segunda-feira, 30 de julho de 2012

Agências reguladoras brasileiras: afinal, feitas para proteger o quê e quem?

[Quando se fala em agência reguladora no Brasil, a primeira reação que se tem é achar que o país tem agência demais. O país tem hoje 10 agências em funcionamento e uma no forno (há mais de um ano) para ser criada: ANA (Agência Nacional de Águas), ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações), ANCINE (Agência Nacional do Cinema) ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e a ANM (Agência Nacional de Mineração -- em processo de criação, para substituir o DNPM - Departamento Nacional de Produção Mineral).


A lista anterior não inclui inúmeros outros órgãos federais que têm poder regulatório em áreas específicas, cuja relação completa não logrei conseguir -- nessa lista adicional temos, por exemplo: CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica, vinculado ao Ministério da Justiça), o CNM (Conselho Monetário Nacional, vinculado ao MF - Ministério da Fazenda), CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária, vinculado ao MF), COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, vinculado ao MF), BACEN (Banco Central, vinculado ao MF), CVM (Comissão de Valores Mobiliários, vinculada ao MF) e vários outros, nas áreas de seguros e outras. Sem falar nas ONGs, como o CONAR (Conselho Natural de Autorregulamentação Publicitária, que normalmente é subestimado ou mesmo ignorado pela população, mas que tem uma grande e infelizmente desconhecida importância no nosso dia a dia).  Mas, por mais agências que tenhamos, acho praticamente impossível superar a miríade de agências e órgãos reguladores americanos, algo próximo do inacreditável.


Nessa sopa de letras da administração regulatória federal, além da dificuldade de se ter a manada toda nomeada, outro problema é identificar quem é diligente e eficiente, quem não é cabide de empregos, etc, etc. As deficiências mais evidentes costumam ser prontamente visíveis nas agências que lidam com serviços e produtos da nossa rotina diária: saúde (comida, remédios e bebidas), transportes, telecomunicações, energia elétrica, fusões e aquisições, etc. Aí é que a cobra fuma, e a gente começa a sentir em todo nosso organismo físico (a começar pelo bolso ...) e psicológico toda a ruindade lato sensu de várias dessas agências. Muitas vezes, as lentes pelas quais vemos ampliadamente essa deficiência regulatória são os órgãos de defesa do consumidor, que funcionam também como nossos defensores (nem todos também parelhos em eficiência).
Por conta disso, reproduzo a seguir a íntegra do artigo de hoje do Globo, de autoria de Marilena Lazzarini e Marcos Pó, ela presidente do Conselho Diretor do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), e ele, professor do Bacharelado em Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC e membro do Conselho Diretor do Idec. Essa transcrição não significa que concordo integralmente com a opinião dos autores -- acho, por exemplo, que foram muito benevolentes e fracos de argumentos para os elogios à ANS, à Anatel e à Aneel.]

Espetáculo ou mudança?

Marilena Lazzarini e Marcos Pó (O Globo, 30/7/12)

Nesses 25 anos de atuação, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) é testemunha da baixíssima prioridade dada à proteção do consumidor na ordem econômica brasileira. Medidas são tomadas apenas quando o consumidor já arcou repetidamente com o prejuízo pela má qualidade dos bens e serviços ou quando ocorre algum desastre, em situações que poderiam ser evitadas com uma regulação atenta e eficiente.

Nesse sentido, os casos recentes das ações governamentais sobre os juros bancários, os planos de saúde e, agora, as telecomunicações nos levam a perguntar se -- oxalá! -- estamos finalmente vendo uma mudança na postura governamental de proteção ao consumidor ou se é apenas um surto transitório.

O papel dos reguladores na proteção dos consumidores é claro nas maiores economias do mundo, como no Reino Unido, onde a agência res;ponsável pela área de energia (OFGEM) declara em seu site que "proteger os consumidores é nossa primeira prioridade". Na área de comunicação, o ato legal que instala a agência (OFCOM) determina que "a principal tarefa da OFCOM é [...] avançar os interesses dos consumidores". Ou seja, reconhece-se que um mercado avançado só existe com a proteção da sua parte mais vulnerável. Infelizmente, os reguladores brasileiros não costumam pensar na proteção do consumidor, pois os serviços regulados são recordistas de queixas nos Procons e nos juizados especiais cíveis.

Nas avaliações realizadas pelo Idec sobre os reguladores brasileiros, encontramos ações elogiáveis em prol do consumidor, como no Inmetro e na Anvisa, ou da transparência, como na Aneel, mas a tônica geral é de descaso pela proteção do consumidor. Não por coincidência, os reguladores dos três setores recém-afetados (Anatel, ANS e Banco Central) sempre estiveram entre as piores colocações.

O histórico da Anatel é um exemplo disso. Não é difícil encontrar multas irrisórias, inclusive uma inferior a três reais. Mesmo assim, segundo o Tribunal de Contas da União, a agência recebe apenas 4,5% das multas aplicadas. Acham-se no site recursos administrativos ainda em julgamento sobre irregularidades cometidas em 2006. A situação é ainda mais peculiar porque a defesa utiliza parecer de uma superintendência da própria agência, felizmente não acatado pelo conselho diretor, alegando que o valor excessivo de multas poderia comprometer o equilíbrio econômico das empresas fiscalizadas.

Há muito a ser feito para que tenhamos uma proteção efetiva ao consumidor brasileiro no campo da regulação. As agências sequer apuram as reclamações feitas nos Procons e nem os consultam antes de propor regulamentos, ao contrário da absoluta maioria dos países da OCDE. Isso acarreta um elevado custo social, que pode ser medido pela apropriação indevida de renda, pelo não investimento em qualidade, pelos prejuízos impostos aos consumidores e pelo desrespeito à legislação consumerista.

Esperamos que ações como as da Anatel e da ANS não sejam apenas medidas espetaculares eventuais, mas que estejam sinalizando uma nova postura, em que os cidadãos de todas as classes sociais possam finalmente sentir que as autoridades se preocupam com os seus direitos.

Um mercado bem regulado beneficia a sociedade por permitir o acesso a bens e serviços de qualidade e pelo preço justo, diminui o custo social, premia as empresas que priorizam a qualidade à publicidade e leva ao desenvolvimento econômico e social do país.

Um comentário:

  1. João de Moraes neto -jmoraesmneto@gmail.com1 de agosto de 2012 às 15:42

    Prezado Vasco.Infelizmente o papel de quase todas as agencias reguladoras é pífio ,basicamente porque não tem a desejada e necessária independência requerida.O Governo federal se insunua e usa a agencia para seus fins, nem sempre em prol dos consumidores.Por outro lado, também sombrio,a pouca atuação e civilidade de nós consumidores, aliado a um baixo grau de discernimento e cidadania impede que nossa classe se apresnte como uma legítima força de pressão para a melhoria dos serviços regulatórios.

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