O pessoal da área de saúde também está paralizado. Até gente que nunca fez greve, como os servidores das agências regulatórias, resolveu entrar nessa farra -- o que pode acabar sendo benéfico, pois vai ficar mais evidente que eles e suas agências não fazem a menor falta.
A impressão que se tem é que, em matéria de greve de funcionários públicos federais, o Planalto liberou geral. Preocupação com o país e os contribuintes? Nenhuma, de lado nenhum.
Por ter uma blindagem praticamente irremovível contra a demissão, o funcionário público tem necessariamente que ser muito bem enquadrado no seu recurso à greve, para que não se sinta livre e fagueiro para fazer greve onde, quando e como quiser, que se danem o país e os contribuintes. O uso do direito constitucional à greve na área federal é mais um exemplo cristalino e inequívoco da deslavada e criminosa irresponsabilidade e da requintada demagogia com que os poderes Legislativo e Executivo lidam com a coisa pública. Virou mais um direito esculhambado no país. O terceiro poder, o Judiciário, fica de camarote assistindo a essa pantomima de baixo nível porque só reage se provocado. E o pior é que essa inépcia federal transmite-se como uma peste para as esferas estadual e municipal pelo país afora. Serviços essenciais como educação, saúde e segurança públicas são interrompidos e às vezes até sabotados, e nada se faz.
Com relação ao direito de greve do servidor público civil, o art. 37 da Constituição Federal diz textualmente em seu inciso VII: "VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998). O que aconteceu? Até hoje, passados 24 anos, esse direito de greve não foi regulamentado, os grevistas se lixam para os contribuintes que os pagam e o governo -- principalmente em ano eleitoral -- empurra a questão com a barriga. Somente em dezembro de 2011 surgiu uma iniciativa no Congresso Nacional no sentido de providenciar essa regulamentação -- o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) apresentou, em dezembro de 2011, projeto de lei (PLS 710/11) regulamentando o direito de greve do servidor público civil, previsto no inciso VII do artigo 37 da Carta Magna. Entre as regras, está a obrigação de que permaneçam trabalhando entre 50% e 80% dos servidores, dependendo do tipo de atividade. Duvido muito que isso avance em ano eleitoral.
Outro caso calamitoso é o que tem ocorrido com policiais e bombeiros, que nos deram verdadeiros shows de vandalismo e irresponsabilidade no ano passado em vários Estados da Federação. A Constituição Federal em seu art. 142 § 3°, inciso IV diz textualmente "IV - ao militar são proibidas a sindicalização e a greve". Ou seja, todas as greves de PMs e bombeiros já feitas neste país foram ilegais, violaram a Constituição -- e daí, alguém se mexeu? Lhufas. E, para arrematar a esbórnia da anarquia, a maioria dos vândalos ilegais ainda recebeu anistia pela baderna feita. Absurdo maior, impossível! E o pior é que não há qualquer esboço de enquadramento dessa gente.
Sobre isso, tomei a liberdade de, em março deste ano, enviar uma carta (via Sedex) ao ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal -- como não obtive resposta, sinto-me liberado para torná-la pública:
Niterói,
12 de março de 2012
Excelentíssimo
Senhor
Ministro
Ayres Britto
Supremo
Tribunal Federal
Praça
dos Três Poderes
70175-900
Brasília - DF
Prezado
Ministro,
Permita-me
o tratamento coloquial respeitoso, com base nos meus 73 anos (a
caminho de 74). Vejo com frequência as transmissões das sessões
plenárias do STF e sou um admirador de suas manifestações e de sua
cultura, não apenas jurídica. Parece-me que compartilhamos o mesmo
amor pela nossa música, em particular pelo chorinho.
Tomo
a ousadia de escrever-lhe, na qualidade de simples cidadão, para
manifestar-lhe minha perplexidade e minha preocupação com a recente
decisão do Supremo em relação às Medidas Provisórias. Diz-se que
evitou-se um mal maior mas, como bom mineiro, tenho cá minhas
dúvidas e reservas. O fato cruel, nu e cru é que, por uma sequência
absurda de omissões envolvendo os três Poderes, nossa Constituição
foi violentada 460 vezes em 11 anos, produzindo no mínimo outros
tantos atos ilegais, e isso acabou sendo chancelado e sacramentado
justamente pelo órgão que tem por fim e obrigação protegê-la.
Uma Carta Magna oficial e formalmente violada desmerece qualquer
país, qualquer tribunal, qualquer democracia que se preze.
Para
a cabeça de um engenheiro, como eu, é extremamente difícil
entender o mecanismo de atuação da Justiça. Dizem-me que ela é
reativa, precisa ser acionada, mas não vejo nenhuma justificativa
plausível e minimamente aceitável para esse procedimento quando se
trata de afronta à Constituição. Espanta-me e revolta-me ver a
incrível sequência de greves de policiais militares bombeiros,
invarialmente envolvendo baderna, e invasão e vandalismo de bens
públicos (na recente greve desse gênero na Bahia militares
grevistas armados invadiram a Assembeia Legislativa estadual), em
flagrante, inequívoco, escandaloso e inadmissível desrespeito ao
art. 142, § 3°, inciso IV da Constituição, sem que autoridade
jurídica alguma, nem mesmo o STF, se manifeste! Como injetar no
chamado “inconsciente coletivo” o indispensável respeito às
leis, se o instrumento maior da ordem jurídica do país que é a sua
Constituição é reiterada, ostensiva e vandalicamente desrespeitado
por militares, estimulados pelo silêncio omisso de nossos juízes?!
O pior é que essa perversa e daninha conjunção de fatores --
desrespeito e omissão – tem gerado em mais de uma ocasião a
simpatia e o apoio da população civil aos grevistas, consolidando
perigosamente uma noção inteiramente equivocada de direitos e
deveres dos envolvidos nesses movimentos – os baderneiros e os
poderes executivo, legislativo e judiciário.
Desculpe-me
por roubar seu tempo com esse desabafo. Espero e agradeço sua
compreensão.
Respeitosamente,
Vasco
Soares da Costa
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