Presidente de Angola desde 1979, quatro anos após o país tornar-se independente de Portugal, José Eduardo dos Santos, 69 anos, chegou ao cargo no mesmo ano em que o guinéu-equatoriano Teodoro Nguema e um ano antes que o zimbabuano Robert Mugabe. Os três são remanescentes dos big men ("grandes homens", em inglês), como foram apelidados os vários longevos mandatários que controlavam grande parte da África até uma década atrás.
Nas ruas de Luanda, a capital angolana, retratos do presidente – a quem seus seguidores se referem como "Mais Velho" – ilustram numerosos outdoors, pôsteres e adesivos colados em carros de militantes do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), o partido no poder desde a fundação do país.
Mas as manifestações recentes que levaram à queda de três big men africanos – Khadafi na Líbia, Zine al-Abidine Ben Ali na Tunísia e Hosni Mubarak no Egito – agora ameaçam atravessar o Saara e chegar a Angola. Inspirados pela Primavera Árabe, jovens angolanos têm organizado protestos para exigir abertura democrática e o fim dos 32 anos de mandato do presidente. Eles afirmam que as vastas riquezas naturais do país (Angola é a segunda maior exportadora de petróleo da África Subsaariana) têm enriquecido apenas uma elite ligada ao governo, ao passo que a grande maioria da população continua à margem do progresso.
A primeira manifestação, em março, resultou na prisão de 17 pessoas, das quais quatro eram jornalistas que cobriam o evento. A segunda, no último sábado, reuniu algumas centenas de manifestantes e terminou, de acordo com ativistas, com a prisão de 50 pessoas, algumas das quais ainda não foram localizadas por suas famílias. Há ainda relatos de torturas sofridas pelos manifestantes, bem como agressões e confisco de equipamento de jornalistas.
Após as manifestações de março, em discurso ao comitê central do partido governista em abril, o presidente classificou os manifestantes de "oportunistas, intriguistas e demagogos" que querem levar a Angola "uma certa confusão que há em outras partes da África". Segundo ele, a intenção do grupo é "colocar fantoches no poder que obedeçam à vontade de potências estrangeiras, que querem voltar a pilhar as nossas riquezas e fazer-nos voltar à miséria de que nos estamos a libertar com muito sacrifício". "Temos de ser mais ativos do que eles para vencermos a batalha da comunicação da verdade", disse ele a seus seguidores.
Nesta "batalha da comunicação", o presidente conta com expertise do Brasil. Publicitários brasileiros assessoraram o MPLA nas eleições legislativas de 2008, as primeiras desde o fim da guerra civil.
Mas a presença de brasileiros em Angola não se limita a publicitários e assessores de comunicação: seguindo os passos da Odebrecht, que durante a guerra civil participou da construção da principal hidrelétrica angolana, empreiteiras como Camargo Correia, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão firmaram nos últimos anos vultosos contratos para a execução de obras públicas em Angola, cuja infraestrutura foi arrasada pelos 27 anos de conflito. E como faltam trabalhadores qualificados no país, as empresas recorrem a profissionais brasileiros para tocar os empreendimentos – segundo a Associação dos Empresários e Executivos Brasileiros em Angola (Aebran), há até 25 mil deles no país.
Essas empresas, contudo, tornaram-se alvo de parte dos ativistas contrários ao governo, que as consideram cúmplices da corrupção e do desvio de verbas públicas. Por sua vez, as construtoras negam qualquer malfeito e dizem contribuir com o desenvolvimento do país. "Há três países recipientes da corrupção em Angola: Portugal, Brasil e China. Grande parte do dinheiro roubado em Angola é investido nesses países", diz o jornalista Rafael Marques de Morais, um dos maiores críticos de José Eduardo dos Santos.
[João Fellet, autor do artigo que condensei acima, morou em Angola entre 2008 e 2009, quando trabalhou na implantação do Jornal de Economia & Finanças, e é autor do livro Candongueiro, no qual descreve suas experiências na África].
José Eduardo dos Santos é remanescente dos 'big men' que controlavam parte da África até dez anos atrás (Foto: AFP).
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