A incerteza econômica desencadeada há dois anos, e que tem agora a União Europeia imersa em uma das piores crises desde sua constituição, encontra a América Latina melhor preparada que há 10 anos. A preocupação pela alta vulnerabilidade e pelos riscos atuais está muito presente, mas a região conta com amortecedores econômicos importantes que podem permitir-lhe ter uma posição melhor caso ocorra o pior e o mundo se dirija para uma profunda recessão, afirmou o economista-chefe do Banco Mundial (BM), Augusto de la Torre.
No informe de Perspectivas Econômicas do banco, publicado ontem, após um crescimento médio de cerca de 6% em 2010 -- quando na Europa e nos Estados Unidos as taxas eram negativas, ou apenas positivas -- para este ano os prognósticos apontam para uma desaceleração entre 3,5 e 4,5%. O comportamento positivo se deve, em grande parte, porque se mantêm altos os preços das matérias-primas que têm impulsionado as exportações regionais, sobretudo para a Ásia emergente. "A região não pode controlar os desenlaces do que ocorre na Europa e nos Estados Unidos, mas pode sim controlar a construção de fundamentos melhores para seu crescimento, e a geração de bem-estar no futuro", disse De la Torre ao jornal El País.
Nesse sentido, são vários os amortecedores com os quais a região conta para fazer frente aos choques externos: primeiro, os países que têm como objetivo principal a inflação dentro de sua política monetária -- México, Colômbia, Peru, Chile e Brasil -- construiram um bom espaço de reação através da elevação dos tipos de juros que fizeram nos últimos 15 meses. "De maneira que esses países têm uma primeira linha de defesa bastante bem armada porque teriam capacidade de reduzir as taxas, caso isso seja necessário, de uma maneira bastante agressiva e de permitir que suas moedas amorteçam o choque externo, já que dispõem de altos níveis de reservas", explicou De la Torre. Essa situação, entretanto, contrasta enormemente com a dos países centro-americanos e caribenhos, que não têm pollítica monetária independente e, portanto, não têm margem de manobra.
O especialista do BM assegurou que outro sistema amortecedor forte, ainda que em escala menor comparado com o que se tinha em 2008, é o aspecto fiscal: "Os países latino-americanos têm dívidas públicas bastante baixas em relação ao PIB, comparativamente com outros países do mundo, e têm espaço para suavizar as coisas com financiamento externo". No entanto, adverte ele, há a necessidade de continuar fortalecendo suas posições fiscais para estarem melhor posicionados na hora de aplicar uma política anticíclica.
Um terceiro aspecto importante é a situação do sistema bancário. Ainda que seja preciso efetuar uma avaliação mais detalhada dos riscos decorrentes do rápido crescimento do crédito ao consumidor que observamos nos últimos dois anos, "os bancos na maior parte da região estão bem capitalizados, com fortes colchões de liquidez e provisões suficientes", afirmou ele. A isto se somam as redes de assistência social, que ajudam a proteger as populações mais vulneráveis em caso de que ocorra uma situação global adversa.
Mas, apesar da perspectiva positiva em meio a um período de alta vulnerabilidade, ao Banco Mundial lhe preocupa o fato de que está se acentuando a situação de heterogeneidade dentro da região, já que alguns países têm se saído bastante bem e outros estão muito abaixo do desejável. No primeiro grupo estão Brasil, Argentina, Peru, Chile, Colômbia, Uruguai, Panamá e República Dominicana. No segundo, os países centro-americanos e do Caribe.
"A região luta contra os limites de velocidade de seu crescimento bastante rápido, por isso no Brasil já se está falando de um crescimento potencial em torno de 4%, e na Colômbia entre 4 e 5%. A região está se dando conta de que, no longo prazo, é muito difícil gerar um crescimento que não seja inflacionário acima de 4%, o que ela necessita é aumentar esse crescimento em 1 ou 2 pontos percentuais e mantê-lo, o que demanda muitas reformas", afirmou De la Torre.
"O destino econômico dos povos não se mede em cinco anos, nem em três, e tampouco em 10 anos, mede-se pelo que ocorre em 20 ou 30 anos. Então, o desafio é ver se se pode manter um crescimento acima do dos países ricos por um longo período, como conseguiram fazer os tigres asiáticos em relação ao Japão", acrescentou ele.
Mas, o crescimento da América Latina, desde a última década, está ligado muito de perto com os laços crescentes com a Ásia, onde a China atua como protagonista. "A China pode ser uma alavanca que a região pode aproveitar a longo prazo", disse De la Torre.
O economista do BM acrescentou que, ainda que no momento não se veja essa ligação produzir um aumento de produtividade, nem tenha estado associada a uma elevação importante dos níveis de investimentos e à formação de capital físico e humano, observa-se como um desenvolvimento promissor as evidências em um bom número de países latino-americanos de que a produção de recursos naturais e de commodities para exportação se está efetuando de uma maneira mais moderna, com menos síndrome do enclave (chinês) e com um aumento do conteúdo tecnológico. "Há ainda muito por fazer na região, para conseguir que essas conexões de intercâmbio comercial com a China gerem o tipo de modernização das estruturas econômicas geradas nas conexões dos tigres asiáticos com o Japão".
Para De la Torre, "vender e comprar coisas de outros países não é a fonte da produtividade. É a maneira como elas são compradas e vendidas, e como esse comércio é aproveitado para gerar aprendizagem, mudança tecnológica, ligações e, portanto, aumentos de produtividade".
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