A prestigiosa revista alemã Der Spiegel (O Espelho) publicou ontem em seu site em inglês Spiegel Online International um longo e interessante artigo sobre o envolvimento alemão na operação de resgate do euro, na crise financeira que vem afligindo a União Europeia. Reproduzo a seguir trechos desse artigo.
O parlamento alemão está pronto para aprovar, na semana que vem, a expansão do enorme pacote de resgate do euro. Mas, isso será um erro fatal. Há apenas uma solução sensata para a crise da dívida europeia -- e acontece também ser muito mais barata.
Não foi surpresa o rebaixamento da nota da Itália pela Standard & Poor's nesta semana. Essa decisão fez a estratégia para a crise da dívida da Europa um pouco menos crível ou confiável. Mas, o governo em Berlim ainda acredita que essa crise pode ser resolvida com pacotes de resgate cada vez maiores?
Poucas vezes os políticos alemães pareceram estar tão sem rumo como na crise do euro. Nunca antes Berlim havia cometido erros tão sérios e tão caros, juntando tantos erros como os que fizeram com seus grandes planos para a Europa. Querem estabelecer a unidade do continente -- mas, estão alimentando o medo e a irritação tanto nos nos países doadores quanto nos países recipientes de ajuda. Querem sustentar a área homogênea de uma só moeda -- mas, estão fazendo tudo o que é possível para aprofundar a divisão na zona do euro. Querem salvaguardar a margem competitiva da Alemanha -- mas, estão solapando sua viabilidade financeira futura com ônus inimagináveis.
O primeiro erro começa com a terminologia. A conversa é e tem sido sempre a de uma "crise do euro". A chanceler [Angela Merkel] chegou mesmo a fazer a afirmação insensata de que "se o euro fracassar, a Europa fracassa". É realmente possível levar uma moeda à crise e à ruína. Onde, por favor, está essa suposta crise do euro? Parece que muitos políticos, jornalistas e pesquisadores não conseguem mais fazer distinção entre orçamentos federais e o suprimento de dinheiro via bancos emissores. O que estamos vendo é uma esmagadora crise de dívida soberana, não a crise de uma moeda. O valor intrínseco do euro -- apesar da falação sobre os perigos de uma inflação expressiva -- é tão estável quanto o de muitas outras moedas.
O valor externo [do euro], porém, sofre naturalmente com a interminável tagarelice sobre uma crise. Alguns investidores da União Europeia debandaram em pânico para a suposta segurança da Suiça, gerando assim uma desvalorização do euro frente ao franco suiço. Mas, em comparação com o dólar, que ainda é a moeda mundial dominante, a taxa de câmbio tem permanecido estável. Medido em termos de poder de compra, o euro está até sobrevalorizado em relação à moeda americana.
Erro número dois - Os países que ainda desfrutam de boas avaliações acham que necessitam resgatar, com financiamento novo, os países com má avaliação. Estão violando assim o tratado basilar da zona do euro, que exclui esse tipo de ajuda. Recursos ou facilidades chamados de estabilizadores estão sendo maquinados para tornar comunitária a nova dívida. Aí, então, surge o Banco Central Europeu. Analogamente, em violações contratuais grosseiras, ele compra bônus governamentais e, ao fazer isto, prejudica seu ativo mais importante -- a credibilidade.
E, o que resulta desses atos desesperados, com os quais os políticos alemães estão envolvidos ou que pelo menos aceitam com um dar de ombros? No caso de uma Irlanda fundamentalmente competitiva, eles querem essencialmente construir uma ponte para tempos melhores. Mas, com Portugal isso já é duvidoso. E, no caso da Grécia, de acordo com todos os cálculos financeiros, é impossível para esse país economicamente moribundo escapar da bancarrota, mesmo com uma mistura de dívida nova e reformas decisivas e profundas. Enquanto isso, ninguém em cargo de responsabilidade quer discutir o que aconteceria se investidores decidissem evitar a Itália, que está sob risco cada vez maior.
Os que estão no poder dizem-nos reiteradamente que não há outras alternativas que não sejam os resgates financeiros, quando se trata de garantir o euro (ou, na realidade, as instituições financeiras). Permanece incerto se eles realmente acreditam nisso.
Erro número três - Obviamente, há pelo menos uma outra possibilidade. Uma versão, sobre a qual banqueiros alemães têm conversado há mais de um ano, está sendo recomendada urgentemente por analistas. Ela sendo agora adotada, indiretamente, pela nova dirigente do FMI - Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, e pelo ministro da Economia alemão, Phillip Rösler (do Partido Democrático Livre, FDP em alemão). Mas, tem sido rejeitada pelo maior partido do governo, o conservador Democratas Cristãos de Angela Merkel, e pelos principais partidos oposicionistas, o Social Democratas de centro-esquerda e o Partido Verde. Na realidade, a ideia tornou-se quase um tabu.
A solução é o denominado corte de cabelo da dívida ou, nas palavras do muito maligno Rösler, uma "falência organizada". Os credores que frivolamente deram à Grécia e a outros países crédito até o ponto de uma declaração real de falência perderiam tanto dinheiro, que as perdas remanescentes para o país devedor seriam realmente administráveis. Especialistas acreditam que esse corte de cabelo da dívida envolveria entre 30 e 50% da dívida, dependendo do país. O segundo plano de resgate da Grécia, no verão, provê um perdão de apenas 20%, mas é voluntário e até agora apenas 75% das instituições financeiras concordaram com ele. [Essa ideia do "corte de cabelo da dívida" me pareceu um ovo de Colombo. Algo praticamente equivalente foi proposto em um debate recente na televisão espanhola por um economista da Universidade de Valência, na Espanha, que disse que é evidente que a Grécia não tem nenhuma condição de pagar uma parte considerável de sua dívida, e que portanto essa parcela deveria ser simplesmente eliminada do total da dívida do país].
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