domingo, 10 de junho de 2012

Israel instala mísseis nucleares em submarinos importados da Alemanha (V)

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Parte V

Os estaleiros de Kiel

Os alemães entenderam a mensagem. "Israel-Alemanha-gás" soaria como uma "tríade horrível" no resto do mundo, alertou o então ministro do Exterior Genscher em um memorando interno. Em 30 de janeiro de 1991, duas semanas depois do início da Guerra do Golfo, o governo alemão concordou em fornecer armas a Israel no valor de 1,2 bilhão de marcos alemães. Isso incluía o financiamento completo de 880 milhões de marcos para dois submarinos. O milagre orçamento havia ocorrido. Israel havia enconterado seu benfeitor.

Como diz a sabedoria militar, um país que compra um ou dois submarinos comprará também um terceiro. Um submarino permanece docado, enquanto os outros dois se revezam em operações. "Depois que encomendamos os dois primeiros barcos, ficou claro que havíamos entrado em um negócio que envolveria novas ordens", diz uma pessoa que era um membro do gabinete israelense na época.

Em um dia de inverno em 1994, por volta de 18h, um avião da Força Aérea de Israel aterrisou na área militar do aeroporto Colônia-Bonn. Seus passageiros queriam discutir o futuro de Israel e do Oriente Médio. A bordo estavam três homens: o primeiro-ministro Yitzhak Rabin, seu conselheiro de segurança nacional e o chefe do Mossad, Shabtai Shavit. A pequena delegação foi levada à residência do chanceler alemão, onde Kohl a esperava ao lado de seu conselheiro de política externa, Joachim Bitterlich, e seu coordenador de inteligência, Bernd Schmidbauer.

Cerveja de trigo para Israel

Naquela noite, Kohl e Rabin discutiram o caminho para a paz no Oriente Médio. Rabin e o líder palestino Yasser Arafat, juntos, haviam sido agraciados com o Prêmio Nobel da Paz, no ano anterior, ao lado de Peres. Pela primeira vez em muito tempo, parecia possível a conciliação entre judeus e palestinos, com a Alemanha servindo de intermediária.

Em Bonn, Rabin falou longamente sobre a relação germano-israelense, que ainda era difícil. No jantar, Kohl surpreendeu seus visitantes servindo-lhes cerveja de trigo. Os israelenses estavam encantados. "A cerveja está ótima", disse Rabin. O gelo tinha sido quebrado.

Naquela noite, o premiê israelense pediu aos alemães um terceiro submarino, e Kohl espontaneamente concordou. Por volta da meia-noite, Scmidbauer levou Rabin de volta para o aeroporto. Kohl, que era insuperável na arte de gerar camaradagem na política, mandou uma caixa de cerveja de trigo para Israel no Natal de 1994. Poucos meses depois do encontro secreto em Bonn, em fevereiro de 1995 foi assinado o contrato para o terceiro submarino, o Tekumah. A participação alemã nos custos totalizava 220 milhões de marcos.

OS SEGREDOS BEM GUARDADOS DO ESTALEIRO EM KIEL

Desde então, um dos mais secretos projetos de armas no mundo ocidental esteve em andamento em Kiel, onde se desenvolveu uma forma especial de camaradagem entre os alemães e os israelenses. Cerca de meia dúzia de israelenses trabalham no estaleiro hoje, em uma atividade de longo prazo. Amizades, algumas próximas, se formaram entre engenheiros do HDW e seus familiares e as famílias israelenses, e ocasiões especiais são celebradas em conjunto. Mas, apesar disso, os israelenses se asseguram de que a presença de nenhum estranho seja permitida nas proximidades dos submarinos. É negado acesso até aos dirigentes da Thyssen-Krupp, que comprou o HDW em 2005. "O principal objetivo de cada envolvido era assegurar que não haveria debate público sobre o projeto, nem na Alemanha nem em Israel", diz o ex-comandante-em-chefe da marinha, Ayalon. Isso explica porque tudo relacionado com os equipamentos nos submarinos permanece escondido atrás de um manto de segredo.

Uma das características especiais [dessas embarcações] é o equipamento usado na classe Dolphin, que recebeu o nome do primeiro barco. Diferentemente dos submarinos convencionais, os Dolphins não têm apenas tubos de 533 mm de diâmetro na proa de aço. Atendendo a um pedido especial dos israelenses, os engenheiros projetaram quatro tubos adicionais de 650 mm de diâmetro -- um projeto especial não encontrado em nenhum outro submarino do mundo ocidental.

Qual é o objetivo dos tubos mais largos? Em um memorando classificado [de confidencial] de 2006, o governo alemão argumentou que os tubos são "uma opção para o transporte de forças especiais e para o armazenamento sem pressão de seus equipamentos" -- nadadores de combate, por exemplo -- que podem ser lançados pelos tubos estreitos em operações secretas. A mesma explicação é dada pelos israelenses.

Mantendo opções abertas

Nos EUA, entretanto, há muito se especula que os tubos mais largos podem visar ao uso de mísseis balísticos equipados com ogivas nucleares. Essa suspeita foi reforçada por um pedido israelense de 200 mísseis de cruzeiro americanos Tomahawk, em 2000. Esses mísseis têm um alcance acima de 600 km, enquanto versões nucleares podem voar até cerca de 2.500 km. Mas, os EUA rejeitaram o pedido duas vezes. Essa é a razão pela qual os israelenses ainda hoje dependem de mísseis balísticos de projeto próprio, como os Popeye Turbo.

Seu uso como transportadores de cargas nucleares é prontamente possível nos Dolphins. Contrariamente às suposições oficiais, o HDW equipou os submarinos israelenses com um sistema hidráulico de ejeção recentemente desenvolvido, em vez do sistema de ejeção de ar comprimido. [...] A pressão resultante, entretanto, é limitada e insuficiente para ejetar fora do submarino um míssil de meio alcance de três a cinco toneladas, pelo menos na opinião de pessoas que conhecem o assunto. Esse não é o caso com mísseis mais leves, pesando até 1,5 ton. -- como o Popeye Turbo ou o americano Tomahawk, que pesam exatamente isso incluindo suas ogivas. Há indicações de que, com os tubos expandidos, os israelenses querem manter aberta a opção de desenvolvimentos futuros mais volumosos.

Os alemães e a questão atômica: "no questions, no problems"

Os alemães não querem saber de nada sobre isso. "Estava claro para cada um de nós, sem que nada fosse dito, que os navios haviam sido projetados para as necessidades dos israelenses e que isso poderia incluir também recursos nucleares", diz uma autoridade sênior alemã que esteve envolvida nisso na era Kohl. "Mas, na política há perguntas que é melhor não fazer, porque a resposta seria um problema".

Até hoje, o ex-ministro do Exterior Genscher e o ex-ministro da Defesa Volker Ruhe, da Alemanha, dizem não acreditar que Israel tenha equipado os submarinos com armas nucleares. Por seu lado, especialistas das forças armadas alemãs, a Bundeswehr ["Defesa Federal"], não duvidam da capacidade nuclear dos submarinos mas efetivamente duvidam que se possa desenvolver, a partir do Popeye Turbo, mísseis de cruzeiro que voem 1.500 km.

Alguns especialistas insinuam, consequentemente, que o governo israelense está blefando, numa jogada para fazer o Irã acreditar que Israel já possui uma capacidade marítima de revide nuclear. Isso, por si só, seria suficiente para forçar Teerã a comprometer recursos consideráveis para se defender. A primeira pessoa a externar publicamente suspeitas de que o governo alemão estava apoiando Israel em seu programa de armas nucleares foi Norbert Gansel, um político do partido SPD de Kiel. Falando no parlamento alemão, o Bundestag ["Assembleia Federal"], ele disse que o SPD se opunha ao embarque para Israel de "submarinos adequados para missões nucleares".

Nitidamente embaraçados

O governo alemão fez efetivamente pelo menos uma tentativa para esclarecer essa questão nuclear. Foi em 1988, quando o secretário-executivo do ministério da Defesa, Lother Rühl, durante uma visita a Israel, perguntou ao então vice-chefe do Comando Geral, Ehud Barak, qual era "o objetivo operacional e estratégico dos navios". Barak respondeu: "necessitamos deles para limpar áreas de manobra marítimas". O israelense mencionou o bloqueio naval egípcio do Golfo de Aqaba antes da Guerra dos Seis Dias. Os israelenses queriam estar armados contra um ato dessa natureza, disse ele. Isso soava plausível, mas Rühl não acreditou. 

Cada administração alemã tem estado profundamente ciente de quão explosivo é o assunto. Quando o ministro alemão das Finanças teve que informar os fundos para financiamento dos submarinos 4 e 5 em 2006, as autoridades do ministério estavam nitidamente embaraçadas.  O sistema de armamento planejado "não é adequado para o uso de mísseis equipados com ogivas nucleares. Portanto, os submarinos não estão sendo construídos e equipados para o lançamento de armas nucleares", diz um documento confidencial do secretário-executivo do ministério das Finanças, Karl Diller, para a comissão orçamentária do Bundestag em 29 de agosto de 2006.

Em outras palavras, o governo estava dizendo que a Alemanha havia fornecido um submarino convencional -- o que os israelenses fizeram com ele posteriormente era problema deles. Em 1999, a então secretária-executiva Brigitte Schulte escreveu que o governo alemão não podia "excluir qualquer armamento para o qual a marinha operacional tenha capacidade, após a adequada adaptação".

A GUERRA SOBRE A BOMBA: O CONFLITO ENTRE ISRAEL E O IRÃ

O conflito entre Israel e o Irã se intensificou de forma constante desde 2006. A guerra é um perigo real. Há meses, Israel tem preparado governos ao redor do mundo, assim como a opinião pública internacional, para um bombardeio das instalações nucleares em Natanz, Fordu e Isfahan usando bombas convencionais inovadoras, destruidoras de casamatas (bunkers). O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e seu ministro da Defesa, Ehud Barak, estão convencidos de que  está se fechando a "janela" na qual tal ataque seria eficaz, com o Irã no processo de deslocar para grandes profundidades no solo a maior parte das suas atividades de enriquecimento de urânio.

Em seu poema polêmico recente, "What Must Be Said" ["O que precisa ser dito"], Günter Grass descreve os submarinos, "cuja especialidade consiste em (sua) capacidade / de direcionar ogivas nucleares para / uma área na qual nenhuma única bomba / foi ainda provada existir", como o passo potencialmente decisivo no rumo de um desastre nuclear no conflito com o Irã. O poema enfrentou protestos internacionais. Comparar Israel com o Irã "não foi brilhante, mas absurdo", disse o ministro do Exterior alemão Guido Westerwelle. Netanyahu falou de um "escândalo absoluto", e seu ministro do Interior proibiu Grass de entrar em Israel.

Mas, algumas pessoas concordaram com o autor. Gansel, o político do SPD, diz que Grass deflagrou um debate importante, porque "o discurso inflamado de Netanyahu sobre guerra preventiva" toca num aspecto difícil da legislação internacional. Na realidade, é improvável que Israel use os submarinos numa guerra como Irã enquanto Teerã não dispuser de mísseis nucleares -- embora o governo israelense tenha cogitado de usar a opção da "Operação Sansão" em pelo menos duas ocasiões no passado.

A situação militar do país estava tão desesperadora após o ataque-surpresa da Síria e do Egito durante o feriado do Yom Kippur de 1973, que a primeira-ministra Golda Meir -- como revelaram agora relatórios do serviço de inteligência -- ordenou ao seu ministro da Defesa Moshe Dayan que preparasse várias bombas nucleares para combate e as entregasse a unidades da força aérea. Então, quase no momento em que as ogivas seriam armadas, a maré virou. As forças de Israel ganharam o controle da situação no campo de batalha, e as bombas retornaram a seus bunkers subterrâneos.

Má vontade para transigir

Nas primeiras horas da Guerra do Golfo de 1991, um satélite americano registrou que Israel havia mobilizado sua força nuclear em resposta aos ataques dos Scuds iraquianos. Analistas israelenses haviam presumido erroneamente que os Scuds estariam equipados com gás venenoso. Permanece obscuro como Israel teria reagido se um Scud equipado com gás asfixiante tivesse atingido uma área residencial.

Apenas Netanyahu e o supremo líder do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, provavelmente sabem quão perto está hoje o mundo de uma nova guerra. O primeiro-ministro israelense e Khamenei têm "uma coisa em comum", diz Walter Stützle, um ex-secretário do ministério da Defesa alemão: "Eles gostam de conflito. Se Israel atacar, o Irã sai do papel de agressor para o de vítima". A ONU não emitirá mandato para legitimizar tal ataque, o que significa que Israel estaria infringindo a lei, argumenta Stützle, que está agora no Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP, em alemão), uma "usina de ideias" (think tank) sediada em Berlim. "Uma amizade verdadeira", considera ele, "requer que o chanceler alemão controle Netanyahu e o impeça de recorrer a um ataque armado. A obrigação da Alemanha de proteger Israel inclui proteger o país de embarcar em aventuras suicidas".

Helmut Schmidt foi ainda mais longe, muito antes de Grass. "Quase ninguém ousa criticar Israel aqui, com medo de ser acusado de antissemitismo", disse o ex-chanceler ao historiador Fritz Stern, judeu americano. No entanto, Israel é um país, declara Schmidt, que "torna praticamente impossível uma solução pacífica, com suas políticas de assentamentos na Margem Esquerda e, há muito mais tempo, na Faixa de Gaza".  Ele condena também a atual chanceler por, na sua opinião, deixar-se fazer essencialmente refém por Israel. Schmidt diz: "Me pergunto se foi uma sensação de proximidade com políticas americanas, ou foram motivos morais nebulosos, que levaram a chanceler a afirmar publicamente em 2008 que a Alemanha tem responsabilidade pela segurança de Israel. Do meu ponto de vista, isso é um sério exagero, um que soa muito próximo com o tipo de obrigação que existe no seio de uma aliança".

Schmidt considera óbvio que Berlim não tem que participar de políticas aventureiras ou arriscadas, e traça limites claros: "A Alemanha tem uma responsabilidade específica em garantir que um crime como o Holocausto jamais se repita. A Alemanha não é responsável por Israel".

Desde o início, Merkel viu a questão de maneira diferente da de seu antecessor Schröder, que aprovou o fornecimento dos submarinos 4 e 5 no seu último dia de trabalho no cargo em 2005. Por outro lado, para ela nunca houve qualquer dúvida de que devia fazer o que Israel lhe pedisse, mesmo às custas de violar as próprias diretrizes de exportação de armas da Alemanha. As normas, alteradas em 2000 pela coalizão de governo SPD-Verdes, permitem efetivamente o suprimento de armas para países não pertencentes à União Europeia ou à OTAN no caso de "interesses especiais de política externa ou de segurança". Mas, há uma regra clara para regiões de crise: as normas afirmam que o suprimento de armas "Não é permitido para países envolvidos em conflitos armados ou onde há risco disso". Não há dúvida de que essa norma inclui Israel. Mas, isto não impediu que a chanceler concluísse a negociação para o fornecimento do submarino número 6 -- assim como ela não foi dissuadida pela má vontade de Netanyahu em transigir.

(cont.)




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