terça-feira, 17 de julho de 2012

Greves de funcionários públicos federais: liberou geral?!

Não me recordo de governo federal com tantas e tão diversificadas greves em tão pouco tempo como o da nossa ex-guerrilheira, Dª Dilma Rousseff. Os professores universitários completam 2 meses (= 60 dias) de greve de paralização, e estão esnobando a proposta do governo -- aproveitando-se, é claro, entre outras coisas, do fato de que o governo e o país estão sem ministro da Educação, pois Aloizio Mercadante e nada são a mesma coisa (talvez o "nada" absoluto fosse muito melhor ...). Nem é preciso perder tempo falando em reposição de aulas perdidas, porque isso não faz parte das preocupações de nenhuma das partes envolvidas nas negociações -- até agora, ninguém explicitou qualquer inquietação a esse respeito.

O pessoal da área de saúde também está paralizado. Até gente que nunca fez greve, como os servidores das agências regulatórias, resolveu entrar nessa farra -- o que pode acabar sendo benéfico, pois vai ficar mais evidente que eles e suas agências não fazem a menor falta.

A impressão que se tem é que, em matéria de greve de funcionários públicos federais, o Planalto liberou geral. Preocupação com o país e os contribuintes? Nenhuma, de lado nenhum.

Por ter uma blindagem praticamente irremovível contra a demissão, o funcionário público tem necessariamente que ser muito bem enquadrado no seu recurso à greve, para que não se sinta livre e fagueiro para fazer greve onde, quando e como quiser, que se danem o país e os contribuintes. O uso do direito constitucional à greve na área federal é mais um exemplo cristalino e inequívoco da deslavada e criminosa irresponsabilidade e da requintada demagogia com que os poderes Legislativo e Executivo lidam com a coisa pública. Virou mais um direito esculhambado no país. O terceiro poder, o Judiciário, fica de camarote assistindo a essa pantomima de baixo nível porque só reage se provocado. E o pior é que essa inépcia federal transmite-se como uma peste para as esferas estadual e municipal pelo país afora. Serviços essenciais como educação, saúde e segurança públicas são interrompidos e às vezes até sabotados, e nada se faz.


Com relação ao direito de greve do servidor público civil, o art. 37 da Constituição Federal diz textualmente em seu inciso VII: "VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998). O que aconteceu? Até hoje, passados 24 anos, esse direito de greve não foi regulamentado, os grevistas se lixam para os contribuintes que os pagam e o governo -- principalmente em ano eleitoral -- empurra a questão com a barriga. Somente em dezembro de 2011 surgiu uma iniciativa no Congresso Nacional no sentido de providenciar essa regulamentação -- o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) apresentou, em dezembro de 2011, projeto de lei (PLS 710/11) regulamentando o direito de greve do servidor público civil, previsto no inciso VII do artigo 37 da Carta Magna. Entre as regras, está a obrigação de que permaneçam trabalhando entre 50% e 80% dos servidores, dependendo do tipo de atividade.  Duvido muito que isso avance em ano eleitoral. 

Outro caso calamitoso é o que tem ocorrido com policiais e bombeiros, que nos deram verdadeiros shows de vandalismo e irresponsabilidade no ano passado em vários Estados da Federação. A Constituição Federal em seu art. 142 § 3°, inciso IV diz textualmente "IV - ao militar são proibidas a sindicalização e a greve".  Ou seja, todas as greves de PMs e bombeiros já feitas neste país foram ilegais, violaram a Constituição -- e daí, alguém se mexeu? Lhufas. E, para arrematar a esbórnia da anarquia, a maioria dos vândalos ilegais ainda recebeu anistia pela baderna feita. Absurdo maior, impossível! E o pior é que não há qualquer esboço de enquadramento dessa gente.

Sobre isso, tomei a liberdade de, em março deste ano, enviar uma carta (via Sedex) ao ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal -- como não obtive resposta, sinto-me liberado para torná-la pública:


Niterói, 12 de março de 2012
Excelentíssimo Senhor
Ministro Ayres Britto
Supremo Tribunal Federal
Praça dos Três Poderes
70175-900 Brasília - DF 
 
Prezado Ministro,

Permita-me o tratamento coloquial respeitoso, com base nos meus 73 anos (a caminho de 74). Vejo com frequência as transmissões das sessões plenárias do STF e sou um admirador de suas manifestações e de sua cultura, não apenas jurídica. Parece-me que compartilhamos o mesmo amor pela nossa música, em particular pelo chorinho.

Tomo a ousadia de escrever-lhe, na qualidade de simples cidadão, para manifestar-lhe minha perplexidade e minha preocupação com a recente decisão do Supremo em relação às Medidas Provisórias. Diz-se que evitou-se um mal maior mas, como bom mineiro, tenho cá minhas dúvidas e reservas. O fato cruel, nu e cru é que, por uma sequência absurda de omissões envolvendo os três Poderes, nossa Constituição foi violentada 460 vezes em 11 anos, produzindo no mínimo outros tantos atos ilegais, e isso acabou sendo chancelado e sacramentado justamente pelo órgão que tem por fim e obrigação protegê-la. Uma Carta Magna oficial e formalmente violada desmerece qualquer país, qualquer tribunal, qualquer democracia que se preze.

Para a cabeça de um engenheiro, como eu, é extremamente difícil entender o mecanismo de atuação da Justiça. Dizem-me que ela é reativa, precisa ser acionada, mas não vejo nenhuma justificativa plausível e minimamente aceitável para esse procedimento quando se trata de afronta à Constituição. Espanta-me e revolta-me ver a incrível sequência de greves de policiais militares bombeiros, invarialmente envolvendo baderna, e invasão e vandalismo de bens públicos (na recente greve desse gênero na Bahia militares grevistas armados invadiram a Assembeia Legislativa estadual), em flagrante, inequívoco, escandaloso e inadmissível desrespeito ao art. 142, § 3°, inciso IV da Constituição, sem que autoridade jurídica alguma, nem mesmo o STF, se manifeste! Como injetar no chamado “inconsciente coletivo” o indispensável respeito às leis, se o instrumento maior da ordem jurídica do país que é a sua Constituição é reiterada, ostensiva e vandalicamente desrespeitado por militares, estimulados pelo silêncio omisso de nossos juízes?! O pior é que essa perversa e daninha conjunção de fatores -- desrespeito e omissão – tem gerado em mais de uma ocasião a simpatia e o apoio da população civil aos grevistas, consolidando perigosamente uma noção inteiramente equivocada de direitos e deveres dos envolvidos nesses movimentos – os baderneiros e os poderes executivo, legislativo e judiciário.

Desculpe-me por roubar seu tempo com esse desabafo. Espero e agradeço sua compreensão.

Respeitosamente,

Vasco Soares da Costa

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