O dólar mudou de tendência no Brasil e parece que está deixando todo mundo, governo e empresários, meio zonzos e sem saber o que fazer e para onde a situação caminha. Quando o dólar estava baixo, indústria e empresários reclamavam diariamente -- agora o dólar subiu, e a grita é outra, tem gente (governo & empresários) que foi pega de calças curtas ...
A indústria está sempre reclamando do real forte, que prejudica a
competitividade, reduz a utilização de insumos locais e desestimula
investimentos. Mas quando a tão esperada desvalorização parece ter
chegado, a notícia não é tão boa assim. A brusca variação do dólar - que saiu de R$ 1,59 no fim de agosto para R$ 1,84 na sexta-feira, alta de 15,5%, e bateu R$ 1,91 na quinta - pegou as empresas no contrapé.
O setor privado não esperava mais por esse movimento e não criou
mecanismos de defesa contra o câmbio valorizado. Nos últimos anos, as
companhias se endividaram em dólar e desenvolveram uma extensa rede de
fornecedores no exterior. Em setores como eletrônicos, bens de capital e
até autopeças, o problema pode ter se tornado crônico, porque ocorreu
um desmonte das cadeias produtivas locais.
Se a reviravolta do mercado de câmbio não for um ponto fora da curva
como na crise de 2008, as empresas vão sofrer com a alta dos insumos
importados e das despesas financeiras em dólar. Companhias relatam que
os custos já estão subindo à medida que faturam os insumos nos portos.
Até agora, optaram por absorver a alta dos custos com redução do lucro,
mas, se o real ficar acima de R$ 1,80, os reajustes serão
incontornáveis, com consequências para a inflação. "Vamos suportar com redução de margem, mas será inevitável algum
repasse, que varia muito conforme a mercadoria", diz Benjamin Sicsú,
vice-presidente de novos negócios da Samsung. "Com alta de 15% a 20% nos
custos em 40 dias, não tem matemática que resolva", completa. Domingos
Dragone, diretor comercial da Black & Decker, conta que o mercado
está agitado, mas não é sensato reajustar preço enquanto a direção do
câmbio está indefinida.
"O que choca é a sensação de que seguimos sujeitos a chuvas e trovoadas
no câmbio."Para Fernando Ribeiro, economista-chefe da Fundação Centro de
Estudos do Comércio Exterior (Funcex), "a indústria brasileira se
tornou estruturalmente dependente de insumos importados, num processo
que começou na década de 90, mas se intensificou nos últimos sete anos".
A participação dos importados no consumo de bens industriais saiu de
10,5% em 2003 para 20,4% em 2010. Com essa mudança, variações bruscas do
câmbio desorganizam os negócios.
Na semana passada, a Assistecwaff, que fabrica máquinas para a indústria
alimentícia e importa insumos, negociava uma encomenda de R$ 4 milhões.
Maurício Alvarenga, diretor comercial, não sabia como agir. "Não sei
como estará a cotação do dólar daqui a seis meses, que é o tempo
necessário para construir a máquina. É um tiro no escuro." No setor de
máquinas, a fatia dos importados saltou de 28,7% em 2003 para 47,2%em
2010.
A fabricante de autopeças Mecano importa barras de aço da Itália.
Ricardo Galvanese, coordenador de comércio exterior, conta que a
importação foi negociada com o euro a R$ 2,20, mas a divisa pulou para
R$ 2,50 semana passada. "Se o real seguir em queda, dificilmente vamos
repassar para as montadoras. O prejuízo será nosso".
Dívidas. Outra maneira de aliviar o peso do real forte
foi se endividar em dólar. A dívida externa do setor privado saltou de
R$ 160,5 bilhões em 2007 para R$ 346,9 bilhões em agosto deste ano,
segundo o Banco Central. Nos últimos dias, empresas correram para fazer
"hedge" (proteção) no mercado financeiro, evidenciando sua
vulnerabilidade. "Os custos de mão de obra e energia já vinham altos.
Com a virada do câmbio, as margens de lucro das empresas estreitaram
ainda mais", diz Júlio Sérgio Gomes de Almeida, consultor do Instituto
de Estudos do Desenvolvimento Industrial (Iedi).
O economista David Kupfer diz que a queda do real impacta imediatamente
nos custos, mas o problema pode ser amenizado por exportações mais
rentáveis. Ele afirma que as empresas brasileiras desenvolveram
flexibilidade para fazer o caminho contrário e buscar fornecedores
locais, mas o processo dura cerca de um ano. "Por isso, é importante que
a desvalorização não seja rápida demais para evitar o impacto
inflacionário."
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