quarta-feira, 14 de março de 2012

A bomba de 100 bilhões de euros -- O sistema de Bancos Centrais da eurozona está maciçamente desequilibrado (II)

Vejam apostagem anterior sobre o mesmo assunto.

Hans-Werner Sinn gosta de ser provocativo. Neste caso, entretanto ele parece estar realmente preocupado. Sentado em um restaurante em Berlim, com seu laptop aberto à sua frente, ele usa a ponta de sua colher de café para acompanhar as linhas amarelas e azuis que serpenteiam no visor. Tais linhas mostram a extensão em que a zona do euro saiu dos trilhos.  "Isto é perigoso", diz Sinn, seus olhos brilhando. Esses desequilíbrios financeiros devidos por outros bancos centrais deixam a Alemanha exposta a chantagem, explica ele. "Agora, todo mundo sabe que temos que salvar o euro a qualquer custo".

Sua tese soa dramática, no entanto até agora Sinn não conseguiu fazer com que o público em geral se interesse pelo problema, que está apenas lentamente se espalhando para além dos círculos econômicos. Ele conseguiu fazer isso chegar aos grandes jornais, mas o tabloide popular Bild não publicará tão cedo a descoberta de Sinn em sua primeira página.

Sinn certamente não hesita em fazer-se ouvido. Ele é um convidado bem-vindo em talk shows, porque expõe sua posição de maneira clara, temperada com comentários breves mas eficientes. Mas, esta abordagem não funciona com o assunto atual de Sinn, que é muito complexo para um show desse tipo. E há ainda o nome do sistema de pagamento entre os bancos centrais -- "TARGET2" ("OBJETIVO2") -- que soa tão excitante como o nome de um seminário de contabilidade.

Parte 2 - A gênese do problema

Teoricamente, o sistema deveria ser tão inofensivo quanto parece. TARGET2 é previsto para ajudar a processar as demandas de pagamento entre bancos centrais, que resultam de cada transferência bancária transfronteiriça dentro da união monetária. Enquanto a economia estiver equilibrada, e bens e dinheiro estejam fluindo em todas as direções, as contas fecham. Mesmo se um país importar mais do que exportar, ele geralmente é capaz de cobrir a diferença com a entrada de capital externo, mantendo em zero ou próximo dele o balanço das contas no TARGET2. Esse foi o caso até o começo de 2007.

Eis um exemplo:  uma empresa grega compra um caminhão de uma empresa alemã. O banco local da companhia grega em Tessalônica transfere o pagamento do caminhão para o banco da empresa alemã em Stuttgart. Como o pagamento é efetuado através dos bancos centrais dos dois países, isso gera uma dívida do banco central grego junto ao BCE dentro do sistema Target2, ao passo que o banco central alemão passa a ter um crédito junto ao BCE pelo mesmo montante.

No sistema Target, todas as remessas ou transferências  transfronteiriças fluem através dos bancos emissores - [EZB = BCE; - überweist Geld = dinheiro transferido; - Griechische Geschäftsbank = banco comercial grego; - Griechische Zentralbank = banco central grego; - Weitergabe der Überwesung = processamento da transferência; - Hier entsteht eine Verbindlichkeit gegenüber der EZB = aqui ocorre uma obrigação (dívida) junto ao BCE; - Hier entsteht eine Forderung gegenüber der EZB = aqui ocorre um crédito junto ao BCE; - Bundesbank = banco central alemão; - Weitergabe = transferência; - Deutsche Geschäftsbank = banco comercial alemão; zahlt Geld aus = dinheiro pago -- (Fonte: Spiegel Online, edição alemã - clique na imagem para ampliá-la).


O balanço fecha quando o dinheiro flui da Alemanha para a Grécia, como acontecia na maior parte do tempo antes da crise: o banco comercial na Grécia tomaria emprestado, por exemplo de um banco alemão, o dinheiro de que necessitava para seu empréstimo à empresa grega. Isso, em si mesmo, é um problema. Como países tais como Grécia, Espanha e Portugal durante anos importaram mais do que exportaram, mesmo antes da crise eles dependiam da entrada de capital externo para pagar os bens e serviços que compravam. Por outro lado, de maneira consistente, a Alemanha produzia superavits exportáveis, o que significava que tinha também que exportar capital.

Tais desquilíbrios geram dificuldades no longo prazo, mesmo em tempos de vacas gordas. Mas, numa crise financeira, eles potencialmente podem levar a uma catástrofe, porque o fluxo de caixa interbancário subitamente se desestabiliza. Isto é o que tem acontecido desde 2007:
  • Bancos em todos os países da eurozona tiveram que reter seu dinheiro. Eles saíram de países  supostamente instáveis, e empréstimos que expiraram não foram renovados.
  • Os receios dos abastados também entraram em jogo: preocupados com a possibilidade de que seu dinheiro pudesse logo perder seu valor, eles começaram a sair da Grécia, de Portugal e da Irlanda e, mais tarde, também da Espanha e da Itália.Isso deixou os bancos nesses países com menos poupança para suprir seus empréstimos.
  • O resultado de tudo isso foi que a Grécia e outros países em crise não tinham mais dinheiro suficiente para financiar todas as suas importações.  Se bancos gregos quisessem oferecer empréstimos adicionais, para pagar por exemplo pela compra de produtos alemães ou holandeses, eles tinham que tomá-lo emprestado de seu banco central. 
  • O banco central, por sua vez, simplesmente criava dinheiro do nada, debitando-o a toda a zona do euro como um débito pendente dentro do sistema TARGET2. "Esses países simplesmente tiravam dinheiro da máquina impressora", reclama Sinn.
Evolução dos desequilíbrios no TARGET2 ao longo do tempo, em bilhões de euros (clique na imagem para ampliá-la) - [Bundesbank claims = créditos do banco central alemão; - GIIPS debts = dívidas de Grécia, Irlanda, Itália, Portugal e Espanha] - (Fonte: Spiegel Online, edição inglesa).

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