O Japão tornou-se no sábado de 5 de maio passado uma nação sem energia nuclear pela primeira vez em mais de quatro décadas, pelo menos temporariamente. A energia nuclear supria um terço da energia do país.
Líderes japoneses fizeram, nos últimos meses, tentativas cada vez mais desesperadas para evitar esse cenário, tentando reativar usinas fechadas para manutenção de rotina e mantidas assim, enquanto autoridades tentavam convencer um público inquieto e nervoso de que os reatores estavam seguros após a catástrofe nuclear do ano passado. Mas, o governo enfrentou dificuldades com uma desconfiança frustrante por parte do público, que recentemente ganhou voz poderosa através de líderes locais que estão orquestrando um desafio sem precedentes ao poder central de Tóquio.
Com o desligamento dos últimos 50 reatores comercialmente funcionais naquele sábado, essa resistência local ao religamento das usinas faz os líderes japoneses se confrontarem com um cenário sombrio: com o antes alardeado balanço de comércio do país já se deteriorando, eles agora enfrentam a perspectiva iminente de cortes de energia durante o verão, que poderão levar ainda mais indústrias a fechar as portas ou mudar-se para o exterior. A paralização de todos os reatores "seria algo parecido com um suicídio coletivo", disse Yoshito Sengoku, presidente em exercício do comitê de políticas do governista Partido Democrático.
O confronto entre líderes locais e nacionais ocorreu em uma usina em Ohi, perto de Osaka, que o governo do Primeiro-Ministro Yoshihiko Noda preparara como um caso teste crucial para o futuro nuclear do Japão. Dois reatores da usina paralizada foram os primeiros a serem aprovados em testes de simulação de estresse, com o objetivo de mostrar que a maioria dos reatores, diferentemente daqueles da usina de Fukushima devastada pelo terremoto e pelo tsunami do ano passado, poderiam sobreviver a desastres semelhantes. O governo confiava em que os reatores de Ohi seriam repostos em operação então, ou pelo menos receberiam a aprovação local para operar em breve.
Em vez disso, o governo central viu-se lutando contra um adversário imprevisto: o prefeito de Osaka, Toru Hashimoto, o jovem de falar sem rodeios, filho de um gângster yakuza [tipo de mafioso japonês], que pegou carona na perda de confiança dos japoneses no governo para tornar-se, aparentemente da noite para o dia, o político mais benquisto do país segundo pesquisas recentes. Ele ganhou amplo apoio público ao ser o porta-voz das suspeitas públicas, fortemente arraigadas, de que o governo de Tóquio está se apressando para defender os interesses da poderosa indústria nuclear às custas da segurança da população -- uma situação que muitos japoneses agora responsabilizam pelas condições vulneráveis em que Fukushima foi deixada.
A ascensão de Hashimoto -- e seu êxito em bloquear uma rápida reativação da usina de Ohi -- são alguns dos sinais mais evidentes de que a desconfiança gerada pelo tratamento dispensado pelo governo ao desastre de Fukushima está reformulando atitudes no Japão, onde o povo aceitava há muito tempo o domínio de Tóquio sobre suas vidas. A falha da administração Noda em perceber a chegada de Hashimoto, junto com sua confiança nos testes de estresse -- mesmo estes sendo contestados -- sinaliza que o distanciamento entre o governo e o povo, aberto com o desastre nuclear, só havia aumentado. "Os japoneses estão saturados com essa história de tudo continuar como sempre, apesar dos problemas, e Hashimoto foi capaz de capitalizar essa raiva", disse Wataru Kitamura, um professor de governança na Universidade de Osaka.
Hashimoto faz um cuidadoso esforço para dizer que não é contra a energia nuclear. Ele, na verdade, é contra o sistema opaco e autoritário, de cima para baixo, que muitos japoneses agora culpam pela percebida falha do governo em evitar ou prevenir o acidente do ano passado, e em não informar completamente à população os riscos de radiação que ele gerava. Essa mesma atitude aparentemente levou a liderança nacional a subestimar o quão difícil seria convencer as lideranças locais a reativar as usinas.
"Como podem eles tomar uma decisão como essa a portas fechadas, sem explicá-la ao povo japonês?", disse Hashimoto, que organizou o grupo de especialistas de sua própria cidade para verificar as medidas de segurança da usina de Ohi, a cerca de 90 km ao norte de Osaka [ver mapa]. "A questão da reativação de reatores revela as falhas do sistema vigente no Japão e como ele está comprometido com interesses especiais".
Hashimoto conseguiu retardar a reativação da usina em parte porque Osaka, uma cidade de 2,7 milhões de habitantes, não só é o maior consumidor da usina de Ohi, como também é o maior acionista da empresa que opera a usina, a Tokyo Electric Power. Mas, Hashimoto pode mostrar ser um perigo a mais longo prazo para a liderança de Tóquio, se outras lideranças locais por todo o país seguirem seu exemplo. Governadores de duas regiões vizinhas a Osaka, o distrito que inclui a cidade de Kyoto, e a prefeitura de Shiga já se movimentaram, indo a Tóquio com sua próprias demandas por uma segurança maior na usina de Ohi e por uma investigação mais profunda sobre as causas do acidente de Fukushima.
Esse tipo de revolta parece ter anulado completamente a estratégia do governo para, rapidamente, fazer com que Ohi e outras usinas voltassem a operar, segundo analistas políticos.
Se Hashimoto for bem sucedido, a discussão terá que ser mais ampla, levando em conta as preocupações das municipalidades muito além das usinas, mas ainda passível de ser prejudicada se houver derretimentos [de barras de reatores] e emissões de radiações como as de Fukushima Daiichi. Esse tipo de amplo envolvimento público no processo de tomada de decisões poder retardar a reativação de reatores por meses ou até anos.
O comitê de engenheiros e sismólogos nucleares criado por Hashimoto reprovou os testes de estresse [de Ohi], por terem sido realizados antes que o governo tivesse concluído sua própria investigação sobre o que aconteceu de errado em Fukushima. Essa crítica teve repercussão. "Esse assunto da retomada de operação mostra como o governo não trabalha para nós", disse Takashi Okuda, um motorista de 51 anos de Osaka. "Gostamos de Hashimoto porque ele quer impedir Tóquio de tentar reativar as usinas sem descobrir o que houve de errado".
Autoridades do governo de Noda repeliram rapidamente a solicitação de Hashimoto para que fosse dado mais poder às lideranças locais para paralizar usinas nucleares, argumentando que cabe ao governo nacional estabelecer a política energética do país. Algumas das palavras mais ásperas vieram de Y. Sengoku, do partido governista, que acusou Hashimoto de "usar irresponsavelmente o tema para fins políticos".
Jiro Yamaguchi, um cientista político da Universidade de Hokkaido, admite que Hashimoto possa estar tentando "apresentar-se como um salvador" para valorizar seu status político. "Mas, ele está envolvido em algo muito legítimo: a frustação do Japão pela falta de liderança e pela inércia política".
Nada garante que a revolta de Hashimoto dure além do verão, quando será mais real e sensível a noção de como é a vida sem a energia nuclear em um país que se apoiou em usinas nucleares para alimentar sua poderosa economia do pós-guerra. Mas, sua resistência já criou uma mudança sutil. Na contagem regressiva para a paralização do último reator ainda em operação, líderes de Tóquio estavam assustados o suficiente para reverter a tradicional dinâmica do setor elétrico do país. Em vez de receber as lideranças locais na capital, eles apresentaram suas posições pessoalmente -- na sede da prefeitura, perto de Ohi.
Usina nuclear de Ohi, perto de Osaka, onde se deu o confronto entre lideranças nacionais e locais sobre o destino dessa e de outras usinas nucleares japonesas - (Foto: Kuni Takahashi/The New York Times).
Mapa com a localização da usina nuclear de Ohi - (Fonte: The New York Times).
Toru Hashimoto, o prefeito de Osaka que lidera uma "revolução" na condução da política energética japonesa - (Foto: Wikipedia).
Amigo VASCO:
ResponderExcluirAcho que há um exagero nesse caso.
Em meu entendimento, o caso da usina de Fukushima não foi decorrente da própria instalação da usina, ou de uma falha em sua estrutura. A causa se deveu ao TSUNAMI, que apresentou uma potência equivalente à de várias explosões nucleares e que, até agora, não apresenta formas de defesa.
Pode-se argumentar da proximidade da usina do litoral. Pode-se falar dos terremotos.
Quanto a esses últimos, não sei se existe algum país mais preparado para enfrentá-los.
Daí ser factível admitir que a usina estaria preparada para suportar um terremoto que viesse a afetar sua localização.
Não foi o que houve.
Pelo que lembro, só dois acidentes nucleares aconteceram com usinas: THREE MILE ISLANDS e CHERNOBYL.
Considerando que existem centenas de usinas, cada vez mais modernas, operando no mundo, parece-me uma paranóia condenar a tecnologia.
Sem dúvidas, a tecnologia ainda não resolveu um problema decorrente da operação dessas usinas: a destinação adequada dos resíduos radioativos. Esse sim, é um assunto sério.
A decisão do Japão, da Alemanha e, seguramente de outros países que vierem a adotar o fechamento das usinas, vai provocar mais malefícios do que benefícios.
São países altamente industrializados, dependentes de energia, que deverá ser suprida quase que imediatamente por usinas termo-elétricas em sua maioria, queimando combustíveis fósseis em sua maioria.
As fontes alternativas de energia, como a solar e a eólica, ainda não têm escala para atender as demandas crescentes de energia desses países (nem no nosso).
Fica o comentário.
Abraços - LEVY