[Ver postagem anterior.]
Parte III
Franz-Josef Strauss e o início da cooperação ilegal com armas
Aqueles que subscrevem essa lógica estão frequentemente preparados para violar as leis de exportação de armas da Alemanha. Desde a era de Konrad Adenauer, o primeiro líder pós-guerra do país, os chanceleres alemães sempre fizeram apressadamente vários acordos militares com Israel sem a aprovação do Parlamento, mantiveram o Conselho Federal de Segurança alheio aos fatos ou, como fez o então ministro da Defesa, Franz-Josef Strauss, um membro da conservadora União Social Cristã (CSU, em alemão), entregaram pessoalmente equipamento explosivo. Isso foi o que aconteceu em um incidente no início dos anos 1960, quando Strauss dirigiu até a missão israelense em Colônia em um sedan e entregou a um funcionário de ligação do Mossad um objeto enrolado em um casaco, dizendo-lhe que era "para os rapazes em Tel Aviv". Era um modelo novo de granada penetrante contra blindados.
Cooperação em armamentos foi um assunto delicado para cada chanceler [alemão]. Durante a Guerra Fria, Bonn receava que pudesse perder o mundo árabe para a Alemanha Oriental se se alinhasse abertamente com Israel. Mais tarde, a Alemanha se consumia de medo em relação ao petróleo árabe, o combustível do milagre econômico alemão. Cooperar com a Alemanha também tinha o potencial de ser politicamente explosivo para várias administrações israelenses. Se, e de que forma, o estado judeu deveria aceitar a ajuda da Alemanha era um tema polêmico para a opinião publica israelense. O falecido ministro Menachem Begin, por exemplo, que havia perdido grande parte da família no Holocausto, só via a Alemanha como a "terra dos assassinos". Até hoje, a assistência financeira [alemã] para Israel é referida na maioria dos casos como sendo "reparatória".
Cooperação sobre assuntos de defesa era a mais problemática. Ela começou durante a era de Franz-Josef Strauss, que admitiu desde logo que ajudar Israel não era apenas um imperativo moral mas também o resultado de uma necessidade política pragmática. Ninguém poderia ajudar a nova Alemanha a adquirir respeito internacional mais eficientemente do que os sobreviventes do Holocausto. Em dezembro de 1957, Strauss se encontrou com uma delegação pequena de Israel para uma reunião na sua casa perto de Rosenheim, na Bavária. O membro mais proeminente do grupo israelense era o homem que, nas décadas seguintes, se tornaria a figura principal nas negociações sobre armas entre Israel e a Alemanha, e que foi também o pai da bomba atômica israelense, Shimon Peres [quem vê cara, não vê coração ...], que seria depois primeiro-ministro e é o atual presidente de Israel, na idade de 88 anos.
Sem fundamentação clara
Sabe-se hoje que os embarques de armas começaram antes de 1958. O ministério da Defesa alemão teve até armas e equipamentos removidos secretamente dos depósitos militares da Alemanha, e depois reportados à polícia como tendo sido roubados. Muitos dos embarques chegaram a Israel por rotas indiretas, e foram declarados como "empréstimos". Os equipamentos incluíam helicópteros Sikorsky, aeronaves de transporte Noratlas, tanques M-48 recondicionados, armas antiaéreas, morteiros e mísseis guiados antitanques.
"Não havia uma base clara legal ou orçamentária para os embarques", admitiu uma autoridade alemã em um documento interno da época. Mas, Adenauer respaldou seu ministro da Defesa e em 1967 ficou evidente quão certo ele foi ao tomar aquela decisão, quando Israel se antecipou a um ataque de seus vizinhos e conseguiu uma vitória brilhante na Guerra dos Seis Dias. Desde então, o amigo de Strauss, Shimon Peres, coerentemente lembrava a seus camaradas israelenses que não se esquecessem "do que nos havia ajudado a conseguir aquela vitória".
O fato de que a garantia de segurança alemã não era uma política partidária tornou-se evidente seis anos mais tarde, quando o social-democrata Willy Brandt chefiava o governo em Bonn -- e Israel esteve à beira de ser derrotado em 1973 na guerra do Yom Kippur [o "dia da expiação", em hebraico]. Embora a Alemanha não estivesse oficialmente envolvida na guerra, o chanceler aprovou pessoalmente o embarque de armas para Israel, como relatou o biógrafo de Brandt, Peter Meseburger. Como se lembram hoje aqueles que estiveram envolvidos nessa iniciativa, a decisão de Brandt foi uma "violação da lei", que o redator dos discursos de Brandt, Klaus Harpprecht, procurou justificar atribuindo os atos de Brandt a uma assim chamada emergência além da lei. O chanceler aparentemente [ou "evidentemente"?] viu isso como sendo uma "obrigação fundamental para o chefe do governo alemão" salvar o país criado pelos sobreviventes do Holocausto.
O GOVERNO ALEMÃO FINANCIOU O PROGRAMA DE ARMAS NUCLEARES ISRAELENSE?
Nos anos 1960, os interesses de Israel tinham se movido para além das armas convencionais. Ben-Gurion havia encarregado Peres de um projeto altamente sensível: a Operação Sansão, que recebeu o nome da figura bíblica que se supõe tenha vivido no tempo em que os israelenses estavam sendo oprimidos pelos filisteus. Sansão era tido como invencível, mas era visto também como uma figura destruidora. O objetivo da missão era construir uma bomba atômica. Os israelenses disseram aos seus aliados que necessitavam de energia nuclear barata para dessalinizar água do mar, e que planejavam usar a água para tornar fértil o deserto de Negev ["seco, árido", em hebraico].
O governo alemão, inicialmente, foi também deixado sem conhecimento do que ocorria -- exceto apenas Strauss. O político da CSU aparentemente foi posto no circuito em 1961. Isto é sinalizado por um memorando, datado de 12 de junho de 1961, classicado como "top secret", que Strauss ditou após uma reunião com Peres e Ben-Gurion, no qual disse: "Ben-Gurion falou sobre a produção de armas nucleares". Pode-se especular sobre as razões em que Ben-Gurion, um social-democrata israelense nascido na Polônia, se baseou para incluir em seus planos o bávaro conservador Strauss. Há indicações de que o governo israelense esperava receber assistência financeira para a Operação Sansão.
Israel na época estava de caixa baixa, com a construção da bomba consumindo somas enormes de dinheiro. Isso levou Ben-Gurion a negociar com Adenauer, em alto segredo, um empréstimo que poderia alcançar bilhões de marcos. De acordo com os arquivos alemães sobre a negociação, que o governo federal liberou agora em resposta a uma solicitação da Spiegel, Ben-Gurion queria usar o empréstimo para um projeto de infraestrutura no deserto de Negev. Havia também uma conversa sobre uma "usina de dessalinização de água do mar".
Não há razão para preocupação
[...] Quando Rainer Barzel, o líder de plenário dos conservadores [alemães], indagou sobre o projeto em Jerusalém, os israelenses lhe disseram que obter água por meio da dessalinização era uma "tarefa memorável". Um funcionário que acompanhou Barzel registrou que os israelenses haviam dito que "a energia nuclear necessária seria monitorada internacionalmente e não poderia ser utilizada para fins militares, e que não tínhamos razão para ficar preocupados".
Mas, a usina de dessalinização movida a energia nuclear nunca foi construída, e permanece obscuro o que aconteceu exatamente com o total de 630 milhões de marcos alemães que a Alemanha deu aos israelenses no período até 1965. Os pagamentos foram processados pelo Kreditanstalt für Wiederaufbau (Instituto de Crédito para Reconstrução), sediado em Frankfurt. O presidente dessa instituição disse em discussões internas que o uso desses recursos "nunca foi auditado". - "Tudo parece indicar que a bomba israelense foi financiada também com dinheiro alemão", diz Avner Cohen, um historiador israelense no Instituto de Estudos Internacionais de Monterrey, na Califórnia, que estuda armas nucleares.
Finalmente, em 1967, Israel havia construído sua primeira arma nuclear. O governo israelense descartou as questões sobre seu arsenal nuclear com uma resposta padronizada, cunhada por Peres: "Não introduziremos armas nucleares na região, e certamente não seremos os primeiros". Essa afirmação deliberadamente vaga é ainda hoje a posição oficial do governo israelense. Ao lidar porém com aliados dos alemães, os políticos israelenses usavam uma linguagem que dificilmente escondia a verdade. Quando o lendário ex-ministro da Defesa Moshe Dayan visitou Bonn no outono de 1977, ele falou ao então chanceler Helmut Scmidt sobre o temor do vizinho Egito de que "Israel pudesse usar armas nucleares". Dayan disse que entendia os temores dos egípcios, e assinalou que em sua opinião o uso da bomba contra a represas de Aswan teria "consequências devastadoras". Ele nem mesmo negou a existência de uma arma nuclear.
(cont.)
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