Nesta segunda-feira, o Vaticano criticou rispidamente o livro “Just Love: A Framework for Christian Sexual Ethics” ("Amor Justo: Um Ordenamento para a Ética Sexual Cristã", em tradução livre) da Irmã Margaret Farley, uma proeminente religiosa americana, dizendo que ele contraria o ensinamento da Igreja sobre assuntos como masturbação, homossexualidade e casamento, e que sua autora tem um entendimento distorcido da teologia católica. [A Irmã Margaret é teóloga e professora emérita da Yale Divinity School, da Universidade de Yale, onde leciona desde 1971 e lá concluiu seu doutorado em 1973 -- suas áreas de atuação são Catolicismo; Ética; Feminismo/Teologia Feminista; Medicina/Ética Médica; Ética Sexual.]
A Congregação para a Doutrina da Fé, o órgão oficial da Igreja Católica sobre ortodoxia, disse que o livro provocou um "grave dano" à fé. A Congregação afirmou que em seu livro, que é de 2006, a Irmã Margaret ignorou o ensinamento da Igreja sobre temas fundamentais da sexualidade humana, ou tratou-o como se fosse simplesmente uma opinião entre muitas outras. [Quando o assunto é sexo a inércia do Vaticano é paquidérmica, qualquer que seja a abordagem -- a Igreja é omissa e/ou extremamente lenta na punição dos inúmeros crimes de pedofilia praticados por religiosos de vários escalões em sua hierarquia, e agora leva quase seis anos para condenar um livro que a contraria em matéria de sexo ... Ela só é rapidinha para produzir santos.]
A Irmã Farley disse na segunda-feira que nunca teve a intenção de que seu livro refletisse o ensinamento católico vigente. Muito ao contrário, disse ela, o escreveu para explorar a sexualidade através de várias tradições religiosas, fontes teológicas e experiência humana.
A crítica a essa religiosa, assinada pelo chefe da Congregação, o Cardeal William Levada, surge no seio de uma recente repressão do Vaticano ao maior aglomerado de freiras americanas. No mês passado, o Vaticano impôs uma verdadeira lei marcial à Leadership Conference of Women Religious (LCWR), acusando-a de solapar o ensinamento da Igreja e de impor certos "temas feministas radicais" que são incompatíveis com o catolicismo. O Vaticano ordenou uma revisão completa do grupo, e designou três cardeais para executá-la.
A repressão à Irmã Margaret, uma teóloga americana de ponta, certamente irá alimentar um ressentimento maior em Roma entre as freiras americanas de mentalidade mais liberal. O exame do livro pelo Vaticano começou em 2010 [com atraso e em marcha lenta, como sempre ...], e envolveu a busca de respostas da Irmã aos seus questionamentos. Depois que essas respostas não conseguiram satisfazer a Congregação para a Doutrina da Fé, esta realizou uma extensiva "investigação em casos de urgência", concluída em 14 de dezembro de 2011. O papa Bento XVI aprovou a decisão da Congregação em março passado, e determinou que fosse publicada.
Em seu comunicado, o Vaticano destacou problemas específicos do livro da Irmã Margaret que, segundo ele, "ratificam posições que estão em direta contradição com o ensinamento católico no campo da moralidade sexual". A autora, por exemplo, escreve que a masturbação não gera quaisquer problemas morais e pode, na realidade, ajudar relacionamentos em vez de prejudicá-los. O Vaticano sustenta que, de acordo com o que a Igreja ensina, "a masturbação é intrinsecamente uma grave ação provocada por distúrbio físico ou mental (ação desajustada -- disordered action)".
A Irmã Margaret escreveu também que as pessoas homossexuais, assim como suas atividades, devem ser respeitadas. O ensinamento da Igreja diz que as pessoas gays devem ser respeitadas, mas os atos homossexuais são "intrinsecamente desajustados" ("intrinsically disordered").
Com relação ao casamento gay, a Irmã disse que o reconhecimento legal do casamento gay pode mudar a estigmatização dos gays. O cardeal Levada contestou, dizendo que a aprovação do casamento gay não seria apenas uma notória aprovação de um "desvio de comportamento", mas iria também reduzir o valor do casamento tradicional entre homem e mulher na sociedade. "Os princípios do respeito e da não-discriminação não podem ser invocados para dar respaldo ao reconhecimento legal de uniões homossexuais", escreveu ele.
Em seu comunicado, a Irmã Margaret disse que seu objetivo era propor um ordenamento para a ética sexual que "usa um critério de justiça" na avaliação das relações sexuais. Ela admitiu que suas respostas a certos tópicos efetivamente se afastam da doutrina tradicional, mas disse que, não obstante isso, eram coerentes em termos de tradições morais e teológicas. "O fato de que cristãos (e outros) conseguiram uma nova noção e uma compreensão mais profunda da sexualidade e do corpo humanos parece exigir que nós, pelo menos, examinemos a possibilidade de desenvolvimento na ética sexual", escreveu a Irmã. Ela disse que prezava o trabalho do Vaticano, mas lamentou que suas posições não estivessem refletidas no documento final da Congregação.
O Reverendo James Martin, um autor jesuíta de tendências liberais, disse que a notificação [da Irmã] entristecerá muitos teólogos católicos que consideram a Irmã Margaret como uma mentora. "Inevitavelmente, a notificação provocará também emoções fortes entre aqueles que já se sentem esbofeteados pela Inspeção Apostólica do Vaticano de freiras católicas nos EUA, e sua intervenção na LCWR", disse o reverendo, que tem ostensivamente apoiado as freiras americanas desde o início da repressão do Vaticano.
A Irmã Margaret recebeu 11 títulos honorários ao longo de sua vida, é ex-presidente da Sociedade de Ética Cristã e da Sociedade Teológica Católica da América, e em 2008 ganhou um prêmio pelo seu livro [condenado pelo Vaticano].
A crítica do Vaticano, enquanto aparentemente dura, é bem inofensiva. Não é uma censura formal à própria Irmã, mas apenas ao livro. E, levando em conta que ela não ensina em uma universidade católica, o Vaticano não pode proibí-la de ensinar, como fez com outros teólogos católicos que não seguem sua linha. Mas, o Vaticano parece de fato, indiretamente, culpar os superiores da Irmã por terem permitido que ela verbalizasse posições contrárias à doutrina católica. A notificação do Vaticano disse que ele estava entristecido com o fato de que um "membro de uma instituição de vida consagrada" fizesse aquilo.
A superiora da Irmã Margaret, a Irmã Pat McDermott, defendeu-a e disse que estava profundamente entristecida com a crítica do Vaticano ao "relevante pensamento pastoral e ético apresentado no livro dela".
[Pelo menos em um aspecto a atitude de censura da Igreja Católica saiu-lhe pior que a encomenda: antes das objeções do Vaticano, o livro da freira americana ocupava o obscuro 142.892° lugar na lista dos mais vendidos da Amazon -- ontem à tarde, ele já ocupava o 16° lugar ... Nada mal para um livro impresso há mais de meia década.]
Irmã Margaret Farley - (Foto: Google).
Prezado Vasco, me parece que a melhor tradução livre para "Just love" é "Apenas amor"... Abs. Paulo
ResponderExcluirPrezado Paulo,
ResponderExcluirEssa é apenas uma das traduções de "just" em inglês. O Oxford Advanced Learner's Dictionary dá também a tradução de "based or behaving according to accepted moral principles; reasonable and fair". E o dicionário Inglês-Português do Antonio Houaiss dá também para "just" as traduções de "justo, virtuoso". Como se trata de um livro de cunho religioso que quer desmistificar certos tabus sexuais, me parece claro que "apenas" não é a tradução certa, no caso. Grato pela atenção.
Abs,
Vasco
Prezados,
ResponderExcluirEssa discussão é interessante pois indica uma preocupação (nossa) sobre o tema. Em termos ideais, imagino que a autora tenha objetivado os dois signifacados, simultaneamente, pois que eles se completam e se expandem. Em termos objetivos, ressalto os desserviços que o Vaticano $A vem prestando ao mundo cognitivo. Um registro de particular importãncia data dos séculos XVI/XVII e dizem respeito ao Galileu Galilei, em pleno paroxismo da Inquisição.
Não vou entrar nos seus detalhes pois seria um discurso do Comendador Acácio. No entanto, desde então, a generosidade deles em desserviços abunda, cada vez que esses instrutores pretenciosos se pronunciam em assuntos que não fazem parte do seu conhecimento cotidiano(por óbvia falta de prática, ou quase óbvia).
Melhor seria se escrevessem prolongadas enciclopédias sobre pedofilia e sodomia e as variadas formas de punições previstas na jurisprudência vaticanista.
Criado e educado segundo os rígidos preceitos católicos (que sou), considero um exagero imaginar que o Espírito Santo vá inspirar algum despreparado, particularmente quando um dos poucos ensinamentos cristãos que seguem é: "Deixai vir a mim as criancinhas!"