sábado, 3 de março de 2012

Copa de 2014: Brasil não aceita mais Valcke como interlocutor, diz Rebelo

Desde que o Brasil postulou e conseguiu da FIFA ser o anfitrião da Copa do Mundo de 2014, só os incautos e os demagogos poderiam achar que tudo fluiria normalmente com aquela entidade. Violações nossas de cronogramas de obras à parte, as condições abusivas que a FIFA impõe para quem hospeda esse tipo de evento são cristalinas, inequívocas, e de conhecimento público. Já cedemos em um monte delas, todas rigorosamente absurdas e absolutamente inaceitáveis (se tivéssemos peito p'ra isso) -- bastam dois exemplos: o Maracanã, patrimônio esportivo do país, está sendo completamente mutilado e desfigurado por imposição da FIFA, e um dos principais aeroportos do país, o Santos Dumont, foi simplesmente fechado durante 4 horas para que, com a presença de Dª Dilma, fosse feito a merreca do sorteio das chaves da Copa ... Já fiz sobre esse tema, FIFA x Brasil, várias postagens: em 17/01/12, em 13/01/12, em 19/10/11, em 12/8/11, em 01/8/11, etc.

O interlocutor da FIFA com o governo brasileiro é o seu secretário-geral, o francês Jerôme Valcke, um homem de trato fino e sutil como uma escova de aço ou uma cama de faquir. Esse cidadão, quando vem por nossas bandas, tem sempre o jeitão típico do capataz francês lidando com gentios do quarto mundo. A última dele foi dizer que o Brasil precisa de um "chute no traseiro" para acelerar as obras da Copa do Mundo -- parece que, finalmente, o governo resolveu dar um chega p'ra lá nessa figura, como relata a reportagem abaixo, do jornal O Estado de S. Paulo de hoje.

O ministro dos Esportes, Aldo Rebelo, anunciou neste sábado, 3, que o governo brasileiro "não aceita mais" o secretário-geral da Fifa, Jerôme Valcke, como interlocutor entre o País e a entidade internacional, depois que o dirigente afirmou que Brasília precisa de "um pontapé no traseiro" para acelerar as obras da Copa do Mundo de 2014.

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"São expressões impróprias para tratar das relações entre a entidade e o país", disse o ministro. Devido às palavras usadas, qualificadas por Rebelo como ofensivas e inaceitáveis, o governo comunicará à Fifa que Valcke não mais será aceito como interlocutor. "As declarações do secretário da Fifa... dificultam o ambiente de cooperação e entendimento. Não tem cabimento", disse o ministro, afirmando que iria "comunicar o presidente da Fifa (a respeito) dessa decisão" de desconsiderar Valcke como intelocutor "a nível de governo".

O ministro lembrou ainda que durante uma visita ao Brasil em janeiro, Valcke foi recebido por autoridades do governo e fez elogios ao andamento das obras de estádios e de mobilidade urbana para a Copa. O dirigente da Fifa tem marcada uma nova viagem ao País nos próximos dias para vistoriar as obras. Rebelo disse, no entanto, que se vier, o secretário-geral não será recebido por representantes de Brasília.

Na sexta-feira, durante entrevista concedida em Londres, Valcke criticou os atrasos nas obras de estádios e infraestrutura, além de alfinetar o Congresso pela demora em aprovar a Lei Geral da Copa, que regulará todos os procedimentos relacionados ao mundial. O dirigente sugeriu que os responsáveis pelo Mundial deveriam levar um "pontapé no traseiro" e começar a trabalhar para recuperar o tempo perdido. De acordo com Valcke, o Brasil não está cumprindo os compromissos assumidos em torno da infraestrutura necessária para a Copa. "Não há hotéis suficientes", segundo o dirigente, que ainda afirmou que, das doze cidades que servirão como sedes, "apenas o Rio e São Paulo" contam com a capacidade para receber os turistas esperados durante a competição.

"Compromissos honrados"

Além de anunciar o posicionamento do governo, Rebelo deu detalhes sobre o andamento das obras em todas as cidades escolhidas como sedes, assegurando que em mais da metade dos casos, mais de 50% dos trabalhos já foram concluídos e serão entregues no prazo previsto. Ele também reconheceu atrasos significativos somente em Natal, onde apenas 17% do estádio está construído. O ministro também garantiu que os atrasos serão superados e lembrou que "em todos os países" onde foram organizados mundiais de futebol ou eventos similares, inclusive a Eurocopa, ocorreram situações parecidas.

Sobre as demoras no Congresso, que ainda não aprovou a Lei Geral da Copa, Rebelo disse apenas que o governo está "empenhado" em concluir os procedimentos. Ainda segundo o ministro, "todos os compromissos assumidos pelo governo serão honrados" e as leis serão aprovadas "dentro de um prazo razoável".

Apesar do mal estar criado pelas declarações de Valcke, o Brasil "continuará mantendo uma relação respeitosa e harmoniosa com a Fifa", cujos representantes "sempre foram recebidos no país de forma cordial e cuidadosa", concluiu o ministro, afirmando ainda que o País "está organizando o mundial porque foi escolhido para isso", e não porque foi sorteado ou porque foi uma condição imposta.

Valcke classificou de "infantil" a reação do governo brasileiro.

O imbróglio criado pela grosseria de Valcke e a reação do governo brasileiro repercutiram na imprensa internacional, como no BBC News,  no jornal inglês The Independent, no americano The Washington Post, no francês Le Monde, no argentino Clarín, e outros.


Aldo Rebelo, Ronaldo e  Jerôme Valcke, na última visita de Valcke ao Brasil - (Foto: Sergio Lima/Folhapress).

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