segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Um almoço para Einstein -- mais um exemplo de autoritarismo retrógrado do governo de Dona Dilma

[Entre as inúmeras mazelas, pilantragens e falcatruas que caracterizam a década petista no governo -- com grande chance de durar mais seis anos, infelizmente -- há preocupantes e recorrentes iniciativas  de cerceamento da liberdade de imprensa e de certas liberdades e direitos individuais. No primeiro caso, vimos as insistentes investidas do famigerado Franklin Martins para calar a boca da imprensa quando ocupou o Ministério da Comunicação Social no governo do NPA (Nosso Pinóquio Acrobata, Lula), com a aquiescência deste. A visibilidade dada pela mídia ao julgamento do mensalão, que resultou na condenação de grandes e importantes ícones do PT, já provocou manifestações de uns e outros para que se ressuscite essa iniciativa nefasta. No capítulo das liberdades e direitos individuais, a mais recente investida arbitrária, autoritária e retrógrada do governo petista da afável Dona Dilma nos é contada hoje pelo Prof. Luiz Pinguelli Rosa, diretor da COPPE/UFRJ, publicado no Globo e, surpreendentemente, no site do Ministério do Planejamento , e que transcrevo abaixo. A publicação no site oficial de um ministério de artigo de autor de renome criticando pesadamente outro ministério (o MEC) e a CGU (Controladoria-Geral da União é muito mais, ou unicamente, um claro sinal de guerra interna no seio do governo do que uma demonstração de democracia.]

Um almoço para Einstein

Prof. Luiz Pinguelli Rosa (O Globo, 25/2/2013)

Apartir de agora, atividades acadêmicas e científicas nas universidades federais deverão seguir uma cartilha com 122 prescrições burocráticas da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Ministério da Educação (MEC).

"A revolução dos bichos" ("Animal farm", no título original), sátira de George Orwell ao stalinismo por trair a revolução socialista, tinha também uma cartilha, com sete mandamentos: tudo o que ande sobre duas pernas é inimigo; tudo o que ande sobre quatro pernas ou tenha asas é amigo; nenhum animal usará roupas; nenhum animal dormirá em cama; nenhum animal beberá álcool; nenhum animal matará outro animal; todos os animais são iguais.

Há contradição, arbitrariedades, burocracia idiota, moralismo hipócrita e pontos éticos e corretos. Embora ficção, essa cartilha é paradigmática.

Na cartilha da CGU e do MEC, há contradições e interpretações que confrontam a Constituição. Se a cartilha for seguida à risca, nenhum professor em dedicação exclusiva poderá possuir ações de empresas, nem mesmo da Petrobras ou do Banco do Brasil, o que é um absurdo. Também não poderá participar de sociedade privada, logo os pesquisadores terão que abdicar de sociedades científicas, como a SBPC, e de outras, como o Clube de Engenharia. O item 11, por exemplo, limita a autonomia universitária listando leis e decretos e omitindo artigos da Constituição. Outros itens tratam colegiados acadêmicos como corporativos e ameaçam seus membros. O objetivo é incutir o medo que costuma paralisar as pessoas.

Alguns auditores da CGU, articulados com elementos da Procuradoria da República no Rio, promoveram acusações a Aloísio Teixeira e Carlos Levi, ex-reitor e atual reitor da UFRJ, respectivamente, e a outros colegas da reitoria (No fim da década de 1960, existiram, na UFRJ, os atingidos pelo AI-5. Agora, haverá os atingidos pelos órgãos de controle, especialmente o professor Geraldo Nunes, que o relatório da CGU demite, sem existir um processo específico contra ele na UFRJ e sem passar pelos colegiados.) As acusações foram refutadas na sua essência pelo Conselho Universitário. Aloísio faleceu. Teve em vida reconhecimento, além de acadêmico, pela posição democrática coerente desde a oposição de esquerda à ditadura. Levi, um dos criadores do LabOceano, o primeiro do moderno Parque Tecnológico da UFRJ, foi inocentado pelo colegiado da própria CGU de acusações sem pé nem cabeça: comprovou-se que os recursos foram gastos em obras e atividades acadêmicas por meio da Fundação José Bonifácio, da universidade.

Infelizmente, para a mentalidade conservadora e juridicista que entrava o serviço público, tudo o que moderniza a gestão do Estado é inimigo, até mesmo as fundações de apoio, criadas por lei com esse propósito. Por sua vez, tudo o que segue o caminho mais complicado e demorado é amigo: para seguir as regras da cartilha, doentes podem morrer sem remédios e estudantes podem ficar sem laboratórios. Querem até licitar a folha de pagamento da UFRJ, feita há décadas por meio do Banco do Brasil! A quem serve isso? A algum grande banco. Isso combate a corrupção ou a estimula?

São muitas as proibições que estimulam o imobilismo e a indolência, pois qualquer iniciativa acadêmica pode violar algo. O deputado Chico Alencar contou 3,7 milhões de leis "no país da cultura bacharelesca". Uma denúncia anônima mentirosa - disparada como um míssil por um inimigo pessoal - pode levar um colega sério a ser alvo de perseguição kafkiana. Em outro livro de Orwell, "1984", um terrível personagem, o Big Brother, de algum lugar vigia todos e os pune. Seu famoso bordão - "Big Brother está observando você" - chegou a inspirar o programa televisivo. Por razões ideológicas ou midiáticas, problemas administrativos sanáveis viram escândalos. Podem ser refutados na Justiça, mas advogados saem caro.

Dar aulas cumprindo o expediente é uma obrigação que deve ser cobrada de todos os docentes. Aliás, não há nada sobre isso na cartilha. É o mínimo, mas é preciso fazer mais: envolver os estudantes, criar coisas novas, ajudar a mudar o Brasil em benefício do seu povo e a compreender o mundo contemporâneo na cultura, nas artes, na ciência e na tecnologia. A quem interessa acabar isso?

Em 1925, Einstein esteve na UFRJ: na Escola Politécnica e no Museu Nacional, fundados por Dom João VI. Fizeram parte da UFRJ Darcy Ribeiro, José Leite Lopes, Maria Yedda Linhares, Eulália Lobo e Milton Santos (atingidos pelo AI-5), César Lattes, Carlos Chagas e Clementino Fraga. A Coppe, criada por Alberto Luiz Coimbra, que este ano comemora 50 anos de pós-graduação e pesquisa de engenharia, recebeu Noam Chomsky, os ganhadores do Nobel Carlo Rubbia e Joseph Rotblat e brasileiros ilustres como Oscar Niemeyer e os presidentes Dilma e Lula. Projetos com empresas realizados por meio da Fundação Coppetec foram citados como referência pelos ministros Mercadante e Raupp em visitas recentes. Nada disso exime a UFRJ do controle externo, mas é preciso haver respeito à autonomia. Oferecer um almoço na visita de Einstein à universidade hoje poderia ser considerado um ato ilícito, segundo a cartilha.

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[O mesmo governo que criou essa cartilha ridícula para atividades acadêmicas e científicas, querendo "enquadrar" os professores universitários, é o mesmíssimo governo que fez vista grossa para a baderna de bombeiros e PMs em vários estados do país em fins de 2011 e início de 2012, com invasão e danos ao patrimônio público, e acaba de ceder demagógica e irresponsavelmente às exigências peleguistas dos grevistas ilegais dos portos públicos do país.  Aliás, é preciso reconhecer que nossa sempre simpática ex-guerrilheira é coerente, até e principalmente na burrice -- no caso da educação, por exemplo, um de seus primeiríssimos atos quando assumiu a presidência em janeiro de 2011 foi cortar R$ 3,1 bilhões do MEC.  Educação não é mesmo o esporte preferido da supersimpática Dona Dilma.]

 

2 comentários:

  1. Broder,

    Você acha que mencionar a palavra 'EDUCAÇÃO", mesmo que de leve, tem alguma coisa a ver com o que vai pelo Brasil, sob a égide petista? Acho que não tem. Acorrentar as universidades com cartilhas idiotas deve ser o mínimo que podemos esperar. Não me espantaria se a tal cartilha fosse uma tradução infame e nauseabunda de cartilha similar produzida em Cuba. Aiás, não resta mais dúvidas: o modelo de democracia que os petistas querem para o Brasil é o de Cuba (oops!). Democracia tem várias cores. Lembro-me amiúde daquele bloco de carnaval: "Que COISA é essa?"
    Nota: Acho que "nauseabunda" não é palavrão, mas não tenho mais certeza.

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  2. Amigo AMAURI:
    Belo comentário!!!
    Acho que hoje o bloco de carnaval citado deve ter mudado de nome para "QUE MESSA É ERDA?"

    Abraços - LEVY

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