domingo, 29 de julho de 2012

Ação entre amigos: CIA é espionada por Israel

[Uma nova versão do velho ditado surge entre Israel e EUA: amigos, amigos, espionagem à parte. A fonte da reportagem que traduzo a seguir é insuspeita -- trata-se do jornal Haaretz ("O País", em hebraico), o mais antigo de Israel.  O que estiver entre colchetes e em itálico, e os links de conexão no texto são de minha responsabilidade.]

O chefe do posto da CIA abriu a caixa trancada com o equipamento sensível que usava em sua casa em Tel Aviv, Israel, para comunicar-se com a sede central da CIA em Virginia (EUA), e verificou que alguém a havia forçado.  Ele comunicou o fato aos seus superiores. O incidente, descrito por três ex-agentes seniores do serviço de inteligência dos EUA, poderia ter sido desprezado como apenas mais um evento misterioso no mundo da espionagem internacional, não fosse pelo fato de que o mesmo incidente havia ocorrido com o chefe anterior da agência em Israel. Era um aviso nem tanto sutil de que, mesmo em um país amigo dos EUA, a própria CIA estava sendo vigiada.

Em um outro episódio, desvinculado daqueles outros, duas outras ex-autoridades americanas relataram que um funcionário da CIA em Israel ao chegar em casa verificou que o arranjo da comida na geladeira havia sido alterado. Em todos esses casos, o governo americano considera que o responsável é o serviço secreto de Israel. 

Esse tipo de intromissão ressalta o que é amplamente sabido, mas raramente discutido fora dos círculos de inteligência: apesar dos indiscutíveis laços entre os EUA e seu principal aliado no Oriente Médio, e malgrado as afirmativas de políticos americanos alardeando a amizade entre os dois países, autoridades de segurança nacional dos EUA consideram que Israel é, às vezes, um aliado frustrante e uma autêntica ameaça de contrainteligência.

Além dos atos que os ex-agentes americanos descreveram como invasões de domicílios na década passada, Israel tem estado envolvido em casos de espionagens e procedimentos disciplinares considerados criminosos contra agentes da CIA nos EUA, e foi considerado culpado pela suposta morte de um espião importante da CIA na Síria durante o governo de George W. Bush. A CIA considera os israelenses sua ameaça de contrainteligência n° 1 em sua Divisão do Oriente Próximo, o grupo que supervisiona a espionagem através do Oriente Médio, segundo funcionários [da CIA] atuais e passados. Isso significa que a CIA considera que segredos de segurança nacional dos EUA estão mais protegidos de outros governos do Oriente Médio do que do de Israel.

Israel utiliza serviços de espionagem profissionais e altamente sofisticados, que rivalizam com as agências americanas em termos de capacitação técnica e de recrutamento de recursos humanos. Diferentemente do Irã ou da Síria, por exemplo, Israel, como um aliado firme dos EUA, desfruta de acesso aos mais altos níveis do governo americano nos círculos militares e de inteligência. Os funcionários [de segurança] americanos  falaram sob condição de anonimato, porque não estavam autorizados a abordar publicamente os assuntos sensíveis, diplomáticos e de segurança, entre os dois países.

As preocupações com contrainteligência persistem, mesmo quando a relação dos EUA com Israel envolve estreita cooperação em programas de inteligência que alegadamente incluíram o vírus computacional Stuxnet que atacou  computadores nas principais instalações de enriquecimento de urânio do Irã [veja postagem sobre a atuação conjunta EUA - Israel por trás do Stuxnet]. Apesar de que essa aliança seja fundamental para o trato dos EUA com o Oriente Médio, há espaço para uma intensa discordância, especialmente no tumultuado ambiente diplomático relativo às ambições nucleares do Irã.

"É um relacionamento complicado", disse Joseph Wippl, um ex-funcionário clandestino da CIA e chefe do birô da agência para assuntos parlamentares. "Eles têm seus interesses, nós temos os nossos -- para os EUA, é uma questão de pesar prós e contras, de equilíbrio".  A maneira como Washington caracteriza suas relações com Israel é importante também para a maneira como os EUA são vistos pelo resto do mundo, em especial pelos países muçulmanos.  [Ver postagem anterior sobre as estranhas relações EUA - Israel.]

[...] Enquanto Mitt Romney critica o tratamento dispensado por Obama a Israel, o presidente americano declara que "realizamos muitos negócios com Israel nos últimos três anos". E completou: "acho que o primeiro-ministro -- e certamente o ministro da Defesa -- reconhecerão que jamais tivemos cooperação mais estreita que a atual nas áreas militar e de inteligência". A CIA declinou de fazer comentários a respeito. Há tensão em ambos os lados.

Historicamente, a Agência Nacional de Segurança americana (NSA, em inglês) tem mantido vigilância sobre Israel. Os EUA não querem, por exemplo, ser apanhados desprevenidos se Israel lançar um ataque de surpresa que possa mergulhar a região numa guerra e prejudicar os suprimentos de petróleo, colocando em risco os soldados americanos. [A simples menção dessa hipótese significa que Israel não tem nenhuma obrigação de informar previamente os EUA sobre ataques dessa natureza, o que é no mínimo muito estranho e evidencia um grau insuspeito de "passividade" militar americana frente a Israel.]

Mathew Aid, autor de "The Secret Sentry" ["A Sentinela Secreta"], sobre a NSA, disse que os EUA começaram a espionar Israel antes mesmo que o estado fosse criado em 1948. Ele disse que os EUA tinham um posto em Chipre dedicado à espionagem contra Israel até 1974. Hoje, acrescenta Aid, equipes de especialistas em hebraico estão lotados na NSA em Fort Mead, Maryland, ouvindo as interceptações de comunicações de Israel.

Funcionários disseram que é política da CIA proibir que seus funcionários em Tel Aviv recrutem fontes que trabalhem para o governo israelense. Para conseguir esse tipo de recrutamento seria necessária a aprovação de líderes seniores da CIA, disseram dois ex-funcionários seniores da agência. Durante o governo Bush, essa aprovação teria que vir diretamente da Casa Branca. 


Israel não é o aliado mais próximo e especial dos EUA, pelo menos quando se trata de ver a quem Washington confia a informação mais sensível sobre segurança nacional. Essa distinção pertence a um grupo de países conhecido informalmente como os "Cinco Olhos" -- sob esse guarda-chuva, os EUA, a Grã-Bretanha, a Austrália, o Canadá e a Nova Zelândia acordaram em compartilhar serviços e dados de inteligência, e de não fazer espionagem entre si. Frequentemente, funcionários da área de inteligência dos EUA trabalham diretamente lado a lado com suas contrapartes desses países para lidar com informação fortemente restrita, não compartilhada com ninguém mais.

Israel é parte de um segundo nível de relacionamento, conhecido por um outro nome informal, o "Friends on Friends" ["Amigos em relação a Amigos", em tradução livre] -- essa denominação vem da frase "Friends don't spy on Friends" [Amigos não Espionam Amigos"], e esse tipo de acordo remonta a décadas atrás. Mas, os serviços de inteligência de Israel, o Mossad [literalmente, "O Instituto"] e o Shin Bet [abreviação do nome em hebraico de "Agência de Segurança de Israel"] -- equivalente ao FBI -- considerados entre os melhores do mundo, têm sido suspeitos de recrutar funcionários dos EUA e de tentar roubar segredos americanos.

Por volta de 2004 ou 2005, a CIA demitiu duas funcionárias por não terem informado contatos que tiveram com israelenses. Uma delas, durante o teste com o polígrafo [detetor de mentiras], admitiu que tinha tido um relacionamento com um israelense que trabalhava no Ministério de Relações Exteriores israelense, informou um ex-funcionário americano. A CIA soube que o israelense apresentou a funcionária ao seu "tio", que trabalhava para o Shin Bet.

Jonathan Pollard, que trabalhava para a Marinha [americana] como um analista de inteligência civil, foi condenado por espionagem para Israel em 1987, quando vigorava o acordo "Friends on Friends", e foi sentenciado a prisão perpétua. Em janeiro de 2011, Netanyahu pediu a Obama que libertasse Pollard e reconheceu que as ações de Israel no caso "foram erradas e totalmente inaceitáveis". Ronald Olive, um ex-supervisor sênior no Serviço Investigativo Criminal Naval que investigou Pollard, disse que após a prisão do acusado os EUA montaram uma força-tarefa para determinar que registros do governo Pollard havia roubado. Olive disse que Israel devolveu tão poucos, que eram como "um grão de areia no deserto".  Apesar do caso Pollard e de outros, Olive disse que considera que os dois países precisam manter vínculos estreitos, mas "se ainda temos que ser vigilantes? Claro. Os israelenses são bons no que fazem".

Durante o governo Bush, a CIA ranqueou algumas das agências de inteligência do mundo de acordo com sua disposição em colaborar na luta antiterrorista liderada pelos EUA. Um ex-funcionário de inteligência americano, que viu a lista completa dessas agências, disse que Israel, que não havia sido atacado diretamente pela al Qaida, ficou atrás da Líbia, que recentemente havia concordado em abandonar seu programa de armas nucleares. 

Os incidentes de espionagem pouco fizeram para arrefecer o fluxo de bilhões de dólares em dinheiro e armamento dos EUA para Israel. Desde a prisão de Pollard, Israel recebeu mais de US$ 60 bilhões de ajuda americana, em sua grande maioria sob a forma de assistência militar de acordo com o Serviço de Pesquisa do Congresso. Os EUA abasteceram Israel com mísseis Patriot, ajudaram a pagar um programa de defesa antimísseis e forneceram equipamento sofisticado de radar para rastrear ameaças de mísseis iranianos. Exatamente nessa sexta-feira, Obama dise que estava liberando outros US$ 70 milhões em ajuda militar, uma iniciativa previamente anunciada que pareceu cronometrada para ofuscar a viagem de Mitt Romney, e o presidente falou do "inabalável compromisso dos EUA com Israel".  Esse dinheiro ajudará Israel a expandir um sistema de defesa com foguetes de curto alcance.

Alguns funcionários da CIA ainda se mostram irritados com o desaparecimento de um cientista sírio, que durante o governo Bush era o único espião da agência dentro do programa militar sírio para o desenvolvimento de armas químicas e biológicas. O cientista estava provendo a CIA com informações excepcionais sobre patogênicos usados naquele programa, disseram ex-funcionários americanos sobre essa operação de inteligência desconhecida anteriormente.

Nessa época, havia pressão para o compartilhamento de informações sobre armas de destruição em massa, e a CIA forneceu a Israel a informação de inteligência de que dispunha. Um ex-funcionário, diretamente familiarizado com o caso, disse que detalhes do programa da Síria foram publicados na mídia. Embora a CIA nunca tenha concluído formalmente que Israel era o responsável por isso, executivos da agência reclamaram junto a Israel sobre sua crença de que israelenses estivessem vazando a informação para pressionar a Síria a abandonar o programa. Os sírios analisaram quem tinha acesso às informações que estavam sendo vazadas e, finalmente, identificaram o cientista como um traidor.  Antes de desaparecer e ser presumidamente morto, o cientista disse ao seu contato na CIA que a Inteligência Militar Síria o estava investigando.

Foto liberada pela Corte Federal Suiça, mostrando o equipamento de escuta telefônica usado pelo agente do Mossad apanhado quando tentava instalá-lo em uma residência em Berna em 19 de fevereiro de 1998 - (Foto: AP).











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