na semana passada pelos presidentes Felipe Calderón (México), Juan Manuel dos Santos (Colômbia), Ollanta Humala (Peru) e Sebastián Piñera (Chile). Está prevista a adesão do Panamá e da Costa Rica no segundo semestre.

Foi um movimento surpreendente, rápido e eficaz. Em dezembro de 2010, o então presidente peruano Alan García lançou a ideia, recebida com entusiasmo por México, Colômbia e Chile. Um ano depois, eles se reuniram e fixaram o prazo de seis meses para um entendimento definitivo. Em março, chegaram a um consenso em inédita reunião de cúpula, por teleconferência. Na quarta-feira (6), em Antofagasta, no deserto do Atacama, assinaram o acordo básico.

Trata-se de um compromisso ambicioso, no qual se pretende a livre circulação de pessoas, mão de obra, capitais, bens, serviços e mercadorias, integração de redes de ensino (especialmente universidades), instituições financeiras (Bolsas de Valores) e criação de instâncias institucionais comuns, supranacionais.

As regras desse novo bloco são simples: para entrar é preciso ter tratado de livre comércio com todos os sócios, ser uma democracia, possuir estabilidade jurídica e constitucional. Ao Panamá e à Costa Rica, provisoriamente “sócios-observadores”, faltam acordos comerciais. Definiu-se que em dezembro entra em vigor o regime de livre circulação de mercadorias, ou seja, eliminam-se barreiras aduaneiras e regras de origem sobre o que é produzido pelos sócios. Não é pouca coisa: México, Colômbia, Peru e Chile compõem um mercado de 215 milhões de consumidores, somam 35% do PIB da América Latina e são responsáveis por 55% das exportações desse pedaço do planeta.

Há aspectos geopolíticos relevantes. México, Colômbia, Panamá e Costa Rica são países bi-oceânicos, com saídas para o Pacífico e o Atlântico. Além disso, os integrantes da Aliança têm economias abertas, baseadas em acordos bilaterais de comércio com China, EUA, União Europeia, Japão, Coreia, Taiwan, Cingapura e os principais centros econômicos do Oriente Médio.  Na prática, significa que está nascendo um bloco político e econômico capaz de rivalizar com o Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), fissurado pelas disputas entre sócios em torno de barreiras crescentes sobre um comércio regional de US$ 100 bilhões anuais.

Aliança define distanciamento do Chile, Peru e Colômbia do Mercosul

A Aliança marca um definitivo distanciamento do Chile, Peru e Colômbia do Mercosul, anulando todas as gestões prévias para suas participações no bloco do Atlântico Sul. Impõe o contraste de uma alternativa mais eficaz ao Mercosul, numa etapa em que Uruguai e Paraguai debatem a conveniência de continuar atados a um projeto de integração com escasso repertório de benefícios para suas economias. E deixa ainda mais isolados a Venezuela, o Equador e a Bolívia, onde floresce a desagregação política, social e econômica.

O tempo vai mostrar se os governos de México, Colômbia, Peru e Chile, com Panamá e Costa Rica, serão realmente capazes de converter a Aliança em “uma plataforma de articulação política, integração econômica e comercial e de projeção para o mundo, com ênfase na região Ásia-Pacífico”, como prevê a ata de constituição do novo bloco.

É certo, porém, que a iniciativa tem o frescor da inovação em um continente onde, depois de três décadas, o Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai continuam patinando na retórica palanqueira sobre a integração como meio de ampliar os direitos sociais, políticos e econômicos de mais de 200 milhões de pessoas.

[Surge, assim, o primeiro grande desafio regional ao Mercosul, um organismo que apesar de seus 21 anos de idade continua se comportando como um pré-adolescente, com brigas, traições e molecagens frequentes entre seus componentes. A única unidade demonstrada por esse bloco até agora foi na escolha do Judas, saco de pancada e pato do grupo: o Brasil tem sido a escolha permanente dos outros três "parceiros" (Argentina, Paraguai e Uruguai), numa escolha que tem tudo para ser vitalícia. Somos a "mulher de malandro" do grupo, levando bordoada a torto e a direito, com uma resignação de traído manso.

O Mercosul tem como fundadores e membros permanentes a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai. São membros associados: Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru. Argentina, Brasil e Uruguai recentemente comportaram-se como coveiros e marginais do Mercosul, promovendo a suspensão do Paraguai do bloco e, com a rapidez de larápios de alto nível, promoveram a integração da Venezuela ao grupo. Coisa de mafiosos.

No quadro de membros permanentes ou associados do Mercosul, temos o seguinte quadro quanto a tratados de livre comércio ou acordos-quadros entre o bloco e terceiros, ou entre seus membros e terceiros:


Mercosul - com Bolívia, Chile, México, Peru e Israel 
Argentina - com Brasil, Chile, México, Paraguai e Uruguai
Bolívia - com Mercosul, México, Cuba e Venezuela
Brasil - com ALADI (Associação Latino-Americana de Integração, que inclui Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela), Argentina, Guiana, México, Paraguai e Uruguai 
Chile - com Austrália, China, Colômbia, EFTA (Associação Europeia de Livre Comércio, que inclui a Islândia, o Lichtenstein, a Noruega e a Suiça), Coreia, EUA, Japão, Malásia, Mercosul, México, Nafta, P4 (Parceria Econômica Estratégica Transpacífica - Nova Zelândia, Cingapura e Brunei Darussalam), Panamá, Peru, Turquia, União Europeia
Colômbia - com EFTA, EUA, México, Triângulo do Norte (El Salvador, Guatemala e Honduras)
Peru - com China, Cingapura, Coreia, EFTA, EUA, Tailândia
Venezuela - com ALADI, AEC (Associação de Estados das Caraíbas, que inclui Colômbia, Costa Rica, Cuba, El Salvador, Guatemala, México, Panamá e Venezuela), ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América, que inclui Bolívia, Cuba, Dominica, Antígua e Barbuda, Equador, Nicarágua, São Vicente e Granadinas, Venezuela),  Unasul (União de Nações Sul-Americanas, que integra o Mercosul e a Comunidade Andina, esta última compreendendo Bolívia, Colômbia, Equador e Peru), SELA (Sistema Econômico Latino-americano e do Caribe, que inclui Argentina, Bahamas, Barbados, Belize, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Granada, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela).


Da relação acima, vê-se que o Brasil e o Mercosul olham praticamente para o próprio umbigo em matéria de tratados comerciais, a Venezuela tem inúmeras parcerias, nas quais predomina a quantidade e não a qualidade dos parceiros, e o bom exemplo do Chile, uma economia pouco diversificada mas com relações comerciais formais com parceiros importantes. O Brasil, numa estratégia discutível de fidelidade canina ao Mercosul, tem renunciado à assinatura de tratados comerciais diretos com outros países, preferindo que isso se faça via Mercosul. O novo bloco regional entre Chile, Colômbia, Peru e México é um desafio não só ao Mercosul mas também à própria liderança regional do Brasil.]

Da esquerda para a direita os presidentes da Colômbia (Juam Mamanuel Santos), do Chile (Sebastián Piñera), do México (Felipe Calderón) e do Peru (Ollanta Humala), signatários de uma nova aliança comercial regional - (Foto: O Globo).

Blocos econômicos no mundo em 2008 - clique na imagem para ampliá-la -- (Fonte: Wikipedia).










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