Situada nos limites de um parque, Karlsaue, a casinha de jardineiro ocupada pelo trabalho de Anna Maria Maiolino fica bem próxima de onde moravam os Irmãos Grimm. E não é difícil perceber a atmosfera onírica que permeia o local, repleto de obras de arte da Documenta deste ano. Numa espécie de trabalho de arte total, a artista de origem italiana usou todos os espaços da casa do jardineiro, preenchendo-os do porão ao sótão com argila modelada, vozes e cheiros, interligando espaços internos e externos, e enriquecendo o entorno com sons de pássaros brasileiros provenientes de instrumentos indígenas. Segundo Maiolino, aquele seria um "espaço a ser tomado de forma poética e a favor da vida". Maiolino disse que fazer esse trabalho foi algo muito "prazenteiro". E foi com grande prazer que a DW Brasil conversou com a artista em seu ateliê, em São Paulo, sobre a exposição na Alemanha, sua obra e sua vida.
Anna Maria Maiolino mora no Brasil desde os anos 1960 - (Foto: L. Gonzaga).
"Tenho 50 anos de trabalho e 70 de idade. Sou uma artista dos anos 1960,
que experimentou Super 8, performances, instalações, desenho,
escultura, ou seja: eu sou uma pessoa curiosa. Sou uma artista curiosa
que vai para as outras mídias, porque isso alarga o discurso da obra
quando se vai para outros suportes. Sons já estavam presentes nos Super 8
dos anos 1970, depois foram para alguns vídeos e, no ano retrasado, fiz
uma performance na [Fundação] Eva Klabin, utilizando sons.
Então, a Carolyn [curadora da Documenta] me convidou. Ela veio aqui para
a Bienal de São Paulo há dois anos. Ela me convidou e sugeriu que
gostaria de uma instalação de argila, mas me deixou livre, realmente ela
foi super generosa. E por ocasião da inauguração da minha retrospectiva
na Fundação Tàpies, em setembro de 2010, ela me pediu para ir até
Kassel, para escolher um espaço e conversarmos. Ela me fez conhecer a
cidade, eu nunca havia estado em Kassel, nem como convidada, nem como
espectadora.
E eu achei que a cidade tinha uma história, que, mesmo que você não
queira, bate na memória. Ela me levou para o Breitenau [antigo campo de
concentração nazista], que foi um mosteiro, que foi sede da Gestapo,
reformatório de meninas e que agora é um manicômio aberto e um museu. E
depois passeamos um pouco pela cidade, até que eu cheguei naquela
casinha, entrando não por onde eles estão fazendo entrar pelo parque,
mas pela rua – pela Auerdamm 18 – o que para mim foi um encanto. Porque,
passando por lá, ela me disse, apontando para o outro lado do parque:
"Aqui moraram os irmãos Grimm".
Em "Aqui e ali", Anna Maria Maiolino ocupou todos os espaços da antiga casa de jardineiro - (Foto: Carlos Albuquerque).
Eu já estava saindo do terror do espaço do Breitenau, com toda a
responsabilidade que se sente perante a opressão e perante o fato de os
poderes, alemães ou não, tenderem sempre a colocar a cabeça das pessoas
naquilo que eles acham que é normalidade, num molde. E na verdade se
trata de uma esquizofrenia dos poderes. Eu estava muito impactada, e
fiquei pensando nas fábulas dos Irmãos Grimm, que são maravilhosas, mas
também terrorizam, pois criança morre de medo.
Então quando vi aquela casinha, pensei: eu quero essa casa, porque é um
espaço a ser tomado poeticamente a favor da vida. Eu disse a Carolyn:
"Tudo bem, você quer instalação de argila, eu a farei, mas eu quero me
divertir, eu quero fazer trabalhos novos". E, na última hora, quando vi
os pregos que não mexi e que eu tinha umas fotos de ovos que eu estava
levando para outra pessoa, acabei emoldurando e pendurando nas paredes, e
coloquei o filme "+ - = -", feito no fim da ditadura militar no Brasil. Porque na verdade eu estava querendo falar do embrião, do ovo como
símbolo arquétipo por excelência da vida, que se renova, que apesar de
tudo, resiste. Tanto é que naquele vídeo não há ganhadores. Foi um
momento político do Brasil que, de certa maneira, foi tétrico como
Breitenau. Então, na verdade, o trabalho em si, é um trabalho político
em certas questões conceituais.
[Vejam o restante do artigo no site da DW Brasil (DW = Deutsche Welle = Onda (de rádio) alemã).]
Um dos trabalhos de Anna Maria Maiolino expostos na Documenta de Kassel 2012 - (Foto: Carlos Albuquerque).
Nenhum comentário:
Postar um comentário