Durante os últimos meses à frente do Banco do Vaticano, o economista Ettore Gotti Tedeschi, de 67 anos ["banqueiro de Deus" desde 2009], viveu temendo que um dos homens fortes da Igreja, com barrete ou sem ele, mandasse matá-lo. Para o caso de isso vir a acontecer, montou com paciência de colecionador um volumoso relatório que sua secretária teria que entregar, após sua morte, a dois amigos seus, um advogado e um jornalista, para que eles por sua vez o fizessem chegar a um terceiro amigo: o Papa. O relatório continha uma quantidade enorme de cocumentos -- correios eletrônicos, fotocópias de sua agenda, anotações à mão -- que serviriam para compreender porque Gotti Tedeschi fracassou em sua missão de sanear o Instituto para as Obras de Religião (IOR) [outro nome do Banco do Vaticano]. O economista suspeitava que por trás de algumas das contas cifradas do banco se ocultava o dinheiro sujo de empresários, políticos e até de chefes da Máfia. Como acontece às vezes em alguns filmes, antes do assassino chegou a polícia e se apossou do relatório. Agora, quem tem medo é o Vaticano. [É bom lembrar outro escândalo famoso envolvendo o mesmíssimo Banco do Vaticano, que na época era presidido pelo arcebispo Paul Marcinkus, protagonista do maior escândalo financeiro do Vaticano (até agora ...), a quebra do Banco Ambrosiano, de Milão, em 1982 -- de cujo capital a Santa Sé possuía 16%. O Vaticano, que é um Estado soberano (o que acho uma piada), deu asilo a Marcinkus e seus dois colaboradores, para que não fossem presos.]
Não se trata de um medo abstrato, não é temor a Deus. Trata-se de pânico real, verdadeiro, caso Gotti Tedeschi, ou a polícia, ou os promotores, ou talvez os jornalistas, tragam à luz alguns dos documentos contidos no relatório reservado ou nos 47 arquivos que os Carabinieri -- por ordem dos promotores de Nápoles e de Roma -- levaram da casa do economista. Não é outra coisa que temor, ainda que disfarçado de ameaça, o que destila de um comunicado publicado pela sala de imprensa do Vaticano na quarta-feira à tarde. O primeiro parágrafo adverte: "A Santa Sé recebeu com surpresa e preocupação os recentes acontecimentos em que está envolvido o professor Gotti Tedeschi. Depositamos a confiança máxima no judiciário italiano, para que sejam adequadamente respeitadas as prerrogativas soberanas reconhecidas à Santa Sé pelo direito internacional". O segundo parágrafo ameaça: "A Santa Sé (...) está examinando com o máximo de cuidado a eventual nocividade das circunstâncias" [o texto em espanhol fala em "lesividad", que pode também ter relação com a figura jurídica do direito espanhol de "declaración de lesividad"]. A tradução ao espanhol cristalino e inequívoco é bem clara: tirem as mãos de nossos assuntos todos vocês -- Gotti Tedeschi, a polícia, os promotores e inclusive os jornalistas -- ou terão que ver-se conosco nos tribunais.
O nível do escândalo do Vaticano aumenta vertiginosamente. As primeiras notícias de que intramuros se desenrolava uma guerra de poder pouco piedosa, entre setores da Curia, surgiram no início do ano com o vazamento de documentos que falavam, entre outros assuntos, de um bizarro complô para eliminar o Papa e da destituição do monsenhor Carlo Maria Viganò -- o encarregado de licitações e suprimentos -- após denunciar diversos casos de corrupção. O vazamento de documentos culminou com a detenção, em 25 de maio, de Paolo Gabriele, o mordomo do Papa, acusado de roubar e vazar caixas inteiras da correspondência papal. Esse golpe midiático quase ocultou um fato ocorrido um dia antes: a destituição fulminante, por "perda de confiança", do até então presidente do IOR, Ettore Gotti Tedeschi, membro destacado da Opus Dei e amigo de Joseph Ratzinger [o Papa], a quem inclusive ajudou a escrever uma encíclica. Entretanto, aquela não foi uma demissão qualquer. Os conselheiros do IOR, lembra o vaticanista Andrea Tornielli, dirigiram ao próprio Gotti Tedeschi um "documento duríssimo, que o demolia moral e profissionalmente ao dar a entender que estava envolvido no vazamento de documentos dos caluniadores do Vaticano". Não se tratava, portanto, de se desfazer do amigo de Bento XVI -- tratava-se de destruí-lo.
A razão de tanta desejo de vingança talvez esteja nos documentos encontrados na terça-feira na casa de Gotti Tedeschi em Piacenza e em seu escritório em Milão. Gotti assinala em seu relatório: "Tudo começou quando pedi informações sobre as contas que não pertenciam a religiosos". Segundo vários setores italianos, durante sua permanência à frente do Banco do Vaticano (ao qual chegou em 2009), foi descobrindo que por trás de algumas contas cifradas se escondia dinheiro sujo de "políticos, atravessadores, construtores e altos funcionários do Estado". Mas não era só isso. Como sustenta a promotoria de Trapani (Sicília), também Matteo Messina Denaro, o novo "capo di tutti capi" [chefe dos chefes] da Cosa Nostra, tinha sua fortuna em boa segurança no IOR através de prepostos. Diz-se que foi então que Gotti Tedeschi, que havia tomado como uma autêntica missão o encargo que o Papa lhe havia dado, começou a ter medo. Um medo que o levou a providenciar uma escolta de segurança e a elaborar, folha a folha, um documento que só seria revelado se ele fosse assassinado.
Mas, a polícia chegou primeiro. E junto aos documentos com correios eletrônicos, fotocópias de sua agenda e anotações à mão, ela encontrou duas listas de nomes. Em uma delas, sem muito interesse, figuram aqueles que Gotti Tedeschi considera como amigos -- o advogado, um jornalista do Corriere della Sera, e o próprio Papa -- e na outra, mais interessante, seus inimigos por excelência. Aqueles que, na tarde de 23 de maio, escreveram uma carta ao secretário de Estado do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone, exigindo-lhe a demissão do banqueiro de Deus porque "seu comportamento pessoal cada vez mais excêntrico já não é tolerável". Se tratava de devolver-lhe [a Gotti], como um bumerangue, sua própria acusação e atribuir-lhe ausências injustificadas, falta de transparência ... O pedido teve êxito, Gotti foi demitido sumariamente.
Mas, caso fracassasse aquela estratégia, os inimigos já tinham uma outra preparada. Já haviam solicitado a um "psicoterapeuta e hipnoterapeuta", autorizado a trabalhar no Vaticano, uma espécie de relatório no qual, além de "egocêntrico e narcisista", acusava-se o banqueiro de estar desequilibrado e de acreditar que era vítima de uma conspiração judaico-maçônica. Não há quem ganhe em crueldade dos homens de Deus, quando jogam para suplantar o diabo. A polícia disse que quando Gotti Tedeschi, na solidão de sua casa, foi redigindo seu relatório ele temia verdadeiramente por sua vida. Tinha medo de que seus inimigos tentassem ainda uma terceira e definitiva estratégia.
Bento XVI fala com Gotti Tedeschi no Vaticano em 2010 - (Foto: Reuters).
O Papa na Praça de S. Pedro, com seu mordomo (de gravata) e seu secretário pessoal - (Foto: Andrew Medichini/AP).
Bem..., gostaria de ser corrigido por algum economista de plantão:
ResponderExcluir"O melhor NEGÓCIO" do planeta não é, nem de longe, o petróleo. A religião É!
Sempre foi e continuará sendo, por todas as lacunas da inteligência que ela contorna e domina com a esperteza de uma raposa felpuda (coitada, tomada como exemplo retórico). Vão se ralar, urubus!
"O reino de Deus está em você e nos seus arredores. Não está nos templos de pau e pedra. Quem entender essas palavras de Jesus vivo, não conhecerá a morte"