[Como diz o velho ditado, há certas coisas que só acontecem com os ingleses. Os pobres súditos da rainha estão há mais de mês às voltas com hambúrgueres, espaguete à bolonhesa, lasanhas e outros quitutes culinários feitos com carne de cavalo sem o seu conhecimento. Agora, para piorar sua digestão, surge a notícia de que a tal carne na realidade pode ser de burro e não de cavalo, como nos conta a reportagem do The Independent que traduzo a seguir. Para tornar o imbróglio mais "apetitoso", parece que franceses e suecos também foram envolvidos nessa aventura gastronômica.]
Uma lei banindo os cavalos das estradas romenas pode ser responsável pelo surto na venda fraudulenta de carne de cavalo no mercado de carne europeu, disse ontem um político francês.
Carroças puxadas a cavalo foram, durante séculos, um meio de transporte comum na Romênia, mas teme-se que centenas de milhares desses animais tenham sido enviados a matadouros após a mudança da lei nas estradas. A lei, que foi aprovada há seis anos atrás mas só agora posta em vigor, baniu também as carroças puxadas por burros, gerando entre autoridades da indústria alimentícia na França a especulação de que parte da "carne de cavalo" que apareceu na gôndolas de supermercados do Reino Unido, França e Suécia possa, na realidade, ser carne de burro. "Os cavalos foram banidos das estradas romenas, e milhões de animais foram mandados para os matadouros", disse Jose Bove, um veterano defensor dos pequenos fazendeiros que é agora vice-presidente do Comitê de Agricultura do Parlamento Europeu.
Depois de um par de dias em que a questão da carne de cavalo foi vista como sendo, em grande parte, um problema britânico, o escândalo passou a ser levado a sério por políticos e jornais franceses no fim de semana que passou. O ministro francês dos Consumidores, Benoit Hamon, disse no dia 10 que não hesitaria em tomar medidas legais se surgisse evidência de que as duas empresas francesas que utilizaram a carne sabiam da fraude. En passant, Hamon deu também uma estocada no governo britânico, dizendo que Londres estava reclamando da fraca inspeção de alimentos europeia enquanto, ao mesmo tempo, cortava em Bruxelas o orçamento para controles de segurança alimentar na União Europeia (UE) [essas rusgas entre franceses e ingleses são uma delícia!].
O alerta de Hamon surgiu depois que as maiores cadeias de supermercados da França retiraram de suas gôndolas os produtos de carne processada de suas próprias marcas e da marca Findus. Hamon disse que as investigações preliminares da agência francesa que combate fraudes contra consumidores revelaram a rota bizantina da carne "falsa". Ela veio de matadouros na Romênia através de um comerciante em Chipre, que operava através de um comerciante na Holanda para uma indústria de carne no sul da França que, por sua vez, vendeu-a para uma indústria francesa em Luxemburgo que, finalmente [uff!], utilizou-a em comidas congeladas vendidas em supermercados de 16 países.
Enquanto isso, está se organizando uma ação legal na Europa em relação ao escândalo da carne de cavalo disse o ministro britânico de Meio Ambiente, Owen Paterson, que descreveu a contaminação dos produtos de carne como sendo um caso de fraude contra a população. [A menos que regras sanitárias tenham sido comprovadamente violadas, o que até agora não apareceu nesta reportagem nem em outras sobre o assunto, a palavra "contaminação" usada no texto é exagerada. A carne equina é rica em proteínas e muito consumida em países da Ásia (o Japão é um deles) -- não sei se a carne de burro é inferior à do cavalo ... No ano passado, a Romênia produziu 6,3 mil toneladas de carne de cavalo -- haja cavalo!]
Paterson disse que o escândalo parece "estender-se" através da Europa, mas repetiu ser contrário a que haja uma suspensão nas importações de carne, afirmando que a opinião da Agência de Normas Alimentares (FSA, em inglês) era de que todos os produtos à venda são próprios para o consumo. "Este é um caso de fraude e complô contra a população, é um ato criminoso de substituição de um produto por outro", disse ele ao programa Café da Manhã da BBC em resposta a uma pergunta sobre pedidos de suspensão de importações de carne.
[Essa história da carne de cavalo ainda deve render um bocado. A Romênia confirma que vendeu carne de cavalo, mas defende-se dizendo que ela estava corretamente etiquetada como tal. O assunto começou a ganhar contornos políticos, quando se descobriu que uma empresa suspeita pela França de envolvimento no escândalo, a CarmOlimp, pertence à família de Valentin Soneriu, vice-ministro da Agricultura da Romênia. Soneriu recebeu o apoio de políticos e do governo romenos. Quando indagado se alguém poderia ter confundido carne de cavalo com carne de vaca, Soneriu disse: "Não acreditamos que alguém possa cometer esse tipo de erro. Você pode distinguir visualmente se uma peça de carne é de cavalo ou de vaca". Nesse andar da carruagem, britânicos, franceses e suecos vão acabar comendo também gato por lebre...]
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