Volta e meia dou uma zapeada na TV e sintonizo a transmissão da sessão do plenário do STF - Supremo Tribunal Federal. Esse, para mim, é o melhor reality show da nossa televisão, com a diferença fundamental de que seus participantes são juízes togados. Nele há de tudo: desfile de egos, mirabolâncias e acrobacias oratórias, e até ministro (Marco Aurélio Mello) desafiando colega (Joaquim Barbosa) para decidir "lá fora" suas divergências ... Já fiz postagem recente sobre nossa Suprema Corte.
Nesta quinta-feira o STF se superou e, a meu ver, desbancou de vez o Big Brother Brasil. Ele, simplesmente, cancelou uma decisão que havia tomado dez horas antes!... O enredo dessa novelinha é simples, linear e quase comovente. Na quarta-feira à noite, nossa Suprema Corte declarou inconstitucional a MP (Medida Provisória) que criara o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, porque ela não havia sido votada previamente pela comissão especial mista, antes da análise pelos plenários da Câmara e do Senado, como determina a Constituição Federal. Decisão tomada, Constituição resguardada, e nossos sapientes ministros do STF com a sensação do dever cumprido.
Eis que de repente, não mais que de repente, deu-se o cataclisma e gerou-se o tsunami: descobriu-se que, desde setembro de 2001, quando os parlamentares mudaram o ritual de edição das MPs, proibindo suas reedições pelo presidente e limitando o prazo para sua votação, nada menos que 460 (!) MPs foram editadas sem cumprir o que determina nossa Carta Magna -- atualmente há 12 Medidas Provisórias aguardando votação na Câmara e outras 2, no Senado, todas constitucionalmente inválidas. O governo recorreu juridicamente da decisão do Supremo por meio do advogado-geral da União, o PSDB anunciou a intenção de questionar todas as entidades estatais criadas por MPs e o PPS pediu a suspensão de todas as MPs em tramitação no Congresso. Ou seja, se cumprida, a decisão do STF geraria um caos jurídico de proporções inimagináveis.
Encurralados, nossos doutos ministros sairam pela tangente e criaram um monstrengo (mais um): sua decisão só vale para as MPs editadas a partir de agora. Os "guardiães" constitucionais da nossa Carta Magna dormiram no ponto, não fizeram direito seu dever de casa, e agora temos uma Constituição violada há 11 anos pelo Congresso, sob a vigilância sonolenta e omissa do Judiciário, e outra com cirurgia plástica a partir de agora.
Para os humildes mortais é muito difícil entender o mecanismo de atuação da justiça neste país. É inexplicável e inacreditável que durante 11 anos 460 MPs inconstitucionais sejam aprovadas pelo Congresso e implantadas pelo governo, sem que nenhum dos inúmeros e bem remunerados advogados e juízes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário tenha se dado conta disso! As duas casas do Legislativo têm uma Comissão de Constituição e Justiça, de caráter permanente -- que raio de órgãos são esses, que deixam deputados e senadores fazerem essas lambanças há 11 anos? E a Advocacia-Geral da União, que permite que o governo implante MPs inconstitucionais? E o Ministério Público, é outro Pilatos nessa história?!
Temos agora uma Constituição desrespeitada com a chancela da nossa Suprema Corte, algo que desmerece qualquer democracia que se preze.
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