quarta-feira, 27 de julho de 2011

CIA simula programa de vacinação para fazer espionagem no Paquistão

No ano passado, num lugar remoto do Afeganistão, 10 ajudantes médicos foram apanhados e mortos em uma emboscada por militantes talebãs. Depois de matá-los, os talebãs alegaram que eles na realidade eram espiões "atuando em uma missão clandestina contra os mujahidins naquela área" [os mujahidins são combatentes armados, fundamentalistas islâmicos].

Isso foi considerado um insulto contra as vítimas. No entanto, neste mês, o governo Obama admitiu que a CIA havia organizado uma falsa campanha de vacinação no Paquistão para obter o DNA da família de Osama Bin Laden, quando a inteligência americana fechava o cerco sobre ele. Trabalhadores da área médica foram utilizados em uma missão clandestina -- não na imaginação paranoica de fanáticos que odeiam os americanos, mas como parte de uma política deliberada do governo dos Estados Unidos.

O artigo da Slate afirma que fornecer vacinas inadequadas sob falso pretexto não é obviamente pior do que, por exemplo, sequestrar e torturar pessoas sistematicamente -- acho esta afirmativa discutível, depende do tipo de vacina e do tipo de doença que ela deveria combater. O fato em si, continua o artigo, evidencia o colapso moral total das pessoas e do sistema responsáveis por ele. A CIA, dessa maneira, deu sua aprovação para o assassinato de Tom Little e Dan Terry (dois dos participantes do grupo de 10 emboscado pelos talebãs) e para quaisquer  assassinatos futuros de médicos em zonas de guerra abertas/declaradas ou secretas.  De agora em diante, não existe mais a figura do não combatente.

O teatro de guerra Afeganistão-Paquistão é um dos últimos lugares do mundo onde a poliomielite é ainda endêmica. O Washington Post (WP) informou que o governo paquistanês cogitou de cancelar uma campanha de imunização contra a pólio na semana passada por causa da campanha da CIA, antes de decidir pela continuação da iniciativa. "Uma autoridade da área de saúde da região da fronteira dos dois países disse que a preocupação era que militantes naquela região pudessem ferir os membros das equipes de vacinação, por suspeitar que fossem da CIA", disse o WP.

Mesmo que estejam desarmados, empregados da área de saúde correm o risco de serem barrados por pessoas já desconfiadas por conta de intervenções estrangeiras e, especialmente, de campanhas de vacinação. A lógica da CIA -- de que operários da saúde podem entrar em lugares que outras pessoas não conseguem -- é exatamente a razão para não usar essa alternativa.

"Por que nós (americanos ) queremos correr o risco de destruir a campanha contra a pólio? pergunta o WP. Depois que a história da "vacinação" da CIA veio à tona, o WP apresentou a resposta de uma "autoridade senior" americana: "As pessoas precisam colocar isso dentro de uma certa perspectiva", disse esse funcionário graduado, falando sob condição de anonimato devido à natureza sensível do assunto. "A campanha de vacinação fazia parte da operação de caça ao principal terrorista do mundo, e nada mais. Se os EUA não tivessem mostrado esse tipo de criatividade, as pessoas estariam coçando suas cabeças, perguntando por que não usaram todas as ferramentas à sua disposição para achar Bin Laden".

"Perspectiva", disse o alto funcionário. Então, nesse caso, por que a criatividade deveria ter parado com a falsa vacinação? Poderíamos ter ido de porta em porta em Abbottabad e matado cada pessoa encontrada. No final, continuando assim, teríamos matado Bin Laden, diz o artigo da Slate. Mas o tal funcionário graduado não estava descrevendo o raciocínio ético por trás do esforço para "encontrar Bin Laden". Bin Laden já havia sido encontrado. A campanha de vacinação foi uma questão de autoproteção burocrática -- conseguir amostras de DNA de pessoas que estavam dentro do esconderijo do terrorista, para confirmar que o alvo que a CIA havia identificado em Abbottabad era o certo, de modo que a agência não envergonhasse a si mesma. O máximo que as vacinações poderiam ter feito, se os testes de DNA resultassem negativos, teria sido permitir que a CIA silenciosamente adicionasse aquela casa à lista de lugares nos quais, ao longo de uma década, não conseguira encontrar Bin Laden.

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