Colarinho-branco, que faz pouco da prisão porque nela quase nunca vai parar, agora anda assustado com o fantasma da fiança – instrumento legal
que ataca sem contemplação seu ponto mais vulnerável, o bolso.
Desde que entrou em vigor a Lei 12.403 – reforma do Código de Processo
Penal –, em maio, magistrados estaduais e federais estão jogando pesado.
Ausentes os requisitos que autorizam a decretação da custódia
preventiva dos acusados, os juízes impõem severa sanção de caráter
pecuniário. Fixam valores elevados a título de fiança para os réus, sobretudo os
citados por violação aos princípios constitucionais da moralidade,
honestidade e economicidade, acusados de burlar a Lei de Licitações e
prática de crimes contra o sistema financeiro.
Em Campinas, a Justiça impôs fiança de R$ 10,9 milhões a um empresário,
alvo de investigação por suposta formação de cartel e fraudes em
licitações na área de serviços. É a mais rigorosa fiança já aplicada.
Equivale ao tanto que os Estados Unidos impuseram a Dominique
Strauss-Kahn, ex-número 1 do FMI, recentemente envolvido em denúncias de
violência sexual em passagem por Nova York. "Quem é que dispõe de R$ 10 milhões em dinheiro para prestar uma fiança
dessas?", questiona o criminalista José Roberto Batochio. "No Brasil
vamos contar nos dedos de uma mão as pessoas que podem dispor desse
montante, da noite para o dia. É fiança para não ser paga, uma forma que
os radicais estão encontrando para não dar eficácia à lei através de
interpretação não razoável."
A fiança não é bem novidade, mas tinha caído em desuso. A Lei 12.403
revitalizou-a, dando-lhe força de medida cautelar alternativa à prisão.
Busca assegurar o comparecimento do denunciado a atos do processo e
evitar a obstrução de seu andamento. Altera dispositivos do Decreto-Lei
3.689, de 1941 (Código de Processo Penal), relativos à prisão
processual, fiança e liberdade provisória. O capítulo que trata da fiança incomoda os mais bem-aquinhoados, a quem a
Polícia Federal e o Ministério Público atribuem desvios de recursos do
Tesouro, fraudes em licitações e peculato. De acordo com a condição
financeira do acusado e o tamanho da lesão aos cofres públicos, a fiança
pode ser arbitrada em até R$ 109 milhões. Em geral, ela vai de 10 a 200 salários mínimos, quando o máximo da pena
for superior a 4 anos. A fiança pode ser aumentada em até mil vezes – e
chegar a 200 mil salários mínimos (R$ 109 milhões), diz o artigo 325.
Para definir o montante, o juiz se baseia na situação econômica do
acusado. Também promove uma análise da movimentação financeira do réu,
de suas declarações ao Imposto de Renda e informações bancárias. "Se o
acusado não depositar, é preso", avisa o juiz Sérgio Fernando Moro, da
2.ª Vara Federal de Curitiba.
Antes da Lei 12.403 a prisão era decretada, mas o acusado conseguia
liminar no tribunal e ficava solto até conclusão do processo. "Agora,
pelo menos, o cidadão fica amarrado, já está vinculado ao processo",
assevera o juiz. "Vai ter de pôr a mão no bolso." Para ele, a nova lei
"deu mais eficácia e racionalidade para as medidas cautelares". "É um instituto milenar e serve a dois objetivos: permitir que o acusado
responda solto e garantir sua vinculação ao processo, prevenindo fuga",
assinala o juiz Sérgio Moro.
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