As recentes mudanças na economia do Brasil vêm preocupando cada vez mais os economistas argentinos, que temem os reflexos do que chamam de
‘desaceleração’ brasileira. Essa preocupação também vem gerando um debate sobre o nível de dependência da Argentina em relação ao Brasil.
Entre os principais temores dos economistas estão a desvalorização do
real na comparação com o dólar e a suspensão da produção em algumas
fábricas do setor automotivo, que acumulam estoques no país. "Quase 50% do total das exportações argentinas se resumem em duas
palavras: Brasil e soja", disse à BBC Brasil o economista Jorge
Vasconcelos, do Instituto de Estudos sobre a Realidade Argentina e
Latino-Americana (IERAL).
Para se ter uma ideia da amplitude dessa relação, o Brasil é o destino
de 43% das exportações industriais argentinas, sendo que o setor
automotivo lidera a lista dos produtos industriais enviados para o
mercado brasileiro. Assim, segundo o economista, se o Brasil comprar menos automóveis, a
Argentina também produzirá e venderá menos carros para o seu vizinho,
podendo afetar o ritmo da sua própria economia. "Nossa indústria cresceu nos últimos anos porque o Brasil cresceu e
aumentou o número de consumidores. Por isso, aqui estamos constantemente
de olho no que acontece no nosso vizinho", disse, sob condição de
anonimato, o presidente de uma das principais montadoras europeias na
Argentina.
Vasconcelos afirma que a "desaceleração" da economia brasileira está entre os principais temores do governo argentino: "Hoje, nossa preocupação é com os efeitos que a incerteza europeia pode
gerar nas nossas economias, com a desaceleração da economia brasileira,
nosso principal parceiro comercial".
No entanto, o economista afirma que, diferentemente de 2009, logo
após a crise financeira, a preocupação agora não é com uma recessão no
Brasil, mas com "um freio no comércio com a Argentina".
Ele recordou que este ano as exportações argentinas crescem a um ritmo
cerca de 20% maior do que em 2010, mas que teme-se que esse ritmo caia a
partir deste mês e continue em queda em 2012. A outra “dependência”,
disse, é em relação aos movimentos do real frente à moeda americana. "Nos últimos dias, o real passou de 1,58 para 1,72 e aqui acendemos a
luz amarela porque ninguém sabe onde vai chegar. O real mais
desvalorizado frente ao dólar deixa o peso argentino menos competitivo e
torna os negócios com o Brasil menos rentáveis", afirmou.
Em termos globais, estima-se que o Brasil é o endereço de mais de 20%
das exportações argentinas. O economista Marcelo Elizondo, da
consultoria Desenvolvimento de Negócios Internacionais (DNI), realizou
um estudo para o suplemento de economia do jornal Clarín, enfatizando "a concentração de destinos" das exportações argentinas e a dependência brasileira.
"A Argentina criou uma dependência crescente do Brasil", disse,
observando que em 2005, a Argentina enviava para o Mercosul 47% da sua
produção automotiva, 20% para NAFTA e 8,5% para a União Europeia e o
restante dos mercados. No ano passado, 80% desta exportação foram para o
Mercosul, 5,8% para NAFTA e 4,9% a UE.
Em entrevista à BBC Brasil, Elizondo destacou que as exportações globais
da Argentina cresceram 70% nos últimos cinco anos, mas que para o
Brasil o salto, no mesmo período, foi de 125%. Diante destes dados é claro que estou preocupado com o que ocorre na
economia brasileira. Nos últimos anos, a Argentina desviou comércio de
outros mercados e aumentou sua dependência do mercado brasileiro". Elizondo defendeu que a Argentina também intensifique suas exportações
para outros países e blocos. "Eu não acho que o Brasil vai entrar em
crise. Mas se a economia do Brasil desacelerar economia, afetará o
crescimento econômico argentino", disse. Para ele, é preocupante a notícia sobre a menor atividade industrial
brasileira. "A Argentina perdeu competitividade, diante dos seus altos
custos de produção e o Brasil (como importador) acabou anestesiando esta
nossa falta de competitividade."
Os possíveis efeitos do comportamento da economia brasileira foi um dos
temas da entrevista que a presidente do Banco Central, Mercedes Marcó
del Pont, deu, na semana passada, à emissora de televisão CN23. Ela afirmou que a alta do dólar na Argentina, cotado a 4,24 pesos, está
ligado ao período pré-eleitoral diante da eleição presidencial de
outubro e não em função do comportamento do real. "Para a Argentina,
prejudica muito mais um Brasil que não cresce, que não seja competitivo,
do que um Brasil que controle sua moeda", disse.
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