sexta-feira, 15 de junho de 2012

A hipocrisia da Grécia

[Há choro e ranger de dentes na Grécia, ao melhor estilo das tragédias que fazem parte do incrível acervo cultural dos helenos. Mas, examinando atentamente a reação dos gregos e os problemas que a originaram, ouso agora afirmar (correndo, é claro, o risco de ser execrado) que há um bocado (p'ra não dizer muita) hipocrisia por parte dos gregos nesse estardalhaço que andam fazendo. Seu passado moderno os condena. Eles têm (ou tinham, até ontem) dois problemas endêmicos que, no fundo, desaguam num só: sonegação crônica de impostos e corrupção.  Esta última é fantástica e emblematicamente retratada no agora famoso exemplo de Zakynthos, uma ilha do mar Jônico. A história, contada pelo próprio prefeito recém-eleito da cidade, Stelios Bozikis, faz lembrar as maracutaias do nosso patropi: cerca de 600 habitantes da ilha conseguiram ser falsamente declarados cegos , o que lhes deu direitos de receber benefícios do Estado. Essa legião de "deficientes físicos" inclui motoristas, proprietários de restaurantes, lojistas, fazendeiros e alguns caçadores amadores (cuja "cegueira" não os impediu de continuar atirando em pássaros e coelhos) ... Ou seja, há também uma cleptocraciazinha na Grécia, como em toda democracia que se preza.


É interessante comparar as reações de gregos e portugueses à crise. Seus países receberam o mesmíssimo castigo duro da UE (União Europeia), mas as reações são absolutamente distintas. Nossos patrícios lusitanos reconheceram publicamente seus erros -- coisa que os gregos não fizeram, pelo menos não ostensiva e inequivocamente como os portugueses -- e meteram mãos à obra para reparar o malfeito. Os gregos resolveram partir p'ra zoada e mantêm o país à deriva. Agora, resolveram eleger o socorro à Espanha como biombo e salva-vida p'ra renegociar seu pacto com a UE, como nos conta o jornal inglês The Independent em reportagem do dia 12 deste mês.


A comparação que os gregos querem fazer entre seu caso e o da Espanha é mais uma forçação de barra sem cabimento dos helenos, estão querendo comparar alhos e bugalhos -- as situações são bem distintas, e os gregos sabem disso. --- Abrindo um parênteses: Espanha, Grécia e Portugal ocupavam respectivamente, em termos de PIB, a 6ª (8,7% do PIB da UE), a 12ª (1,9% do PIB da UE) e 14ª (1,4% do PIB da UE) no ranking das economias da UE em 2011. --- Vamos à notícia do The Independent. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

A esquerda radical na Grécia se apossou avidamente do resgate financeiro da Espanha pela UE (União Europeia) como prova de que o país devastado pela crise pode renegociar as rígidas condições impostas junto ao seu resgate financeiro -- o tema central das eleições vindouras.

A Espanha tornou-se o quarto país da zona do euro a solicitar uma ajuda financeira no fim de semana passado, quando apelou aos seus parceiros da UE por um empréstimo de € 100 bilhões. Mas, diferentemente da Grécia, cujo acordo de resgate foi acompanhado de uma cruel imposição de cortes nos gastos públicos e aumentos de impostos, a Espanha conseguiu esquivar-se da espada da austeridade, já que seu resgate aplica-se exclusivamente ao setor bancário do país. Não obstante isso, antes das eleições deste fim de semana, o partido radical de esquerda Syriza disse ao jornal inglês The Independent que o acordo de resgate financeiro da Espanha fortaleceu a posição de barganha da Grécia.

O Syriza ganhou projeção depois que o primeiro turno das eleições, no mês passado, não conseguiu definir um vencedor entre os partidos concorrentes. Divergências sobre os termos do resgate grego -- Syriza se opôs às duras condições impostas ao país -- acabaram por levar ao fracasso das negociações por uma coalizão. As eleições deste fim de semana podem, assim, decidir o futuro do país dentro da zona do euro.

"O resgate da Espanha é positivo para nós, porque mostra que há espaço para outras políticas; e a Europa, especialmente a Alemanha, parece recuar de seus apelos por austeridade", disse Gabriel Sakelaridis, coordenador do Comitê Econômico do Syriza. A poucos dias das eleições, o Syriza e o partido conservador pró-resgate Nova Democracia competem pela liderança nas pesquisas eleitorais. Em contraste com a mensagem do Syriza, o Nova Democracia apelou aos eleitores dizendo que o resgate da Espanha mostrava como a Grécia pode melhorar sua posição cooperando com a Europa, em vez de dar-lhe as costas.

A mídia grega também recebeu bem as notícias de Madri. A manchete do jornalconservador Eleftheros Typos dizia "A janela espanhola para renegociação", argumentando que a Grécia devia aproveitar a oportunidade para criar uma alternativa à austeridade. Mas, especialistas alertaram que os dois países não podem ser comparados, pois seus problemas financeiros se originam de realidades fundamentalmente diferentes. "A Espanha é um caso completamente diferente: trata-se basicamente de uma crise do setor bancário, ao passo que na Grécia há uma crise de múltiplas facetas, deflagrada pela dívida do setor público", disse o analista político George Tzogopoulos.

Sakelardis, do Syriza, concordou que os casos são diferentes, mas manteve a opinião de que as medidas fiscais rigorosas são as responsáveis pelos apuros bancários da Espanha. "A austeridade foi o que piorou a situação bancária da Espanha, do mesmo modo que é igualmente culpada pela recessão na Grécia".

[Realmente a situação da Grécia é terrível, acho também que, por pressão da Alemanha, a UE está asfixiando as economias já problemáticas com sua obsessão por austeridade mas, como dito acima, não dá para comparar sua situação com a da Espanha em termos pura e simplesmente da diferença de elenco de restrições duras impostas a um e outro país no resgate financeiro. Uma falência da Espanha é indubitavelmente muito mais catastrófica para a UE, por suas gravíssimas implicações políticas e econômico-financeiras, do que uma saída da Grécia da eurozona, que seria muito mais uma prova do erro político e estratégico dos criadores da UE.

Está definitivamente provado que a criação da UE resultou numa enorme casa da mãe Joana, num tipo de condomínio em que a única regra que realmente "vingou" -- assim mesmo, sem lastro e amarras como se vê hoje -- foi a exigência de moeda única aos participantes. E uma das principais responsáveis pela má formação da UE é exatamente a Alemanha, que parece querer agora resgatar de maneira errada seu erro de 14 anos atrás.]

Um comentário:

  1. Prezado amigo,
    "... sonegação crônica de impostos e corrupção."

    Você conhece outro país que sofra desses dois males? Pois é! Eu também.
    O aspecto desanimador nessa estória toda é que democracia aliada a voto podre gera pestilência. E ironicamente a Grécia é o berço da democracia, embora à época do seu surgimento, a população fosse constituída por 80% de escravos e 20% de senhores.

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